A história de “Purple Rain”, álbum e filme que consagraram Prince de vez

Trabalho mais popular de um dos maiores artistas pop da história mostra ímpeto criativo insaciável e polivalência que transcende a música

Existem artistas cuja ambição é alcançar a fama e ter acesso a todos os privilégios que ela confere. Tem aqueles mais interessados em inovar, alheios a qualquer noção de sucesso. Prince Rogers Nelson tinha olhos ao mesmo tempo na fama e na inovação. Via um como consequência do outro – e tinha um apetite insaciável por ambos.

Tendo atingido o top 10 americano pela primeira vez na carreira com seu quinto álbum, “1999” (1982), Prince se mostrou desinteressado apenas construir em cima desse feito atingindo o topo das paradas. Ele queria tudo. O topo das paradas e das bilheterias, além da completa remodelação do pop à sua imagem.

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Tal ambição requer um talento histórico para ser alcançada, algo que Prince tinha de sobra. O resultado foi “Purple Rain”, um dos maiores projetos multimídia de todos os tempos.

Vamos explorar a história desse marco do pop?

Prince and the Revolution

“1999” havia sido um divisor de águas na carreira de Prince até então. Não só por causa de seu sucesso – além de alcançar o top 10 de álbuns da Billboard, três singles alcançaram o top 10 da parada musical –, mas também por apresentar uma imagem diferente do artista. 

Conhecido como a figura solitária responsável por tocar todos os instrumentos em seus discos, Prince agora tinha uma banda, chamada The Revolution.  Formado por Dez Dickerson na guitarra, Brown Mark no baixo, Bobby Z. na bateria, além de Dr. Fink e Lisa Coleman nos teclados, o grupo acompanhou Prince durante a turnê de “1999”, aparecendo inclusive no icônico videoclipe da música título.

A primeira grande oportunidade do público internacional ver Prince, “1999” mostrava a melhor forma de apreciar o poder artístico dele, em uma apresentação ao vivo. Com The Revolution o acompanhando, o clipe é a apresentação de um grupo diverso em etnia, gênero e estética. Afrofuturismo, cyberpunk, cabaré, new romantic e até um cara vestido de médico. 

Mesmo com o sucesso do álbum, tal imagem ainda era muita coisa para o público tradicional americano digerir. Prince era competitivo e via durante a turnê de “1999” outros artistas conseguindo mais sucesso que ele fazendo música muito menos inovadora.

Em uma entrevista para a Spin, Dr. Fink descreveu uma conversa com Prince sobre o assunto:

“Durante aquela turnê, a gente sempre esbarrava com Bob Seger e a Silver Bullet Band. Depois de um dos shows, Prince me perguntou o que fazia o Seger tão popular. Eu disse: ‘bem, ele toca pop rock mainstream.’ Michael Jackson e Prince estavam quebrando barreiras, mas a rádio mainstream ainda era muito segregada. Eu disse: ‘Prince, se você escrevesse algo nesse estilo, abriria ainda mais portas para você’.”

Estrela de cinema?!

Ao fim do ciclo de “1999”, o contrato de Prince com seu empresário, Bob Cavallo, estava chegando ao fim. Quando abordado para renovar, o músico deu uma condição principal: queria estrelar em um filme produzido por um estúdio.

Após ouvir “não” de todos os principais estúdios nos Estados Unidos, Cavallo resolveu produzir o filme sozinho. A partir de ideias anotadas por Prince ao longo dos anos para uma trama, um roteiro foi escrito por William Blinn, roteirista de “Fame”. Conseguiram um diretor em Albert Magnoli, e a ideia de um filme com uma trilha sonora feita por um artista em ascenção pertencente à sua própria gravadora despertou o interesse da Warner Bros.

Contudo, a primeira reunião entre as partes não foi exatamente ideal, como Magnoli contou à Rolling Stone:

“A primeira reunião na Warner foi com o chefe do estúdio e de produção, além de alguns executivos, e a primeira coisa que eles falaram foi: ‘dá pra gente ver se o John Travolta está interessado em interpretar o Prince?’ Eu olhei pros empresários do Prince e pensei: ‘isso que estou falando, bem-vindos a esse mundo.’”

Trilha sonora

Após convencerem a Warner que Prince era o mais qualificado para interpretar a si mesmo – em vez de um homem branco nada parecido com ele – deu-se início aos trabalhos no disco. Era para tudo ficar pronto antes das filmagens começarem.

