Como Kiss e Eric Carr criaram o pesado som da bateria de “Creatures of the Night”

Inspiração no Led Zeppelin e poço de elevador desativado foram alguns dos ingredientes para resultado tão marcante

Ao colocar para tocar “Creatures of the Night”, 10º álbum de estúdio do Kiss, a primeira coisa que chama a atenção já na faixa de abertura é o som potente da bateria de Eric Carr. O músico acabou sendo o destaque em um álbum onde as guitarras foram inconstantes, com diversas colaborações não creditadas junto aos chefes Paul Stanley (voz e guitarra) e Gene Simmons (voz e baixo).

Se a ideia era resgatar o peso, o sucesso se confirma nos primeiros segundos. E muito disso vem graças a Carr.

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Em 1982, o Kiss tentava se recuperar de erros de um passado recente e vinha cambaleando em termo de formação. Depois das aventuras próximas da disco music com “Dynasty” (1979) e “Unmasked” (1980), a banda apostou alto em um álbum conceitual com pitadas progressivas, o polêmico “Music From ‘The Elder’” (1981), e estava criativamente perdida.

Em “Creatures of the Night”, a ideia era retomar o hard rock enérgico do passado, talvez até dando um passo adiante em termos de peso. O álbum flerta com o heavy metal oitentista de forma clara, seja na parte instrumental, seja na sonoridade obtida a partir da produção.

O guitarrista Ace Frehley apareceu na capa e na divulgação do novo disco, mas não tocou uma nota nele, sendo substituído por diversos músicos de estúdio. Já a vaga da bateria, abandonada por Peter Criss em 1980, estava preenchida de forma mais estável por Eric Carr, que já vinha demonstrando um bom trabalho ao vivo e brilhou até onde “The Elder” permitiu.

https://www.youtube.com/watch?v=CiFlNy7JhzE

Kiss canalizando John Bonham

O produtor do disco, Michael James Jackson, falou ao podcast Three Sides of the Coin (via Ultimate Classic Rock) sobre as gravações de “Creatures of the Night”, especialmente sobre a bateria. Ele já havia produzido as 4 músicas inéditas da coletânea “Killers” (1982), lançada poucos meses antes, e seguiria com o Kiss para “Lick It Up” (1983).

“Em ‘Creatures…”, Gene (Simmons) estava ansioso para tentar achar um som de bateria que fosse tão próximo do Led Zeppelin quanto possível. Sou produtor de discos, então sei que se você quer ter uma bateria que soe como John Bonham, então você precisa me dar John Bonham, você tem que me dar a bateria de John Bonham e me colocar na mesma sala em que John Bonham toca a bateria para que soe assim.”

Naquela altura, não só o baterista do Led Zeppelin estava morto há 2 anos, como também seria praticamente impossível reproduzir esse tipo de som. Mas se era necessário ter Bonham para tirar aquele tipo de som, o Kiss tinha Eric Carr – e isso parece ter bastado.

“Carr tocou com o coração… se alguém já sentiu que o Kiss era uma missão pessoal, esse era Eric Carr. Ele era o cara mais orgulhoso a ser baterista do Kiss. Tenho muito respeito pelo quanto ele amava esta banda.”

A bateria de Eric Carr em detalhes

Eric Carr provavelmente entregou a performance de sua vida em “Creatures of the Night”, mas é claro que um bom tratamento de som ajudou a chegar no resultado que ouvimos no disco. Michael James Jackson fez questão de ressaltar a importância do microfone Telefunken 251 usado para a bateria, bem como o trabalho em estúdio.

“Nós movemos a bateria de Eric de um lugar para o outro, tentando achar um lugar onde a bateria realmente poderia falar alto. E chegamos a esse som realmente poderoso. Eric estava realmente satisfeito com isso. Gravamos a bateria no (estúdio) Record One. Niko Bolas era o engenheiro da bateria e ele estava bem envolvido na ideia de tentar capturar algo único. Levamos muito tempo com isso, até encontrarmos esse som único.”

