Como “Virtual XI” se tornou o fim da linha para Blaze Bayley no Iron Maiden

Disco que flertou com realidade virtual e Copa do Mundo sucumbiu às críticas e foi o último do vocalista, abrindo caminho para volta de Bruce Dickinson

O Iron Maiden chegou ao fim da década de 1990 tentando abraçar de qualquer forma o espírito do tempo, que naquela época se deslumbrava com inovações tecnológicas e com os primeiros sinais de que o mundo real e o virtual se tornariam indissociáveis.

“Você acredita no que ouve? Consegue acreditar no que vê? Você acredita no que sente? Consegue acreditar? O que é real? Futuro real”, cantava Blaze Bayley no refrão de “Futureal”, música que abre “Virtual XI”, lançado em 23 de março de 1998.

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Mal sabia – ou poderia acreditar – o vocalista que tal álbum seria o seu último com o Maiden. E, pior, que ele seria chutado para dar lugar justamente ao antecessor Bruce Dickinson, a quem a banda se viu obrigada a recorrer mais uma vez.

Em entrevista recente a Andy Greene, da Rolling Stone, Blaze relembrou:

“Nunca, jamais eu tive esse medo (de ser trocado de volta por Bruce), pois eu pensava que havia eras na banda. A era de Paul (Di’Anno) e Clive (Burr) foi uma. Depois veio a de Bruce e Nicko (McBrain). E então a minha. Eu realmente achava que um terceiro disco do Maiden comigo seria encantador.”

Não houve terceiro disco. A era Blaze Bayley durou breves cinco anos – 1994 a 1999 – e dois trabalhos de estúdio: “The X Factor” (1995) e “Virtual XI” (1998), que, em meio a flertes com realidade virtual e Copa do Mundo, foi o fim da linha para o cantor.

Quando dois mundos colidem

Como o nome denuncia, “Virtual XI” tem ligações com o número 11. A mais óbvia se deve ao fato de ser o 11º álbum da discografia do Iron Maiden. A mais mirabolante, por assim dizer, tem a ver com o número de jogadores de um time de futebol.

Steve Harris nunca escondeu sua paixão pelo esporte bretão. Nesse disco, além do conceito de imersão tecnológica, o baixista tenta surfar na onda da Copa do Mundo daquele ano, disputada na França, e insere diversas alegorias futebolísticas. Uma mistura tão exótica quanto forçada.

Já na capa, criada por Melvyn Grant, temos o retrato explícito dessa junção de mundos distintos. No centro das atenções, um Eddie pós-apocalíptico é a ameaça real ao garoto distraído pelo mundo virtual. No canto esquerdo inferior, jogadores disputam uma partida de futebol. Pelos uniformes, possivelmente um Brasil x Inglaterra, numa alusão ao confronto histórico das duas seleções na Copa de 1970, no México.

No encarte, uma foto dos integrantes do Iron Maiden perfilados como time, que contava ainda com jogadores reais e badalados da época, como o holandês Overmars, o inglês Paul Gascoigne, o francês Patrick Viera e o colombiano Faustino Asprilla, que chegou a jogar no Palmeiras.

Foto via encartespop.com.br

Na pré-divulgação de “Virtual XI” e também durante a turnê após o lançamento, a banda realizou alguns jogos festivos nos países em que circulou. No livro “Run to the Hills”, do jornalista e escritor Mick Wall, Steve Harris comenta sobre a ideia:

“Nossos fãs são bem parecidos conosco, têm os mesmos interesses. Como 1998 era ano de Copa do Mundo, resolvemos envolver futebol no novo álbum. Também já estávamos trabalhando no jogo de computador na época; então, achamos legal juntar os dois elementos.”

O game citado por Steve é “Ed Hunter”, lançado em 1999 e que também deu nome a uma coletânea. Foi mais um demonstrativo do Iron Maiden de que queria se atualizar e explorar novas possibilidades na virada de século e com a chegada do novo milênio.

Em termos de identidade, até a logo da banda sofreu leve alteração. A partir de “Virtual XI”, as letras “R”, “M” e “N” presentes em Iron Maiden deixaram de ser grafadas de forma estendida nas capas dos discos, o que era tradição desde a estreia, em 1980. A nova grafia, “achatada”, permaneceria até “The Final Frontier” (2010).

