Altamont: a história do show dos Rolling Stones que terminou em tragédia

Apresentação da banda durante festival em 1969 resultou na morte de um fã; evento foi marcado por inúmeros problemas

Com mais de 60 anos de carreira, os Rolling Stones colecionaram inúmeros êxitos desde o início de suas atividades. No entanto, se há algo que seus integrantes preferem esquecer é o show que fizeram no festival de Altamont em 6 de dezembro de 1969.

O evento foi um verdadeiro desastre em diversos aspectos. A apresentação da banda acabou resultando na trágica morte de um jovem que assistia ao festival — muito por conta daquela que pode ser considerada uma das piores decisões dos organizadores. 

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“Woodstock do Oeste”

O Altamont Speedway Free Festival foi realizado no Altamont Speedway, uma pista de corridas em Tracy, cidade no estado americano da Califórnia. Era para ser mais um evento do movimento de contracultura que dominou os anos 1960.

Como o festival de Woodstock havia ocorrido há pouco tempo, no estado de Nova York (que está no leste dos Estados Unidos), muitas pessoas começaram a dizer que Altamont seria o “Woodstock do Oeste”, em referência à Califórnia ficar na costa oeste do país.

A ideia do evento nasceu de Spender Dryden e Jorma Kaukonen, membros do Jefferson Airplane. Inicialmente, a proposta era promover um show gratuito junto do Grateful Dead e os Rolling Stones no Golden Gate Park, em São Francisco.

Na época, Dryden explicou o motivo de convidar a banda britânica para o evento:

“Junto dos Beatles, eles são a maior banda de rock and roll do mundo e queremos que eles vivenciem o que estamos vivenciando em São Francisco.”

No entanto, às vésperas do evento acontecer, a própria prefeitura e a polícia de São Francisco não colaboraram e desistiram do evento. Quem disse isso foi Paul Kantner, já falecido músico do Jefferson Airplane.

A organização não se deu por vencida e voltou seus olhos para o Sonoma Raceway, autódromo que fica próximo de São Francisco. No entanto, os donos do negócio exigiram US$ 100 mil para liberar o local. A ideia foi descartada.

Eis que quando tudo parecia perdido, Dick Carter, dono do Altamont Speedway, apareceu na jogada e ofereceu o lugar para hospedar o festival.

Os seguintes artistas e bandas foram escalados para participar do evento: Santana, Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers, Crosby, Stills, Nash and Young, Grateful Dead e os Rolling Stones, grupo responsável por fechar o evento.

Para a banda britânica, que estava em turnê para promover o álbum “Let It Bleed”, o evento serviu para fechar a série de apresentações do disco pelo Estados Unidos e se redimir com o público, que considerou caro o preço dos ingressos cobrados em shows anteriores.

No entanto, se a organização tivesse ideia do que estava para acontecer naquele dia 6 de dezembro de 1969, teria achado melhor cancelar o festival.

“Segurança” com os Hells Angels

A mudança de última hora no local causou vários problemas logísticos, como banheiros químicos e equipes médicas a menos. Além disso, o palco teve de ficar na parte de baixo de um declive, o que deixaria os artistas muito próximos do público, algo pouco comum.

No entanto, a maior “burrada” cometida pela organização foi ter contratado o motoclube Hells Angels para fazer a segurança do festival de Altamont.

Tanto o Grateful Dead quanto o Jefferson Airplane já haviam contado com o grupo para fazer a segurança de seus eventos, sem a ocorrência de nenhum incidente mais grave. As duas bandas, então, fizeram a recomendação para os Rolling Stones, que contrataram os motoqueiros para seus shows nos Estados Unidos.

O staff da banda britânica, então, sugeriu à organização que entrasse em contato com os motociclistas. Eles aceitaram a proposta e pediram como pagamento 500 dólares em cerveja para o grupo.

Bill Fritsch, membro dos Hells Angels, se lembrou de uma conversa que teve com Sam Cutler, o gerente de turnê dos Rolling Stones nos Estados Unidos. Ao ser questionado se poderia mesmo fazer a segurança do evento, se lembra de ter dito o seguinte:

“Não policiamos as coisas. Não somos uma força de segurança. Nós vamos a shows para nos divertirmos. Bem, sobre ajudar as pessoas, você quer dizer, dar direções e coisas assim? Sim, podemos fazer isso.”

Tal resposta já seria um indício do que estava para acontecer.

