No Summer Breeze, Mr. Big faz de sua despedida uma linda celebração

Prestes a acabar, banda voltou a mostrar como une virtuose, melodia e diversão como ninguém — e provou que dá para envelhecer no rock sem perder a classe

Em 2011, o Mr. Big veio ao Brasil pela segunda vez. A visita inaugural havia ocorrido em 1994, exclusivamente para um festival em Santos. Nas duas apresentações realizadas 13 anos atrás, em São Paulo e Porto Alegre, havia um sentimento celebratório provocado pelo retorno do grupo — sacramentado em 2009, sete anos depois de um encerramento nada amigável.

A empolgação era inevitável. Tais eventos marcariam o início de uma bela história de retomada. Não era nada absurdo sonhar com novas turnês nacionais, já que a banda desenvolveu incomum popularidade por aqui; não como no Japão, é verdade, mas sempre tiveram bastante público no Brasil.

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Elas até aconteceram, em 2015 e 2017, mas sob um contexto nada agradável: o baterista Pat Torpey, imprescindível para a sonoridade do quarteto, ocupava apenas uma função figurativa, na percussão, devido a um diagnóstico de Parkinson. Matt Starr (Ace Frehley, Joe Lynn Turner, Beautiful Creatures, etc) assumiu as baquetas principais e, competência técnica à parte, não encaixou tão bem. Os próprios colegas — Eric Martin (voz), Paul Gilbert (guitarra) e Billy Sheehan (baixo) — admitiriam isso futuramente, alegando que o instrumentista não contribuía devidamente com as harmonias vocais.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Complicações provocadas por sua doença levaram Torpey à morte em 2018. Antes disso, claro, já se sabia: depois de 2011, nunca mais os fãs brasileiros veriam o Mr. Big original ao vivo novamente. Extraoficialmente, a banda, tomada pelo luto, foi encerrada mais uma vez. As atividades só foram retomadas ano passado, para uma turnê de despedida — a segunda da carreira —, com Nick D’Virgilio (Big Big Train, Spock’s Beard) no posto que antes era de Starr.

Esta tour chegou ao Brasil em duas datas: em São Paulo, no primeiro dia do festival Summer Breeze 2024, última sexta-feira (26); e no Rio de Janeiro, em performance conjunta com Sebastian Bach no Vivo Rio, domingo (28) — ingressos aqui. E a melhor forma de iniciar a crônica deste show é: se você pode ir à apresentação na capital fluminense, vá. Faça este favor a si mesmo.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Um grand finale de classe

Quem pôde assistir a Martin, Gilbert, Sheehan e D’Virgilio na megalópole paulista, testemunhou uma despedida digna do nome da atual turnê: “The Big Finish”, o grand finale. Incrível, como praticamente tudo feito por esta banda que nasceu como um supergrupo montado por músicos que sequer eram amigos, mas, de alguma forma, desenvolveram um forte vínculo.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Fica fácil perceber a química entre os envolvidos, especialmente os três originais, já nos primeiros segundos da música que abre o repertório, “Addicted to That Rush”. Especialmente nesta canção, primeiro single do álbum de estreia homônimo (1989), Paul e Billy transformam virtuose em algo divertido, nada exibicionista. Eric, carisma em pessoa, reforça ainda mais o tom leve. É entretenimento puro, a ponto de você não saber para quem olha no palco. Precisa-se de uma conexão muito além de meros objetivos artísticos ou de trabalho para chegar a tal resultado.

Como não poderia deixar de ser, o público também não demora a perceber que está diante de senhores. Martin, 63 anos, é cantor e naturalmente foi quem mais sofreu com os efeitos da idade. Mas tudo é feito com tamanho bom gosto que somos lembrados, também, de que envelhecer também pode ser algo belo. Não apenas pertence ao processo da vida: ganhar idade é uma conquista. Só é necessário se adaptar — e seria estranhíssimo se um grupo tão talentoso não o fizesse da melhor forma possível.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Para tal, Sheehan (que tem 71 anos, mas a disposição de um garoto) e especialmente Gilbert adotaram timbragens menos agudas e alteraram a tonalidade de praticamente todo o repertório, mas não de modo uniforme. Há canções reduzidas em meio tom, um tom e até mais do que isso — depende da voz do frontman. Exemplos residem nas complexas “Never Say Never” e “CDFF: Lucky This Time” (original de Jeff Paris), ambas bem mais graves do que nas versões de 33 anos atrás. Paul troca de guitarra diversas vezes, enquanto Billy, para facilitar a dinâmica de palco, utiliza em boa parte da noite um baixo doubleneck com duas afinações diferentes. Um envolvimento completo de todos os integrantes, tal qual sugerido pelo título traduzido de seu álbum mais famoso, “Lean Into It” (1991).

Foto: André Tedim @andretedimphotography

O substituto e o repertório

Se há um grande esforço por parte de Eric Martin, Paul Gilbert e Billy Sheehan para rearranjar seu trabalho de modo a condicionar os vocais principais da melhor forma possível, Nick D’Virgilio tem missão oposta, mas igualmente complexa: reproduzir fielmente as linhas de bateria — e de apoio vocal — de Pat Torpey. A conquista é obtida com êxito. O músico, que fez carreira no rock progressivo, oferece exatamente aquilo que o levou a entrar na banda, sem tirar nem pôr.

