Por que o Whitesnake lançou duas versões de “Slide It In” – e quais as diferenças entre elas

Mudanças de pessoal e estratégias para os mercados norte-americano e europeu estabeleceram os rumos do sexto álbum de estúdio da banda

Não são muitos os músicos que podem afirmar que deixaram uma grande banda e, em seguida, construíram suas próprias histórias de sucesso, alcançando números ainda maiores. Mas esse é o caso de David Coverdale, que fez seu nome com o Deep Purple como substituto de Ian Gillan em 1973. Quando o grupo se separou três anos depois, o vocalista, sem a menor pressa, gravou dois álbuns solo – “White Snake” (1977) e “Northwinds” (1978) – antes de formar o Whitesnake.

Ao longo de extensa carreira que perdura até hoje, Coverdale tem sido o único membro constante na formação, sempre levando a banda para o alto e avante sem nunca olhar para trás. E em 1984, foi inaugurado um novo capítulo em sua trajetória com “Slide It In”.

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América, aí vou eu!

“Slide It In” seria o primeiro álbum do Whitesnake com a Geffen Records, uma gravadora americana relativamente pequena, mas prestigiosa. Sediada no número 9126 da Sunset Boulevard, em Los Angeles, a empresa era o lar de artistas como Elton John, Peter Gabriel, John Lennon, Donna Summer e Sammy Hagar.

Seu fundador, David Geffen, estivera à frente da Asylum Records na década anterior. Foi o responsável pela contratação de nomes como Eagles, Linda Ronstadt e Joni Mitchell, da qual também era empresário.

Além da “nova casa”, o Whitesnake gravaria seu primeiro álbum sob a supervisão de John Kalodner, caça-talentos a quem Geffen havia atribuído a missão de sintonizar sua gravadora com o novo público conectado ao hard rock oriundo da Costa Oeste praticado por bandas como Ratt, Dokken, Mötley Crüe e Quiet Riot.

Em entrevista ao autor Martin Popoff reproduzida no livro “Whitesnake: A Fantástica Jornada de David Coverdale”, lançado pela Estética Torta em 2020, Kalodner conta que sempre amou a banda, mas que o sucesso nos Estados Unidos dependia de algumas mudanças.

“Para mim, David Coverdale era um dos melhores vocalistas do mundo, e quando fui para a Geffen fiz de tudo para tentar contratá-lo. Eu achava que eles tinham um enorme potencial. O problema é que apesar de eu realmente amar os outros caras da banda, eles não eram tão carismáticos quanto o David, que era um superstar. Nós estávamos entrando na ‘era Bon Jovi’ de todos aqueles grandes superstars, e eu achava a voz e as músicas do Coverdale melhores que qualquer coisa.”

Os “outros caras” aos quais o caça-talentos se refere eram os guitarristas Micky Moody e Mel Galley, o baixista Colin “Bomber” Hodgkinson, o baterista Cozy Powell e o tecladista Jon Lord – este último, já de saída por conta da reunião da formação Mk2 do Deep Purple.

A ideia de Kalodner, portanto, era cercar Coverdale de músicos cuja imagem dialogasse melhor com aquela projetada pelas bandas que, aos poucos, galgavam posições nas paradas norte-americanas. Propunha, ainda, fazer com que o Whitesnake absorvesse influências daquele hard rock nas músicas previstas para “Slide It In”.

Um guitar hero para chamar de seu

Embora tenha trabalhado com músicos muito competentes e eficientes, David Coverdale nunca havia dividido o palco no Whitesnake com um guitar hero. John Kalodner acreditava que David nunca atingiria todo o seu potencial se não tivesse ao seu lado uma persona que o complementasse. Para provar seu ponto, citou as duplas Mick Jagger e Keith Richards (Rolling Stones); Robert Plant e Jimmy Page (Led Zeppelin); e Roger Daltrey e Pete Townshend (The Who) – e então sugeriu ao vocalista o jovem e impetuoso John Sykes.

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Tendo começado sua carreira com o Tygers of Pan Tang, passando depois para o Thin Lizzy, Sykes não era necessariamente a primeira opção de Coverdale. O frontman considerou Michael Schenker antes de, mais seriamente, sondar o holandês Adrian Vandenberg, que recusou o convite em virtude do sucesso que estava conquistando com sua própria banda, Vandenberg.

Para Kalodner, Sykes era um guitarrista à altura de Jeff Beck e Eric Clapton de tal modo que sua entrada reduziu o Whitesnake a um quarteto, com Mel Galley sendo tirado de cena.

O novato foi bem-aceito. Seu visual, sua atitude e seu estilo de tocar foram mais um catalisador do estilo americano – não obstante Sykes fosse britânico – do que qualquer outra coisa.

Mais mudanças?

Outra das sugestões de John Kalodner, praticada antes mesmo da chegada de John Sykes, dizia respeito à produção do álbum. E é a partir daqui que a linha do tempo em que os eventos ocorrem começa a ficar um pouquinho confusa.

O Whitesnake foi colocado em contato com Eddie Kramer, lendário produtor de Jimi Hendrix e Led Zeppelin, que ficou responsável por gravar a banda em Munique, cidade cujas hospitalidade e carta de drinks Coverdale conhecia dos tempos de Deep Purple. Até o estúdio, Musicland, foi o mesmo usado pela antiga banda em “Stormbringer” (1974).