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Foi importante, inclusive, trabalhar no local correto para captar o som da bateria. Ao livro “Kiss por trás das máscaras”, o produtor destacou:

“No começo do disco, antes mesmo de começarmos a gravar, eu e Gene saímos numa missão de busca e apreensão por Los Angeles atrás de uma ótima sala para a bateria. Finalmente, eu os levei para a Record One, onde acabamos gravando as faixas. Usei antigos microfones especiais na bateria e a própria sala do estúdio ficou bem coberta com todos os microfones.”

O toque final veio durante a masterização no estúdio Power Station. A ideia, segundo ele, foi de Bob Clearmountain, engenheiro de som, com base em outros álbuns onde a mesma “técnica” havia sido usada.

“Eles tinham um poço de elevador desativado lá no Power Station. Ele mandava o som da bateria para dentro do poço e havia um microfone tubular lá dentro no alto, capturando esse som enorme. As duas coisas (o som do poço do elevador e o original) seriam misturadas e, com uma dose de bom gosto, você termina com o som da bateria de ‘Creatures’.”

Resultado com “Creatures of the Night”

Há quem considere “Creatures of the Night” como o disco mais pesado do Kiss até hoje – naquela época, certamente, era. Até mesmo a única balada, “I Still Love You”, tem um som potente, pesado, e curiosamente, traz uma das performances mais lembradas de Eric Carr na bateria.

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Não é exagero dizer que esse foi o primeiro flerte do Kiss com o heavy metal propriamente dito, cortesia também de riffs agressivos e solos velozes – alguns feitos por Vinnie Vincent, que seria efetivado como guitarrista da banda a partir dali. Músicas como “Danger”, “Saint and Sinner” e “War Machine” seriam bons exemplos do que o Kiss tentou (e conseguiu) alcançar no álbum.

Como não poderia deixar de ser, o álbum era citado por Eric Carr como o seu favorito da banda. Mesmo Gene Simmons e Paul Stanley, que em muitos momentos deixaram de lado os álbuns dos anos 1980, consideram “Creatures of the Night” um bom disco.

Infelizmente, as vendas não foram tão boas. “I Love it Loud” obteve repercussão razoável como single, mas a melhor posição do álbum nas paradas foi um 22º lugar no Reino Unido e Suécia. Foi a partir daí que a banda começou a dar mais atenção a mercados fora do eixo América do Norte/Europa/Japão, pois a turnê de “Creatures of the Night” trouxe o grupo ao Brasil pela primeira vez.

A importância de “Creatures” para os fãs nacionais é imensa. A tour rendeu três shows abarrotados de gente, com destaque à performance no estádio do Maracanã, citada até hoje por Gene Simmons como o momento que ele gostaria de reviver em sua vida. Consequentemente, mais de 120 mil cópias do disco foram vendidas por aqui.

https://www.youtube.com/watch?v=yJ69r_W-Iu8

Apesar disso, dá para classificar o trabalho como um fracasso comercial no resto do mundo. Não à toa, receberam “modesto” disco de ouro nos Estados Unidos, pelas 500 mil cópias vendidas, somente em 1994.

Naturalmente, foi necessário que Paul Stanley, Gene Simmons e Eric Carr, agora também com Vnnie Vincent, procurassem novos caminhos. Após a turnê de divulgação de “Creatures”, os músicos abdicaram das maquiagens e dos trajes típicos e lançaram “Lick It Up”, que preserva um pouco da essência do antecessor, mas trafega mais direcionado ao hard rock oitentista.

Tudo isso transforma “Creatures of the Night” em uma peça única na discografia do Kiss. E, novamente, vale reforçar que isso foi conquistado graças a Eric Carr – e um bom trabalho de produção.

https://www.youtube.com/watch?v=QwUl5n0x3Ls

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

1 COMENTÁRIO

  1. obra prima fundamental da discografia desta grande banda, melhor disco deles em minha opinião, a perfeita união do hard n’ heavy, performances inspiradas e composições vigorosas sem perder um milímetro da melodia e apelo pop que sempre caracterizou a banda juntado a uma produção exagerada mas eficaz para o momento e para a sonoridade proposta, apenas com o “porém” das guitarras em algumas musicas ficarem um pouco soterradas mas nada que uma remasterização competente não melhore ou, até mesmo, uma remixagem não resolva

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