A esse ponto, havia acontecido uma mudança importante na banda. Dez Dickerson, guitarrista e principal colaborador criativo de Prince até então, deixou The Revolution. Dickerson havia se tornado cristão alguns anos antes e o conteúdo sexual das letras o incomodava. Ele desejava explorar projetos musicais mais alinhados com suas crenças.

A vaga foi ocupada por Wendy Melvoin, que fazia parte da órbita da banda desde 1981, quando começou a acompanhar Lisa Coleman, sua namorada, nas turnês. Prince sabia do talento musical da guitarrista ao ouvi-la tocando num hotel e achar que se tratava de Dickerson.

Wendy fez uma contribuição enorme para o disco ao ajudar a dar forma para a canção-título. “Purple Rain”, a música, era para ser uma colaboração com Stevie Nicks. Uma fita contendo uma versão instrumental foi enviada para Nicks escrever a letra. Em entrevista ao Minnesota Star Tribune, a cantora do Fleetwood Mac contou por que a parceria não ocorreu:

“Era tão avassaladora, aquela música de dez minutos, que eu escutei e fiquei com medo. Eu liguei de volta pra ele e falei: ‘Eu não consigo fazer isso. Queria poder. É demais pra mim’. Fico feliz que não escrevi a letra, porque aí ele que fez, e virou ‘Purple Rain’.”

Composta originalmente como se fosse uma canção country, “Purple Rain” foi levada para o grupo num ensaio, com Prince a descrevendo como “suave”. Melvoin começou a improvisar acordes que acabaram se tornando a famosa introdução.

Numa entrevista ao The Guardian, Lisa Coleman descreveu a reação de Prince ao ouvir a ideia de Wendy Melvoin:

“Ele ficou empolgado por ouvir a canção expressada de maneira diferente. Tirou a vibe country dela. Então todos nós começamos a tocar um pouco mais forte e a levar mais a sério. Nós tocamos ela por seis horas direto e ao final daquele dia tínhamos ela quase toda composta e arranjada.”

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A versão que ouvimos no disco foi gravada ao vivo no dia 3 de agosto de 1983 durante um show no First Avenue, uma das principais casas de show em Minneapolis. Outras duas canções do trabalho foram gravadas durante essa apresentação: “I Would Die 4 U” e “Baby I’m A Star”. Isso fez de “Purple Rain” o primeiro álbum de Prince a conter faixas ao vivo.

Sobre o significado do termo “purple rain”, Prince deu uma explicação para o NME:

“Quando há sangue no céu – vermelho e azul = roxo… purple rain se refere ao fim do mundo e estar com quem você ama e deixar sua fé/deus lhe guiar pela chuva roxa.”

Nada de baixo

Durante as filmagens de “Purple Rain”, o diretor Albert Magnoli pediu a Prince que compusesse uma música para ilustrar um momento em particular no filme cujas outras faixas da trilha, já inteiramente composta e gravada, não serviam. O músico foi para o estúdio e voltou no dia seguinte com duas canções. Uma delas era “When Doves Cry”.

Com pegada dance, “When Doves Cry” trazia uma característica muito marcante para a época: não tinha baixo. Prince originalmente havia gravado uma pista do instrumento, mas decidiu retirá-la após uma conversa com Jill Jones, backing vocal de sua banda.

A ausência de baixo no arranjo torna a canção mais esparsa, porém tão rebuscada e experimental quanto o resto do disco. Prince fez questão do som da trilha de “Purple Rain” não apenas ser grandioso, mas refletir seu apetite experimental e a dinâmica dele com seu grupo de apoio. Tanto que foi o primeiro lançamento creditado a Prince and The Revolution.

“When Doves Cry” foi o primeiro single da trilha a ser disponibilizado. Alcançou o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos em julho de 1984 e permaneceu no topo por quatro semanas.

“Purple Rain”, o disco, saiu em 25 de junho de 1984, atingindo o número 11 das paradas americanas de cara. Após quatro semanas o álbum chegou ao topo da Billboard, onde permaneceria durante 24 semanas consecutivas. Durante esse período, Prince igualou uma marca de Elvis Presley e dos Beatles: ele tinha o disco, single e filme mais popular dos EUA.

