O que os músicos do Kiss pensam sobre as inéditas da coletânea “Killers”

Em meio a um turbilhão no início dos anos 80, banda iniciaria retomada, ainda que desajeitada, a partir de quatro músicas inéditas em compilação

Em 1982, o Kiss estava em um momento peculiar de sua carreira. A banda terminou a década anterior, de 70, muito diferente de como a iniciou. O sucesso conquistado a partir de 1975, a troco de muito trabalho, logo trouxe problemas internos que culminaram na saída do baterista Peter Criss em 1980. Além disso, o grupo lançou dois álbuns bem orientados ao pop e à disco music da época que dividiram a opinião dos fãs: “Dynasty” (1979) e “Unmasked” (1980).

O direcionamento musical dos mascarados se perderia ainda mais com o amado/odiado “Music from ‘The Elder’” (1981), uma tentativa de épico que deu bastante errado, embora tenha se tornado um “clássico cult” entre os fãs com o passar dos anos. Foi exatamente nesse cenário que o grupo lançou a coletânea “Killers”, contando com quatro músicas inéditas. O material foi disponibilizado em 15 de junho de 1982 inicialmente para o mercado fora dos Estados Unidos, mas os fãs americanos logo o tornaram o item “comum” devido à importação.

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Na biografia “Kiss: Por Trás da Máscara”, os líderes Paul Stanley e Gene Simmons, além de outros envolvidos com a banda na época, revelaram suas opiniões sobre “I’m a Legend Tonight”, “Down On Your Knees”, “Nowhere to Run” e “Partners in Crime”, as quatro inéditas de “Killers”. Talvez de forma não-intencional, a compilação acabou funcionando como uma transição entre “The Elder” e seu sucessor “Creatures of the Night”, que foi o último da era das maquiagens, no entanto, segundo Stanley, ajudou a colocar a banda de volta nos trilhos musicalmente.

“Estávamos tentando reconquistar nosso equilíbrio e sanidade depois de ter feito ‘The Elder’. Estávamos num ponto interessante da nossa carreira na época. Estávamos indo em direção ao ‘Creatures’. As coisas que estão no ‘Killers’ foram basicamente um aquecimento. Ficávamos sentados dizendo que queríamos ser aquilo que o Kiss sempre tinha. Queremos ser aquilo que aparece com mais facilidade e com o qual a gente se sente mais confortável. Assim foram as primeiras músicas que escrevemos.”

Kiss e Bob Kulick

Na época, Paul Stanley e Gene Simmons voltaram a recrutar o guitarrista Bob Kulick, o irmão mais velho do futuro integrante da banda, Bruce Kulick. Bob já havia trabalhado como músico de estúdio algumas vezes junto ao Kiss, nas faixas em estúdio do ao vivo “Alive II” (1977), e com Stanley, em seu trabalho solo de 1978.

Na ocasião de “Killers”, o músico de estúdio precisou ocupar a vaga de Ace Frehley, que já estava praticamente fora da banda àquela altura. Kulick sempre se encaixou perfeitamente no som dos mascarados – em alguns momentos até mais do que Frehley -, mas durante as gravações de “Killers”, se irritou com o perfeccionismo acima da média dos patrões. Ele conta:

“Naquela época, estava ficando mais difícil trabalhar com o Kiss porque nada parecia bom para eles. Antes eles gostavam de tudo o que eu tocava, mas quando comecei a tocar músicas novas para o ‘Killers’, começaram a dizer ‘não toque isso, não toque aquilo’. Acho que estavam chegando num ponto em que eles começaram a se criticar antes das coisas acontecerem. Não se tratava mais de sentir-se bem, era: ‘Como é que isso fica diante da competição? Como é que isso fica em comparação com o Eddie Van Halen e o Randy Rhoads?’. Eles estavam começando a analisar tudo demais.”

O resultado dessa competição com o Kiss da época daria origem ao pesado sucessor “Creatures of the Night”, lançado ainda em 1982. Nesse momento, Bob Kulick e vários outros guitarristas foram usados em estúdio – incluindo Vinnie Vincent, que assumiria a vaga em definitivo.

As inéditas de “Killers” e o material de “Creatures” foram gravados praticamente ao mesmo tempo sob a produção de Michael James Jackson. Apesar de eventuais tropeços, são trabalhos que mostram uma banda tentando retomar suas raízes.

“I’m a Legend Tonight”

A primeira das inéditas de “Killers” é “I’m a Legend Tonight”, também posicionada como a faixa de abertura do álbum. A composição de Paul Stanley e Adam Mitchell parece ter agradado mais ao segundo, que também participou de “Partners in Crime”. Enquanto o relato de Mitchell no livro lembra a satisfação dele e de Stanley ao concluir as demos, o vocalista e guitarrista do Kiss não tem uma opinião tão positiva assim.

“Acho que é vazia. Com certeza haverá fãs que dirão ‘como você pode dizer uma coisa dessas?’ Eu sempre dei o melhor de mim, mas podemos olhar para o passado e perceber que há coisas feitas com boas intenções, mas que não conseguiram transmitir o que queríamos.”