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No que se refere à gravação e ao som em estúdio, a banda continuou sob a batuta do produtor Nigel Green, com quem já havia trabalhado em “The X Factor”, mas intensificou a experimentação de novas tecnologias. O guitarrista Dave Murray contou, em entrevista a George Koroneos, em 1998:

“Usamos muita tecnologia de computador neste álbum. Com pistas virtuais, você pode ter quantas faixas quiser para tocar e gravar. Usamos isso para tentar trazer o som do Maiden para o novo milênio e fazer o álbum soar realmente moderno.”

O fracasso de carne e osso

Se o conceito de misturar realidade virtual e futebol já era um tanto quanto descolado da realidade, a chance de o álbum dar certo caiu por terra com a baixa qualidade da maioria das músicas, isso sim bastante palpável.

Foram lançados dois singles. O primeiro, e Steve Harris bateu o pé para que fosse ela, a interminável “The Angel and the Gambler”. Originalmente com 9min53seg de duração, na versão editada ela ficou com 6min05seg, mas permaneceu igualmente insuportável. Por um bom tempo, ocupou o posto de música de trabalho mais longa da banda, até ser destronada por “Empire of the Clouds”, de “The Book of Souls” (2015), com seus 18 minutos.

O segundo foi “Futureal”, escolha bem mais plausível e uma das poucas músicas de “Virtual XI” que se salvam, ao lado de “The Educated Fool” e “The Clansman”, inspirada no filme “Coração Valente” (1995), estrelado por Mel Gibson.

Blaze Bayley recorda desta última com orgulho:

“Foi um dos momentos mágicos. Ela surgiu quando Steve estava usando um baixo acústico para compor. Ele estava brincando com o baixo e disse: ‘tive essa ideia’. Ele pegou um pedaço de papel e um lápis. Ficou assobiando a melodia e tudo mais. Então me disse: ‘o que você acha, Blaze?’. Eu digo: ‘Steve, é fantástico!'”

Blaze foi incentivado pelo baixista a colaborar nas composições e acabou sendo creditado em três delas: “Futureal”, “When Two Worlds Collide” e “Como Estais Amigo”.

Outras curiosidades dessa fase são:

Pela primeira vez, Steve Harris se arriscou a gravar os teclados de algumas músicas em estúdio: “The Clansman”, “The Angel and the Gambler” and “Don’t Look to the Eyes of a Stranger”; E quatro faixas compostas durante as sessões de “Virtual XI” acabaram entrando só no disco seguinte, “Brave New World” (2000): “Blood Brothers”, “The Mercenary”, “Dream of Mirrors” e “Nomad”.

Um indício de que, talvez, a culpa pelo resultado abaixo do esperado no produto final em “Virtual XI” não estivesse necessariamente nas mãos de quem compunha, mas na voz de quem estava cantando, como avaliou o jornalista Stephen Erlewine, do AllMusic:

“Na superfície, não há nada terrivelmente errado com o disco, já que ele entrega alguns riffs pesados e o horror demoníaco de seus melhores álbuns. O problema é que não há nada memorável nos ganchos, nos riffs, nas canções… E há pouca energia visceral na música ou na produção. O resultado é que soa sem vida para quase todo mundo, menos para fãs mais viciados.”

Fim da linha

Ganhou força ao longo dos anos a hipótese de que Blaze Bayley, por mais que tivesse uma voz relativamente interessante, não se encaixou no Iron Maiden e jamais conseguiu conferir às músicas uma interpretação convincente. Sem carisma, ele também não conseguia dar cara e identidade às composições. Seria algo que um vocalista mais confiante, ainda que limitado, poderia fazer.

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Ao vivo, esse panorama só piorava. Blaze tinha ainda mais dificuldade para executar os clássicos da era Dickinson e caiu em desgraça na passagem do Iron Maiden pelos Estados Unidos, com vários shows cancelados devido a problemas de voz do cantor.

A turnê chegou ao fim no dia 12 de dezembro de 1998. O último show de Blaze Bayley foi na Argentina, após algumas datas sofríveis também no Brasil, curiosamente dois países apaixonados por futebol, tema que estava no cerne do conceito de “Virtual XI”.

