A discografia de Tony Iommi muito além do Black Sabbath

Carreira fonográfica do guitarrista abrange estilos fora do heavy metal; parcerias com nomes de peso e empreitadas filantrópicas estão entre os destaques

Está escrito na página dedicada a Tony Iommi no site Black Sabbath Online: “O dia que ele sair, a banda acaba”.

Nas quase cinco décadas em que o grupo pai do heavy metal permaneceu na ativa, Iommi foi sua única constante. Faltam dedos nas mãos e nos pés para contar quantos vocalistas, baixistas e bateristas o Black Sabbath teve. Guitarrista foi um só.

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Mesmo assim, a carreira musical de Tony não se resume a isso. Sua discografia vai muito além dos 19 álbuns de estúdio e oito ao vivos lançados pela banda.

E, como o artigo abaixo procura mostrar, suas “puladas de cerca” começaram ainda na década de 1970, quando ele, o vocalista Ozzy Osbourne, o baixista Geezer Butler e o baterista Bill Ward estavam no topo.

Tony Iommi funkeando no sigilo

Tony Iommi e Ian Paice (Deep Purple) juntos num mesmo álbum? Aconteceu em 1975, no álbum “Funkist”. O responsável pela proeza foi Bobby Harrison (1939-2022). Mas nada de hard rock ou heavy metal por aqui; o que talvez explique Iommi sequer mencionar o job na autobiografia “Iron Man”.

Após deixar o Procol Harum — do megahit “A Whiter Shade of Pale” (1967) —, Harrison, que era cantor e baterista, formou o Freedom. Nos cinco anos em que permaneceu ativo, o grupo produziu um bocado, com destaque para a trilha sonora do thriller erótico cult “Nerosubianco” (1969), do diretor italiano Tinto Brass.

O grosso do material funkeado presente em “Funkist” foi composto quando Harrison ainda estava no Freedom. Por sentir que as músicas divergiam em estilo do R&B pelo qual o grupo era conhecido, ele preferiu guardá-las para si. Com a bênção de seu empresário, uma ajudinha providencial de Micky Moody — futuro guitarrista do Whitesnake — na escrita e a participação especial de diversas personalidades da cena musical britânica, seu disco se tornou realidade.

Em entrevista reproduzida no site oficial do Procol Harum, Harrison pincelou brevemente a respeito do estelar elenco de apoio:  

“Reunir um monte de músicos de primeira como os que reuni nesse álbum pode funcionar muito bem, mas também pode ser um completo desastre. Tive muita sorte que deu tudo certo. Pudera: gravamos em alguns estúdios muito famosos, como o Olympic, o Trident e o Morgan. Lembro-me como se fosse ontem de gravar as faixas com Tony Iommi do Black Sabbath no Morgan.”

Lançado pela Capitol Records nos Estados Unidos e em nenhum outro país, “Funkist” alcançou a 76ª posição na Billboard; o que para Harrison não fez a menor diferença, conforme afirma:

“Se recebi algum dinheiro por isso? Você deve estar brincando! Chegar ao número 76 na Billboard deve ter rendido algo, mas nunca vi um centavo desse dinheiro.”

Gênio, milionário, headbanger, filantropo

Às 11h41 do dia 7 de dezembro de 1988, um tremor de 7,2 graus na Escala Richter atingiu a região de Spitak, na Armênia. Estima-se que cerca de 25 mil pessoas morreram e 500 mil perderam suas casas neste que foi um dos terremotos mais letais já registrados.

No ano seguinte, a fim angariar fundos para a reconstrução da cidade, integrantes de bandas britânicas como Pink Floyd, Queen, Rush, Deep Purple, Yes, Iron Maiden e Free se juntaram no esforço humanitário Live Aid Armenia, posteriormente renomeado Rock Aid Armenia. Representando a família Black Sabbath, na qualidade de único membro original do grupo naquele momento, Tony Iommi.

O primeiro lançamento, ainda sob a alcunha de Live Aid Armenia, foi um remake de “What’s Going On”, de Marvin Gaye, cantado por Boy George (Culture Club). Mas foi com o segundo que as vendas — e, por conseguinte, as arrecadações — dispararam.