E diferentemente de Matt Starr, não parece ter sentido dificuldades para se integrar. Não apenas por executar o trabalho conforme solicitado, mas também por deixar a impressão de que tem a mesma origem artística dos colegas. Fora que o habilidoso multi-instrumentista passava a sensação de estar se divertindo. A tal química outrora destacada. Até a camiseta do The Who usada por ele fez sentido, já que o Mr. Big toca há anos uma versão de “Baba O’Riley” — presente no repertório de sexta (26) — no encerramento dos shows.

Foto: André Tedim @andretedimphotography

Por falar em setlist, sabe-se que a tour atual promete a execução integral do já mencionado disco “Lean Into It”. Por conta do tempo ligeiramente reduzido para sua apresentação no Summer Breeze, três canções foram cortadas: “Voodoo Kiss”, “A Little Too Loose” e “Road to Ruin”. Não fizeram falta e daria até para tirar “Never Say Never”, talvez a mais afetada pelos rearranjos, para privilegiar alguma faixa de outro álbum. “Price You Gotta Pay”, tocada em outros países e sacrificada neste contexto, poderia ter aparecido. A gaita de Sheehan estava até pendurada em seu pedestal.

Mas as escolhas de repertório não comprometeram em nada. “Take Cover”, tocada entre “Addicted” e a performance quase integral de “Lean Into It”, foi dedicada a Pat Torpey e representou um dos momentos mais emocionantes do set. Do album de 1991, não dá para deixar de destacar:

  • a eletrizante “Daddy, Brother, Lover, Little Boy (The Electric Drill Song)”, com o indispensável uso de furadeiras durante o solo;
  • a pulsante “Alive and Kickin’”, uma das que melhor mostra como a presença de D’Virgilio fez a diferença nos backing vocals;
  • a grudenta “Green-Tinted Sixties Mind”, com direito a uma pequenina confusão de tempo na intro — Mr. Big errando é algo tão raro que vira notícia;
  • as baladas “Just Take My Heart” e “To Be With You”, tomadas respectivamente por melancolia e felicidade, mas igualmente recebidas com inúmeros celulares para o alto.
Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A etapa final do set tem apenas quatro músicas — a também power ballad “Wild World”, original de Cat Stevens e regravada no Brasil por Pepê & Neném; o jazz-metal furioso “Colorado Bulldog”; a frenética versão para “Shy Boy” (Talas, banda original de Billy Sheehan) e o já citado cover de “Baba O’Riley” —, além de incríveis momentos solo de Gilbert e Sheehan. O primeiro, aliás, merece menção à parte: o nerd mais carismático do segmento musical fritou incansavelmente ao mesmo tempo em que incluiu referências ao riff de “The Whole World’s Gonna Know”, melodia de “Stay Together” e solo de “Nothing But Love”. Esquentou o coração de todo fã mais dedicado ali presente.

O único problema deste show foi o fim. Não apenas porque queríamos mais: é que realmente dava para tocar mais, pois foi encerrado 13 minutos antes do previsto. Caberiam pelo menos outras duas canções sem comprometer o discurso final de Sheehan, onde o criador da p*rra toda comete perdoável confusão ao afirmar que a primeira visita do Mr. Big ao país ocorreu em 1992 — sendo que na verdade foi em 1994, como dito lá no começo do texto —, expressa enorme gratidão pela devoção do público ao longo de tanto tempo e diz que jamais se esquecerá daquela noite de 26 de abril de 2024. Você não é o único.

Foto: André Tedim @andretedimphotography

**Este conteúdo faz parte da cobertura Summer Breeze Brasil 2024. Algumas atrações terão resenhas + fotos publicadas primeiro. A cobertura completa, de (quase) todas as atrações, sairá nos próximos dias.

Mr. Big — ao vivo no Summer Breeze Brasil 2024

Repertório:

  1. Addicted to That Rush
  2. Take Cover
  3. Daddy, Brother, Lover, Little Boy (The Electric Drill Song)
  4. Alive and Kickin’
  5. Green-Tinted Sixties Mind
  6. CDFF-Lucky This Time (original de Jeff Paris)
  7. Never Say Never
  8. Just Take My Heart
  9. My Kinda Woman
  10. To Be With You
  11. Wild World (original de Cat Stevens)
  12. Solo de guitarra + Colorado Bulldog
  13. Solo de baixo + Shy Boy (original do Talas)
  14. Baba O’Riley (solo do The Who)
Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show
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Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show
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Agradecimentos: Whiplash.Net

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

1 COMENTÁRIO

  1. Sou fã do Mr. Big desde o início da década de 90, morando no Japão e com apenas uma televisão de tubo ainda na época, a minha única diversão era virar as noites assistindo a MTV e outros programas musicais de rock que eram muito populares na época… Claro que me apaixonei pelo Mr Big ao assistir o videoclipe de “to be with you”.
    Embora eu tenha ido à centenas de shows de bandas de hard rock no Japão, nunca tive a oportunidade de ir ao show do Mr.Big… que pena. Pois agora em um outro contexto de vida aqui no Brasil, soube tarde demais sobre a vinda deles.
    Foi com lágrimas nos olhos que li esta resenha… mas muito obrigada.

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