Como o Sepultura foi ao topo do mundo — e implodiu — com “Roots”

Mergulho nas "raízes" colocou a banda no topo de sua popularidade, mas também foi o último trabalho com o frontman Max Cavalera

Ainda nos anos 1980, o Sepultura surgiu como uma força brasileira no metal extremo. Com o tempo, a sonoridade foi mudando até chegar ao que foi apresentado em “Roots”, álbum lançado em 20 de fevereiro de 1996 que tornou a banda em um fenômeno mundial — ainda que o conjunto tenha implodido na sequência.

A versão mais “tribal” do grupo de Max Cavalera (voz e guitarra), Andreas Kisser (guitarra), Paulo Xisto Jr (baixo) e Iggor Cavalera (bateria) não nasceu exatamente em “Roots”. No antecessor “Chaos A.D.” (1993), já era possível perceber a presença maior da percussão e até mesmo a temática indígena, com a instrumental “Kaiowas”. No entanto, essas ideias foram levadas ao extremo no próximo disco, que prometia ir até as “raízes” (“roots”) da música brasileira.

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“Você não é Michael Jackson”

O conceito artístico que embasa o trabalho partiu de Max Cavalera, que cita como influência o filme “Brincando nos Campos do Senhor” (1991). Dirigido por Hector Babenco, o longa narra a história de uma família protestante vivendo entre indígenas na Amazônia Brasileira.

Max levou tal ideia para sua esposa e então empresária da banda, Gloria Cavalera, que inicialmente achou uma loucura, como ele contou para a Heavy 1 TV / Hard Force, com transcrição do BraveWords.

“Não foi fácil. Contei minha ideia para Gloria e ela deu risada. Ela falou: ‘Você não é Michael Jackson. Como você vai para uma tribo? Não temos os meios ou o dinheiro.’”

Depois de convencer Gloria, foi a hora de buscar os meios e o dinheiro com a gravadora Roadrunner Records, mais especificamente pela figura do presidente, Cees Wessels. Max contou à Metal Hammer que o executivo também não gostou nada da ideia, mas acabou cedendo.

“Ele disse: ‘Ok, então vocês vão fazer um álbum que soa como uma coletânea de reggae e gravá-lo com um monte de índios pelados? Você perdeu a cabeça’. Nós o deixamos assustado pra c***lho, mas ele embarcou nessa. Ele confiou em mim, confiou em Gloria.”

Com uma ideia na cabeça e alguns instrumentos na bagagem, o Sepultura recrutou ainda o produtor Ross Robinson, famoso por trabalhos com Deftones e Korn. E todos eles partiram no rumo da floresta, onde contariam com as participações mais especiais entre todas as que existem em “Roots”.

Sepultura e o povo Xavante

Através de contatos com autoridades da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de ONGs relacionadas, a música do Sepultura foi apresentada a Paulo Cipassé Xavante, líder de uma aldeia do povo Xavante localizada nas proximidades de Canarana, no Mato Grosso. Em entrevista à BBC, Paulo narrou como um contato da jornalista Angela Pappiani deu o pontapé inicial à parceria.

“Eu falei para a Angela: ‘pega todo o material relacionado a eles e manda para nós, que eu coloco no ar para o pessoal aqui’. Ela falou: ‘eles são iguais a vocês; cabeludos, tatuados e o pessoal tem preconceito com eles’. Ela mandou os álbuns e eu coloquei no ar no nosso conselho tradicional. O pessoal gostou e falou: ‘se eles sofrem preconceito igual a nós, vamos fazer o trabalho.'”

Os Xavantes só fizeram uma única exigência, repassada à jornalista para que a banda tomasse conhecimento: nada de bebida ou cigarro na aldeia. Acordos feitos, os membros do Sepultura tiveram uma experiência que mudaria suas vidas para sempre.

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Durante alguns dias, os integrantes do Sepultura viveram na aldeia Xavante. Pintaram seus corpos, participaram de danças e rituais e assimilaram a cultura local. Enquanto isso, mostraram suas músicas aos indígenas. Uma faixa chegou a ser gravada com os nativos: “Itsári”, que também significa “raízes”, no idioma local.

No fim de tudo, deixaram violões e outros instrumentos por lá e foram preparar o disco em definitivo.

A mistura de “Roots”

A participação do povo Xavante foi apenas um dos ingredientes que fizeram de “Roots” um trabalho tão especial.

O maior destaque é “Roots Bloody Roots”, primeira composição de Max Cavalera para o trabalho, ainda tendo o conceito de raízes musicais em mente. Mas não para por aí: o álbum conta com várias pérolas, algumas até meio esquecidas na discografia do Sepultura.

Um bom exemplo disso é “Lookaway”, com letra escrita por Jonathan Davis, vocalista do Korn. Além dele, participam da faixa o vocalista Mike Patton (Mr. Bungle, Faith No More) e o DJ Lethal, que programou a bateria eletrônica da faixa.

David Silveria, então baterista do Korn, também participa na clássica “Ratamahatta”, ao lado de Carlinhos Brown. Aliás, o músico baiano é uma peça fundamental para o resultado de “Roots” como um todo: ele colaborou na percussão no disco ao lado de Iggor Cavalera e trouxe uma sonoridade extremamente particular para a produção, que carrega mais peso nas peles do que o antecessor, “Chaos A.D.”.

Em entrevista à Lollipop Magazine, em 1996, Max comentou sobre a participação de Brown.