Um evento violento

Apesar de toda a correria, o Altamont Speedway Free Festival foi iniciado normalmente. O primeiro artista a subir no palco foi Santana e sua apresentação ocorreu sem grandes problemas.

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A partir daí, as coisas começaram a sair do controle. Com o passar do dia, o ânimo entre o público e os Hells Angels só foi piorando, com ambas as partes ficando mais agitadas e violentas.

Segundo relatos do público, os motociclistas passaram o evento todo consumindo a cerveja que haviam pedido e muitos ficaram bêbados. Fora aqueles que também estavam sob efeito de drogas, especialmente LSD. Eles logo começaram a brigar com os fãs presentes, entre eles mesmos e até com os próprios artistas que se apresentavam.

Com relação ao público, se não bastasse o fato de muitas pessoas também estarem intoxicadas por álcool e drogas e brigando umas com as outras, um incidente em que uma motocicleta dos Hells Angels foi derrubada só piorou a situação.

Para se ter uma ideia do caos instaurado: durante a apresentação do Jefferson Airplane, o vocalista e guitarrista Marty Balin deixou o palco para tentar acalmar os ânimos, mas levou um soco de um integrante do clube e ficou desacordado. 

Paul Kantner, então, agradeceu sarcasticamente os Hells Angels por terem nocauteado o colega. Bill Fritsch, que mencionamos anteriormente, não deixou a provocação passar barata, pegou um microfone no palco e passou a bater boca com o músico. 

Depois, foi a vez do Crosby, Stills, Nash and Young se apresentar. Durante o show do grupo, Stephen Stills foi atacado na perna com o aro de uma bicicleta por um membro do moto clube que estava sob o efeito de drogas.

Com a situação já praticamente fora de controle, o Grateful Dead, após descobrir o que havia acontecido com Marty Balin, desistiu de se apresentar do evento que a própria banda ajudou a idealizar e organizar. Entretanto, o pior estava por vir com a apresentação dos Rolling Stones em Altamont.

Meredith Hunter 

Os Rolling Stones, claro, já estavam cientes da situação caótica no evento. Mesmo assim, decidiram manter a apresentação e optaram por esperar anoitecer para tocar.

A banda teve de entrar no palco já pedindo para o público se acalmar — muito também por conta de os presentes estarem bem próximos do local da apresentação. No entanto, durante a execução de “Sympathy for the Devil” — que era apenas a terceira canção da setlist —, os Stones tiveram de interromper o show após uma briga começar bem na sua frente.

A banda voltou a tocar após uma longa pausa, mas enquanto ela executava “Under My Thumb”, os Hells Angels se estranharam com o fã Meredith Hunter, de apenas 18 anos, que havia tentado subir no palco junto de outras pessoas. 

Porter Bibb, produtor do documentário “Gimme Shelter”, que retratou os acontecimentos de Altamont, afirmou que a namorada de Hunter pediu, em prantos, para que ele se acalmasse. Porém, o fã estava irado, agindo de maneira irracional e mal conseguia andar, por estar sob o efeito de drogas.

Além disso, Bibb acredita que Hunter tinha a intenção de subir no palco para fazer algum mal a Mick Jagger ou outro membro dos Rolling Stones.

“Ele estava louco, estava sob o efeito de drogas e tinha intenções assassinas. Não tenho nenhuma dúvida em minha mente que ele pretendia fazer um mal muito grande a Mick ou qualquer outro (membro) dos Rolling Stones, ou alguém que estava no palco.”

Morte no show dos Rolling Stones

Pouco mais de um minuto depois de ser afastado do palco, Meredith Hunter retornou e tirou um revólver de dentro do seu paletó. Alan Passaro, membro dos Hells Angels, viu o que fã estava fazendo e partiu para cima dele com uma faca.

Passaro desviou o revólver da direção do palco com a mão esquerda e com a direita, desferiu golpes com sua faca em Meredith Hunter.

Parte do momento foi registrado no documentário “Gimme Shelter”, que você pode conferir clicando aqui. Atenção: as imagens podem ser consideradas fortes para algumas pessoas.

Na gravação, é possível ver Passaro desferindo duas facadas em Hunter, mas o motociclista afirmou que deu cinco golpes no total. Além disso, testemunhas afirmaram que outros membros dos Hells Angels ainda pisotearam o jovem, que acabou morrendo pouco tempo depois.

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Os Rolling Stones afirmaram que estavam cientes de que outra briga havia ocorrido, mas que não tinham ideia de que um fã havia sido esfaqueado. No entanto, ao notarem que algo mais sério havia acontecido, pararam a apresentação novamente e Mick Jagger chegou a perguntar se havia algum médico por perto para ajudar.