Por sua vez, Adam Mitchell declara:

“Eu tinha equipamento de estúdio, um Tascam de dezesseis canais, gravador de uma polegada, com função eco e uma das primeiras baterias eletrônicas de Roger Linn. Eu e Paul, ou eu e Gene, selecionávamos as partes de nossa fita demo ali no estúdio, usando a bateria eletrônica, algumas guitarras e o baixo. ‘I’m a Legend Tonight’ e ‘Partners in Crime’ estavam entre as primeiras demo que gravamos. Também fizemos a do ‘Danger’ (de ‘Creatures of the Night’) no meu estúdio por volta da mesma época. Eu me lembro de que, quando terminamos, eu e Paul estávamos muito animados porque a demo tinha ficado ótima. Nós dois gostamos da demo mais do que o que ela resultou no final.

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“Down On Your Knees”

Na segunda música, “Down On Your Knees”, Paul Stanley contou com a colaboração de Bryan Adams (sim, aquele!) e Mikel Japp, que também tocou guitarra base na faixa. O Starchild não se lembra exatamente de como ela surgiu, mas Japp revela que ela faz parte da mesma “leva” que gerou “Saint and Sinner”, de “Creatures of the Night”, assinada por ele e por Gene Simmons.

“Bill Aucoin (empresário do Kiss) chegou batendo na minha porta uma noite e disse: ‘quero que você telefone para Paul no hotel para compor juntos’. Eu disse que tudo bem. Liguei para Paul, fui ao hotel e o encontrei tocando a guitarra e gravando uma ideia. Era tarde quando cheguei ao hotel. E quando terminamos de conversar era tarde demais para começar a compor. Então eu deixei uma fita com ele do começo de ‘Saint and Sinner’ que eu e Gene tínhamos terminado. E no fim ela acabou ficando a versão semi-acabada de ‘Down on Your Knees’, que Bryan Adams e Paul terminaram.”

“Nowhere to Run”

Já no lado B do LP, há “Nowhere to Run”, que parece ser a mais querida entre as faixas inéditas. Aqui, Stanley teve ainda mais envolvimento, já que a letra fala sobre o fim de um relacionamento – possivelmente com a atriz Donna Dixon, no que ele classificou como uma “carta sem a mínima intenção de ser enviada”.

“‘Nowhere to Run’ foi escrita sobre alguém que eu tinha conhecido. Tivemos um relacionamento rápido, tórrido, depois ela rompeu comigo e voltou para alguém com quem se relacionava. De alguma maneira, compor a música foi um tipo de catarse, porque nunca conseguiria dizer aquelas coisas para ela. Consegui colocar isso numa música que fosse só para mim. É como uma carta que você não tem a mínima intenção de enviar, mas na qual você diz o que é preciso ser dito e lhe tira um peso do peito.”

Já Bob Kulick cita a faixa como um ótimo exemplo da dor de cabeça que teve com os solos e a sonoridade que Stanley e Gene Simmons buscavam. O baixista, por sinal, a classifica como a melhor entre as inéditas da coletânea, mas Kulick se incomoda bastante com o solo que entrou para a versão final.

“Ouça o solo em ‘Nowhere to Run’ e aquele acúmulo de bends (de notas na guitarra). Aquilo era eu, totalmente frustrado. ‘Você quer alguma coisa totalmente diferente? Bem, experimente isso.’ ‘Puxa, o que é isso?’ – eles respondem. ‘Isso sou eu totalmente puto.’”

“Partners in Crime”

A última das inéditas foi classificada por Gene Simmons como apenas “razoável”, mas Paul Stanley vai ainda mais longe. Para o frontman, a segunda criação da parceria com Adam Mitchell carrega o título de pior do álbum, mas ele reconhece a importância dessa e das outras músicas do período para a transformação musical.

“Eu a odeio. Sempre voltamos para aquela desculpa de que estamos fazendo o possível. Mas o seu melhor possível nem sempre é tão bom quanto o seu melhor de qualquer dia em especial. Tudo no ‘Killers’ era confuso. Foi uma boa tentativa de tentar nos libertar de ‘The Elder’ e dos excessos de termos nos tornado astros do rock letárgicos, metidos a importante.”

Futuro nebuloso para o Kiss

As músicas inéditas em “Killers” representam bem o Kiss no momento entre “The Elder” e “Creatures of the Night”. A ideia ali era tentar retomar a sonoridade mais simples e pesada, que surgiu como uma iniciativa do guitarrista Ace Frehley após o fracasso retumbante da tentativa de álbum conceitual.

O próprio Frehley não ficaria para ver os frutos de sua sugestão. Em 1982, conforme o Kiss trabalhava simultaneamente nas faixas de “Killers” e “Creatures”, ele deixou de estar envolvido nas gravações e só apareceu nos materiais de divulgação. Isso abriu caminho para que diversos guitarristas fossem testados em estúdio, alguns na prática, o que dá a esses discos um caráter mais experimental ainda.

Bob Kulick era o “substituto oficial” de Ace Frehley em estúdio, mas Gene Simmons e Paul Stanley, de olho em guitarristas revolucionários como Eddie Van Halen e Randy Rhoads, queriam mais peso e sangue novo. Por isso, dos muitos testados nessa época – como Mikel Japp, Steve Farris, Robben Ford e até Richie Sambora, entre outros –, a vaga ficou com Vinnie Vincent.

“Creatures of the Night” marcaria o fim do Kiss como todos conheciam, sendo o último álbum da banda com maquiagem até “Psycho Circus”, de 1998. Há quem diga que essa reta final começou bem antes, com os discos mais “pop” do fim dos anos 70, ou com “The Elder” em 1981, ou até com a banda quase rachando em 1978, quando lançaram 4 álbuns solo. Mas as músicas inéditas de “Killers” representam o exato meio do processo – sucedendo o ponto mais baixo da queda, foi o início da subida.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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