“Purple Rain”, o filme, foi um sucesso estrondoso. Feito com orçamento de US$ 7 milhões, arrecadou US$ 68 milhões só nos EUA, o suficiente para ser a 12ª maior bilheteria de 1984.

Ao todo, “Purple Rain” teve cinco singles. Dois chegaram ao topo das paradas (“When Doves Cry” e “Let’s Go Crazy”), outros dois atingiram ao top 10 (“Purple Rain” conquistou o 2º lugar e “I Would Die 4 U”, o 8º) e um entrou no top 40 mais de seis meses após o lançamento do disco (“Take Me With You”).

E isso ainda não era o final do sucesso de “Purple Rain”. Durante a 57ª cerimônia do Oscar, o filme/disco foi premiado como a Melhor Trilha Musical Original.

Controvérsia

Entretanto, o álbum ainda rendeu uma polêmica cujos efeitos podemos ver até hoje. Em 1985, Tipper Gore – esposa do então congressista e depois vice-presidente Al Gore – flagrou sua filha escutando a música “Darling Nikki”, cuja letra contém as referências sexuais mais explícitas em “Purple Rain”.

Horrorizada, a futura segunda-dama dos Estados Unidos se juntou com outras esposas de políticos e fundou o Parents Music Research Council (PMRC), responsável por toda a presepada que foram as audiências sobre a má influência da música pop sobre a juventude.

O resultado foi aquele adesivo de Parental Advisory visto até hoje em discos.

Parou nisso?

No caso de muitos artistas, um sucesso do porte de “Purple Rain” seria prelúdio de uma queda enorme. No caso de Prince, ele simplesmente continuou como um dos artistas mais populares e inovadores dos anos 1980. Foi parado apenas nos anos 1990 por uma briga judicial feroz contra a Warner Bros durante a qual decidiu parar de atender por seu nome e sim por um símbolo impronunciável. 

Após uma década irregular, ele voltou a ter sucesso nos anos 2000, com direito a um show espetacular durante o intervalo do Super Bowl XLI – cujo ponto alto foi uma versão incendiária de “Purple Rain” enquanto chovia muito no Dolphin Stadium, em Miami.

https://www.youtube.com/watch?v=7NN3gsSf-Ys

Prince morreu em 2016, mas o legado que ele deixou foi imenso. Ele não só redefiniu os limites da música pop, mas representou uma figura revolucionária em termos de destruir padrões estéticos tradicionais para homens.

Numa entrevista para a Spin, o baterista e líder do grupo The Roots, Questlove, resumiu o quão fora do comum Prince era:

“Antes, caras tinham dificuldade de aceitar um cara de pele clara, biquini, salto alto, metro e meio do Meio-Oeste cantando em falsete. Mas no segundo que a minha rua viu o clipe de ‘When Doves Cry’ e viu que ele tava pegando a Apollonia, isso mudou muitas opiniões.”

Prince conquistou o mundo não abrindo mão de um aspecto sequer de si mesmo, mesmo sendo completamente diferente daquilo julgado normal. E o mundo é melhor por ele ter feito isso.

Prince and the Revolution – “Purple Rain”

  • Lançado em 25 de junho de 1984 pela Warner Records
  • Produzido por Prince and the Revolution

Faixas:

  1. Let’s Go Crazy
  2. Take Me with U
  3. The Beautiful Ones
  4. Computer Blue
  5. Darling Nikki
  6. When Doves Cry
  7. I Would Die 4 U
  8. Baby I’m a Star
  9. Purple Rain

Músicos:

  • Prince (vocal, guitarra, piano e vários instrumentos)
  • Wendy Melvoin (guitarra e vocais nas faixas 1, 2, 4, 7, 8 e 9)
  • Lisa Coleman (teclados e vocais nas faixas 1, 2, 4, 7, 8 e 9)
  • Matt Fink (teclados e vocais nas faixas 1, 2, 4, 7, 8 e 9)
  • Brown Mark (baixo e vocais nas faixas 1, 2, 4, 7, 8 e 9)
  • Bobby Z. (bateria e percussão nas faixas 1, 2, 4, 7, 8 e 9)
  • Novi Novog (violino e viola de arco nas faixas 2, 8 e 9)
  • David Coleman (violoncelo nas faixas 2, 8 e 9)
  • Suzie Katayama (violoncelo nas faixas 2, 8 e 9)
  • Apollonia (co-vocais na faixa 2)
  • Jill Jones (backing vocals na faixa 8)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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