A pegada professoral de Kramer, que baniu as bebedeiras e zoações dentro do estúdio, tornou todo o processo muito longo e indigesto, o que resultou nas saídas de Micky Moody e Colin Hodgkinson. Para substituir o baixista, David trouxe de volta o velho companheiro Neil Murray. Lá pelas tantas, cansaço e frustração levaram o cantor a dar um ultimato em Kalodner, levando ao rompimento com Kramer e na entrada de Martin Birch para assumir o trabalho em andamento.

Ciente de que o estilo das mixagens de Birch não possuiria a energia necessária para satisfazer o mercado norte-americano, Kalodner acionou Keith Olsen para um remix caprichado. A ideia era incluir novas guitarras gravadas por Sykes – substituindo quase que integralmente as registradas por Moody – e novos baixos por Murray.

Kalodner explica o porquê de sua decisão:

“Soava terrível. As mixagens do Martin Birch sempre sofreram com agudos. Havia médios demais e graves de menos. Faltava balanço. Seu estilo de mixagem ia na direção oposta da maneira americana, era um som muito compactado. Soava raso, como se faltasse alguma coisa.”

Murray também dá seu parecer:

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“Eles achavam que o som não era adequado para a rádio. De certa forma, não tinha pegada suficiente. A nova mixagem parecia mais radiofônica. David odiou quando a ouviu pela primeira vez, mas passou a gostar depois, principalmente quando o disco começou a ser promovido e a tocar nos Estados Unidos.”

Enfim, dois “Slide It In”

No fim das contas, “Slide It In” foi lançado na Europa com a mixagem de Martin Birch, mas nos Estados Unidos e no Japão saiu com a mixagem de Keith Olsen.

Em grande parte, não há uma enorme diferença entre os sons dos instrumentos. Murray não tocou nada particularmente diferente do que Hodgkinson havia tocado. A guitarra de Sykes soa um pouco mais metal, mas respeita as estruturas previamente definidas pela dupla Moody/Galley – somente o álbum seguinte, o multiplatinado “1987” (1987), veria o guitarrista impondo seu estilo composicional sem amarras.

A bateria de Powell soa mais presente na versão americana, e os teclados, sempre evidenciados nas mixagens de Birch, vão para a retaguarda, saindo da mera função de ambiência apenas em momentos-chave, como em “Love Ain’t No Stranger” e “Standing In The Shadow”. “Slow An’ Easy”, que Moody afirma ser a única música da versão americana do álbum a contar com guitarras suas, é talvez a que menos se difere entre uma mixagem e outra.

Dito isso, talvez a maior diferença entre os dois “Slide It In” seja a ordem das músicas no repertório – veja abaixo. Mas não fosse a insistência de Kalodner por uma versão americana e todos os seus inputs no decorrer do processo, o Whitesnake talvez não tivesse estourado do lado de cá do Atlântico como estourou.

Whitesnake – “Slide It In”

Lançado em 30 de janeiro de 1984 no Reino Unido, 23 de março de 1984 no Japão e 18 de abril de 1984 na América do Norte.

Versão da América do Norte (US mix)

  1. Slide It In
  2. Slow an’ Easy
  3. Love Ain’t No Stranger
  4. All or Nothing
  5. Gambler
  6. Guilty of Love
  7. Hungry for Love
  8. Give Me More Time
  9. Spit It Out
  10. Standing in the Shadow

Versão do Reino Unido (UK mix)

  1. Gambler
  2. Slide It In
  3. Standing in the Shadow
  4. Give Me More Time
  5. Love Ain’t No Stranger
  6. Slow an’ Easy
  7. Spit It Out
  8. All or Nothing
  9. Hungry for Love
  10. Guilty of Love

Faixa bônus da edição japonesa:

  1. Need Your Love So Bad

Músicos:

  • David Coverdale (vocal)
  • Mel Galley (guitarra)
  • Micky Moody (guitarra na versão britânica)
  • John Sykes (guitarra na versão americana)
  • Colin Hodgkinson (baixo na versão britânica)
  • Neil Murray (baixo na versão americana)
  • Cozy Powell (bateria)
  • Jon Lord (teclados)

As duas versões (US e UK mix) podem ser ouvidas, em edição remasterizada de 2019, no Spotify. No relançamento, a ordem das faixas foi padronizada na sequência britânica.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. Então este e o sujeito que fez Whitesnake vender horrores,mas que acabou com aquele Rock com toques Blues dos primeiros álbuns, ainda prefiro o som antigo do grupo!

  2. Errou feio em algumas informações.
    1 – Moody saiu durante a tour europeia do “Slide it in” no fim de 83 (tour essa que teve a abertura do Thin Lizzy com Sykes) . Foi quando Kalodner assumiu a função de analisar e dar sugestoes de mudança da banda. Coverdale foi entao convencido a demitir Moody e Hodkingson contratar Sykes e Murray.
    2 – As conversas entre Michael Schenker e Coverdale, surgiram antes do contrato com. Geffen em 82, quando Coverdale dissolveu a banda e ele foi convidado a fazer um jam no MSG que estava sem vocalista. No final David recriou o WS e trouxe consigo o Cozy pra batera;
    3 – Mel Galley deixou a banda após um acidente onde ao apostar corrida num estacionamento com o entao novo membro John Sykes, escorregou e Sykes pisou no seu pulso direito rompendo os ligamentos. David inclusive continuou pagando o salario de Galley esperando sua recuperaçao que nao rolou, e acabou por seguir com um unico guitarrista na divulgaçao do album na America do Norte, Japao e America do Sul;

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