Quem atendeu ao chamado do vocalista foi o residente Robert Hiatt, a primeira pessoa a prestar socorro a Meredith Hunter. Para a revista Rolling Stone, afirmou que não havia como salvar o jovem por conta da gravidade dos ferimentos.

O médico Richard Baldwin, que também conversou com a revista e era o coordenador dos poucos médicos presentes no evento, afirmou que as lesões eram tão sérias que não havia o que fazer para salvar Hunter.

“Ele teve lesões sérias, sendo uma nas costas e outra entre as costelas e a espinha, e por lá, não existe outra coisa a não ser grandes artérias, como a aorta e algumas artérias dos rins. Se você levar um golpe em qualquer um desses lugares, você está morto. Você morre em menos de um minuto e não há nada que alguém possa fazer. Em outras palavras: se você estiver na frente de um hospital ou se ele fosse até mesmo golpeado em uma sala de operação, nada poderia ser feito para salvá-lo.”

No final das contas, os Rolling Stones voltaram a tocar e terminaram a apresentação conforme planejado. Para os irmãos Maysles, idealizadores do documentário “Gimme Shelter”, Mick Jagger afirmou que o grupo preferiu continuar se apresentando pois sabia que se parassem, a situação poderia ficar ainda pior.

Keith Richards também já afirmou o mesmo que o colega. Em entrevista para o Washington Post quase 50 anos após o evento, ao ser questionado por que a banda não desistiu de se apresentar, afirmou:

“Poderia ter sido muito pior, cara. Aquilo poderia ter se tornado um verdadeiro desastre. Quem sabe o que mais poderia ter acontecido?”

Ao final da apresentação, a banda logo correu para um helicóptero e deixou o Altamont Speedway e o caótico evento para trás.

É importante lembrar que o festival de Altamont também ficou marcado por mais três mortes, sendo duas por atropelamento e a outra por uma overdose de drogas.

“Pior dia da história do rock and roll”

Todos os acontecimentos do festival de Altamont foram vistos como um claro contraste de Woodstock, que ocorreu no famoso clima de “paz e amor”. Muitos especialistas em música afirmam que o evento fez o movimento de contracultura ser encerrado de forma bastante negativa.

Além disso, a imagem dos Rolling Stones ficou manchada por algum tempo. Afinal, a ideia de contratar os Hells Angels para fazer a segurança do festival veio do staff da banda. O grupo ainda piorou sua situação ao afirmar que também foi uma vítima dos desastrosos acontecimentos do evento.

A imprensa não deixou passar. Em artigo publicado em janeiro de 1970 sobre o festival, a revista Rolling Stone afirmou:

“Altamont foi o produto de um egoísmo diabólico, alta expectativa, inaptidão, manipulação de dinheiro e, em sua base, uma falta fundamental de preocupação com a humanidade.”

Neste mesmo artigo, a revista chegou a afirmar que Altamont foi “o pior dia da história do rock and roll”. Além disso, colocou o acontecimento como número um em sua lista de piores decisões da história da música, publicada em 2022.

Grace Slick, vocalista do Jefferson Airplane que estava no evento, o descreveu da seguinte maneira:

“A vibe era ruim. Era algo muito peculiar, não particularmente ruim, mas bem peculiar. Foi um dia incerto, abrasivo e meio que nebuloso. Esperava as vibes amorosas de Woodstock, mas eu não as senti em mim. Foi uma coisa bem diferente.”

Uma das poucas pessoas a ir na contramão do que foi dito pela mídia especializada foi Keith Richards, o lendário guitarrista dos Rolling Stones. Na época, afirmou para a Esquire que o show em Altamont foi bom, apenas com algumas pessoas “cansadas” e que “os ânimos ficaram exaltados”.

No entanto, quase 50 anos depois do festival, na mesma entrevista ao Washington Post que mencionamos anteriormente, Richards revelou ter mudado de opinião:

“Aquele foi meio que um dia de pesadelo. Não apenas para nós, mas para todo mundo.”

*As informações são da Wikipédia, Rolling Stone, Forbes, Folha de São Paulo e Mundo Estranho.

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Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua no mercado desde 2013 e já realizou trabalhos como assessor de imprensa, redator, repórter web e analista de marketing. É fã de esportes, tecnologia, música e cultura pop, mas sempre aberto a adquirir qualquer tipo de conhecimento.

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