Finalizada em cinco sessões de estúdio das quais participaram quinze músicos diferentes, a regravação de “Smoke on the Water”, clássico do Deep Purple, entrou no Top 40 do Reino Unido. Na sequência foram lançados um vídeo com o making-of e o LP “The Earthquake Album”, que além do single inclui sucessos do rock inglês dos anos 1970 e 1980.

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Em “Iron Man”, Iommi conta que o reconhecimento pela benfeitoria tardou, mas veio:

“Em 2009, 25 anos depois, o presidente Serzh Sargsian, da Armênia, entrou em contato. Ele queria nos dar um prêmio pelo que fizemos na época; [o vocalista do Deep Purple] Ian Gillan, [o tecladista do Asia] Geoff Downes e eu. Fomos para a Armênia e nos mostraram o que haviam construído com o dinheiro de ‘Smoke on the Water’. Jantamos com o primeiro-ministro Tigran Sargsian e o embaixador britânico Charles Lonsdale, e todos foram muito legais. Ficamos lá durante alguns dias e demos duas entrevistas coletivas.”

Numa dessas entrevistas, Iommi e Gillan vislumbraram a possibilidade de fazerem algo mais para arrecadar mais dinheiro, porque, quando conheceram o lugar, viram uma escola de música que era como um barracão caindo aos pedaços. No voo de volta para a Inglaterra, os dois conversaram sobre o que poderiam fazer a respeito. Decidiram que além de doarem instrumentos, escreveriam um single beneficente. A semente do WhoCares acabara de ser plantada.

Em 6 de maio de 2011, um CD contendo as faixas “Out of My Mind” (de Gillan e Iommi) e “Holy Water” (de Gillan e Steve Morris) foi lançado. Entre os convidados, Jason Newsted (baixo, ex-Metallica), Nicko McBrain (bateria, Iron Maiden) e Jon Lord, no que foi uma das últimas gravações do maestro do Purple, morto em 2012. Para Iommi, a gravação…

“Deu muito certo e nos divertimos pra caramba. A música ficou bem legal e arrecadamos uma boa grana, mais uma vez. E nos divertimos tanto com aquilo que acabamos conversando sobre a possibilidade de torná-lo [o WhoCares] uma banda de verdade.”

“O equivalente humano ao Rochedo de Gibraltar”

Quando Tony Iommi contou a Sharon Osbourne sua ideia de fazer um álbum cheio de vocalistas diferentes, ela ficou muito interessada em lançá-lo por seu selo, a Divine Records. Embora Tony tenha recebido ofertas de outras gravadoras, a grana oferecida por Sharon falou mais alto.

O press-release da época do lançamento de “Iommi” tem o mesmo humor involuntário das resenhas de discos da Rock Brigade nos anos 1980. “Tony Iommi é o equivalente humano ao Rochedo de Gibraltar, firme como um rei observando seus lacaios, avaliando sua lealdade e devoção à causa do metal”, diz o texto utilizado na divulgação do álbum, que traz uma seleção digna das maiores solenidades da música: Dave Grohl, Billy Idol, Phil Anselmo, Brian May, Matt Cameron e Ozzy Osbourne são apenas alguns dos nomes presentes nos créditos.

Lançado em outubro de 2000, “Iommi” recebeu ótimas críticas e tocou muito nas rádios, especialmente nos Estados Unidos. As vendas também foram boas, embora Tony não estivesse muito preocupado com isso. Para ele, era muito mais importante ter feito algo que queria fazer havia muito tempo, conforme afirma em “Iron Man”:

“Fizemos o que eu queria ter feito no ‘Seventh Star’ [álbum solo de 1986 que por razões contratuais saiu como Black Sabbath featuring Tony Iommi]. Dessa vez, o entusiasmo era maior. Chamamos todos os vocalistas que quisemos e muitos mais. Na verdade, tivemos de recusar algumas pessoas. Para mim, também foi uma boa experiência trabalhar com tantos artistas diferentes, mais jovens e mais velhos.”

Falando em “Seventh Star”, Iommi deu nova chance à parceria com o vocalista Glenn Hughes. Entre julho e dezembro de 1996, com os dois libertos do vício em cocaína, oito demos foram gravadas. O material que deveria ter permanecido trancado a sete chaves vazou, inviabilizando o projeto. Somente em 2004, com o mercado já infestado de bootlegs, as “The 1996 Dep Sessions” foram oficialmente lançadas em CD.