“Toquei berimbau em algumas músicas. É um instrumento de uma corda que parece um arco e flecha. Toquei isso anos atrás apenas por diversão, e decidi que seria legal tirar meu próprio som disso. O berimbau com o qual gravei tinha um som muito bom, naturalmente distorcido. Este álbum tem mais de 17 tipos diferentes de percussão, trazidos pelo percussionista Carlinhos Brown. Ele tinha um estojo enorme cheio da percussão mais louca que você poderia imaginar.”

Já em 2016, à Noisey, o percussionista declarou:

“O ‘Roots’, mais que um álbum, afirma a espiritualidade na música, como um conteúdo a mais, que transcende a letra e a melodia. O que está gravado demonstra nossa capacidade de futurar o que queremos para o País. Podemos ser vikings ou culto de terreiros. É o momento contemporâneo e a miscigenação dizendo que já temos autenticidade.”

Bloody Roots

Apesar de estar vivendo seu auge artístico, o Sepultura estava seriamente deteriorado internamente. Havia um claro “racha” na banda, com Max e Gloria Cavalera de um lado e os demais colegas do outro.

Os conflitos não impediram que a turnê fosse realizada. Porém, uma situação em específico envolvendo a série de shows fez com que Max logo saísse da banda.

Durante a tour, Dana Wells, filho de Gloria e enteado de Max, morreu em um acidente de carro nos Estados Unidos, o que abalou muito o casal. O frontman passou a ter ainda mais problemas com álcool e drogas e houve ainda um problema envolvendo a esposa de Andreas Kisser, que, segundo Cavalera, teria tentado acelerar o funeral de Dana para que o grupo voltasse logo aos palcos.

Fato é que Max Cavalera deixou o Sepultura no fim de 1996, após a banda demitir a empresária Gloria. O músico garante em entrevistas que a dispensa à sua esposa não foi o que causou sua saída. Ao New York Hardcore Chronicles, por exemplo, declarou:

“(O conflito com a esposa de Andreas Kisser) Não foi o começo, mas isso adicionou. Muitos não sabem, mas estávamos na Inglaterra, prontos para fazer o Monsters of Rock Donington com Ozzy Osbourne, quando soubemos que Dana morreu. Minha esposa entrou em desespero. Voltamos para a América. Descobri depois que a esposa de Andreas tentou mover o corpo, tentou roubar o corpo de Dana para enterrá-lo de forma realmente rápida para que pudéssemos voltar a fazer turnê. Quem faz uma coisa dessas? Isso me fez pensar seriamente com quem eu estava fazendo música. São amigos reais?”

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Quanto à troca de empresariamento, ele disse:

“Eles sempre diziam na imprensa que ela seria demitida, mas não é verdade. O contrato dela acabou, ela decidiu não renovar. Ela me disse: ‘siga com eles se quiser, é sua escolha, não me faça impedi-lo’. E eu não pude, por causa de coisas como essa. Rolaram coisas pesadas. Eles tinham ideias diferentes das minhas. Queriam substituir Gloria e muitas outras pessoas de nossa equipe com pessoas grandes e ‘profissionais’. Para mim, parecia uma ideia ruim, pois aquelas pessoas nos ajudaram a chegar lá. […] Estávamos tocando nos maiores festivais, seríamos headliners do Big Day Out na Austrália, então ela não era uma empresária ruim como eles viam.”

A saída deixaria a banda em uma situação de recomeço, já que contratos foram perdidos e muitos até hoje não aceitam o substituto de Max, o americano Derrick Green, que ocupa a vaga desde 1998. Iggor permaneceu na banda por mais 10 anos, durante os quais não falou com o irmão. Depois, fez as pazes com Max e os dois voltaram a tocar juntos no Cavalera Conspiracy. Foi substituído na banda original por Jean Dolabella durante alguns anos e Eloy Casagrande nos dias de hoje.

Importância reconhecida

No lado artístico, apesar de ter sido bem-sucedido comercialmente, “Roots” não é tão festejado assim pelos fãs dos primeiros trabalhos do Sepultura. Certamente a experimentação que liga a banda ao movimento nu metal é um dos motivos para isso, mas os números não negam o sucesso: o álbum teve mais de 2 milhões de cópias vendidas mundialmente, sendo o único do grupo a conquistar disco de ouro em oito países, incluindo Estados Unidos, Canadá e Austrália.

Iggor, também durante entrevista ao New York Hardcore Chronicles, deu sua visão sobre a importância do trabalho.

“Há pessoas que acham que não é o nosso melhor disco – acham que é ‘Arise’ (1991) ou ‘Beneath the Remains’ (1989) -, mas ‘Roots’ foi um disco necessário para a época, onde forçamos os limites da música. A partir dali, influenciamos muitas bandas a buscarem suas raízes. Até bandas de black metal norueguês começaram a fazer coisas com as raízes deles. Foi um grande passo na direção certa de quebrar barreiras e ter pessoas de mente mais aberta.”

“Roots” continua importante e festejado, mesmo não sendo unanimidade. Em 2016, quando o álbum comemorou 20 anos, o Cavalera Conspiracy tocou o disco inteiro em uma turnê que ficou conhecida como “Return to Roots”.

O Sepultura, não sem muita luta, seguiu em frente. Inegavelmente, vive hoje seu melhor momento desde 1996, com vários álbuns elogiados produzidos na voz de Derrick. Max e Iggor, apesar dos acenos ao passado, também se estabeleceram. O primeiro tem uma sólida discografia com o Soulfly e outros projetos, enquanto o segundo se dedicou a trabalhos mais ligados à música eletrônica.

Mas todos eles seguem tendo em “Roots” seu ponto de virada – para o bem e para o mal.

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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