Steve Harris fala da decisão de tirar o vocalista:

“Deixar Blaze sair foi uma das coisas mais difíceis que tive de fazer desde que comecei a banda. Mas havia conversas e preocupações por causa da inconsistência de Blaze no palco. Daí, chegou a hora em que algo tinha de ser feito. Mas eu gostava de trabalhar com ele. Não faço discos para tentar ser o número 1; simplesmente faço o melhor álbum que posso. Talvez as coisas não estivessem indo tão bem quanto nos anos 1980, mas, de qualquer modo, o metal tinha caído durante o período em que Blaze esteve na banda.”

“Virtual XI” obteve as piores posições nas paradas desde “Killers” (1981). Em 10 de fevereiro de 1999, menos de um ano após o lançamento do álbum, a banda anunciou a demissão de Blaze e o retorno de Bruce Dickinson, que traria consigo o guitarrista Adrian Smith de volta. Eles haviam saído, respectivamente, em 1993 e 1990.

Blaze contou a Andy Greene, da Rolling Stone, como recebeu a notícia:

“Eles fizeram da forma correta. Tivemos uma reunião com todos sentados à mesa. Disseram: ‘com todo o respeito, nós lamentamos, mas não podemos continuar; é um grande negócio’. Eu perguntei: ‘o Bruce está voltando?’. Houve silêncio por um momento. Mas a decisão já havia sido tomada há muito tempo. Só eu desconhecia totalmente. Disseram: ‘sim, é ele’. Eu disse ‘ok, não temos mais nada para falar, agradeço por tudo e nunca direi uma palavra sobre essa banda, pois fui muito bem tratado’.”

Ele também revelou sua teoria sobre a demissão:

“No fim das contas, foi pressão comercial da EMI. Porque Judas Priest, Black Sabbath, Deep Purple, todos estavam se reunindo com seus vocalistas originais. Todos eles tiveram grande sucesso com essas voltas e aumentaram suas vendas. Os senhores de escravo da música (gravadoras) pressionavam: ‘precisamos de alguma coisa… Maiden, o que podem fazer por nós?’.”

E concluiu, evocando o… futebol:

“Fiz meu melhor, mas a pressão é esta: você está jogando pela seleção da Inglaterra. É a final da Copa do Mundo e você precisa vencer. Essa é a pressão de ser o vocalista do Iron Maiden. […] É o melhor trabalho do mundo que alguém como eu poderia ter. É difícil, mas me deu alegria.”

Iron Maiden – “Virtual XI”

  • Lançado em 23 de março de 1998 pela EMI
  • Produzido por Steve Harris e Nigel Green

Faixas:

  1. Futureal
  2. The Angel and the Gambler
  3. Lightning Strikes Twice
  4. The Clansman
  5. When Two Worlds Collide
  6. The Educated Fool
  7. Don’t Look to the Eyes of a Stranger
  8. Como Estais Amigo

Músicos:

  • Blaze Bayley (vocal)
  • Dave Murray (guitarra)
  • Janick Gers (guitarra)
  • Steve Harris (baixo, teclado nas faixas 2, 4 e 7)
  • Nicko McBrain (bateria)

Músico adicional:

  • Michael Kenney (teclado em todas as faixas, exceto 2, 4 e 7)

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

1 COMENTÁRIO

  1. Gosto do album em si, tenho boas lembranças da época e de alguns shows que consegui ver pela MTV da época!!!! A verdade é que se fosse Bruce Dickinson nos vocais com certeza muita gente estaria falando que o album é clássico, um dos melhores e com muita coisa boa em si!!!! Acredito também que o album foi muito mal falado por causa do Vocalista, analisaram o Vocalista e esqueceram de elogiar como um todo!!!! Vejo grandes clássicos nesse album e no The X Factor…riffs marcantes e com refrões que paira de forma flamejante em determinadas músicas!!!! Uma vez eu disse: Falam mal do Blaze, mas na hora do Show dele todo mundo pede para ele cantar algo do Iron Maiden e assim vai!!!! Valeu!!!!

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