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O ano de 2004 também marcou o início dos trabalhos no segundo álbum solo de Iommi. Com Hughes nos vocais, Kenny Aronoff na bateria e o produtor Bob Marlette no baixo e nos teclados, “Fused” tomou forma muito depressa; tanto que chegou às lojas em julho de 2005. Estando Tony ocupado em turnê com o Black Sabbath, shows ao lado de Glenn para promover o disco ficariam só nos sonhos dos fãs. Mas para o guitarrista, mesmo sem ter caído na estrada, o saldo foi positivo:

“O álbum foi muito elogiado pela crítica e pelo público também. Depois de ter recebido críticas terríveis e [sido alvo de] artigos negativos durante a maior parte da minha carreira, isso não deveria ser tão importante para mim, mas foi bom ver tanta gente curtir tanto nossa música.”

Canjas, tributos e trilhas sonoras

Além das supracitadas empreitadas, Tony Iommi, sempre que pôde, fez suas seis cordas serem ouvidas em projetos e lançamentos de naturezas diversas. A lista abaixo inclui todos de que se têm notícia:

Necromandus – “Orexis of Death” (1973): Embora só tenha visto a luz do dia em 1999, o LP de estreia do Necromandus foi gravado 26 anos antes e contou com Tony na produção e tocando guitarra na faixa-título.

V/A – Trilha Sonora do filme “Heavy Metal” (1981): Tony toca guitarra na regravação de “Mob Rules”, do Black Sabbath, que toca no longa.

V/A – “Guitar Speak II” (1990): Tony toca guitarra e baixo na faixa “Miranha”.

Hale & Pace – “The Stonk” (1991): Tony é um dos muitos músicos participantes da faixa-título deste pouco conhecido single beneficente organizado por Brian May (Queen).

V/A – Trilha Sonora do filme “Quanto Mais Idiota Melhor” (1992): Tony toca guitarra na faixa “Time Machine”, que o Black Sabbath criou para a soundtrack do longa estrelado por Mike Myers e Dana Carvey. A experiência com o produtor Leif Mases foi tão boa que Iommi o convidaria para produzir o álbum seguinte do Sabbath, “Cross Purposes” (1994).

Diamond Head – “Death and Progress” (1993): Tony contribui com o solo de guitarra na faixa “Starcrossed (Lovers of the Night)”, que abre o quarto álbum de estúdio dos pioneiros da New Wave of British Heavy Metal.

Cathedral – “The Carnival Bizarre” (1995): Tony toca guitarra em “Utopia Blaster”, terceira faixa deste que é o terceiro álbum de estúdio do baluarte do doom metal que frequentemente cita o Black Sabbath como principal influência.

V/A – “Twang!: A Tribute to Hank Marvin & The Shadows” (1996): Tony se junta a Neil Murray (baixo), Bev Bevan (bateria) e Don Airey (teclados) na regravação de “Wonderful Land”, do The Shadows.

V/A – “Party at the Palace: The Queen’s Concerts, Buckingham Palace” (2002): O Jubileu de Ouro da Rainha Elizabeth II do Reino Unido foi celebrado com uma série de shows que incluiu Tony e Ozzy Osbourne tocando “Paranoid”, do Black Sabbath, com Phil Collins na bateria.

Ian Gillan – “Gillan’s Inn” (2006): Ian Gillan comemorou 40 anos de carreira com este CD, no qual regrava, entre outras joias de seu catálogo, “Thrashed”, do Black Sabbath, com Tony na guitarra.

Girlschool – “Legacy” (2008): Tony levou Ronnie James Dio a tiracolo para contribuir no álbum que marca o 30º aniversário de formação do Girlschool. A dupla participa da faixa “I Spy”.

V/A – “We Wish You a Metal Xmas”: Também em 2008, Tony se deixou levar pelo espírito natalino e, com Dio nos vocais, Rudy Sarzo no baixo e Simon Wright na bateria, deu forma à versão mais rock and roll da tradicional “God Rest Ye Merry” da história.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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