A história de “Jugulator”, o disco “com um peso a mais” do Judas Priest

Em álbum que marcou a estreia do vocalista Tim “Ripper” Owens, veteranos do heavy tradicional flertaram com o thrash sob influência do Pantera

Chamava-se jugulator uma espécie de mamífero voador do período cretáceo. É também o nome do décimo terceiro álbum de estúdio do Judas Priest. Em comum com seu homônimo pré-histórico, seu ataque furtivo, inesperado e, justamente por isso, letal.

O bicho foi extinto há muito, mas o disco segue vivo – ainda que mais na memória afetiva daqueles que conheceram a banda naquela época, pois saudosismo é coisa que não existe quando o assunto é Priest.

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Baixa no Judas Priest

Encerrada a turnê do álbum “Painkiller” em 1991, Rob Halford deixou o Judas Priest. Para expandir seus horizontes musicais, o vocalista formou o Fight com o baterista Scott Travis — embora este tenha continuado a tocar no Priest —, os guitarristas Russ Parrish e Brian Tilse, e o baixista Jack “Jay Jay” Brown. Em seus três anos de atividades, o grupo lançou dois álbuns de estúdio — “War of Words” (1993) e “A Small Deadly Space” (1995) — e fez shows com Pantera, Anthrax, Voivod, Skid Row e Metallica.

Em meados dos anos 1990 e após ser dispensado de seu contrato com a gigante Sony/CBS, o Judas cogitou sair em busca de um novo vocalista. Somente depois de ouvir mais de cem fitas Travis, os guitarristas Glenn Tipton e K.K. Downing e o baixista Ian Hill se deram conta de que poucas pessoas no mundo eram realmente capazes de atingir as notas altas que Rob atingia tão bem. Ralf Scheepers, que na época cantava no Gamma Ray, chegou a ser cogitado, mas não deu em nada.

Até que a sorte lhes sorriu.

“Owens, o emprego é seu”

Na autobiografia “Heavy Duty” (Estética Torta, 2021), K.K. Downing conta como o Judas Priest soube do vocalista Tim Owens:

“Scott conheceu uma garota em algum lugar que tinha visto um cara chamado Tim Owens cantar com uma banda tributo ao Judas Priest. Ele enviou um vídeo e, quando assistimos, dissemos: ‘é igualzinho ao Rob’. Ele era bom demais. Dissemos a ele para pegar um avião e nos encontrar em um estúdio que tínhamos alugado para fazer um teste. Na verdade, a gente nem precisava do teste, mas ele testou mesmo assim, arrasou todas as músicas, e foi isso. Tim Owens estava dentro!”

Em recente entrevista à Rolling Stone, Owens recordou como foi o seu teste:

“Cheguei na hora do almoço. Era um grande estúdio no País de Gales. Glenn olha para mim e propõe: ‘que tal jantarmos hoje à noite e amanhã você faz o teste?’ Eu não cantava músicas do Judas Priest há um ano naquele momento. Respondi: ‘que tal eu fazer o teste hoje?’. E assim foi. Eles entraram no estúdio, colocaram uma versão antiga de ‘Victim of Changes’, que por acaso era a música do Judas Priest que eu mais gostava de cantar. Me dei bem nessa. Era uma versão ao vivo. Eles tiraram a voz do Rob e disseram: ‘vá em frente, cante’. Cantei o primeiro verso: ‘Whisky woman, don’t you know you’re driving me insane’. Atingi a nota alta e Glenn apertou o ‘stop’ e disse: ‘Owens, o emprego é seu’.”

Qualquer semelhança com a cena do teste de Chris “Izzy” Cole (Mark Wahlberg) para o Steel Dragon no filme “Rock Star” (2001) não é mera coincidência.

Além do emprego, naquele dia Owens ganhou também o apelido “Ripper”, pelo qual é conhecido até hoje. Em seu livro, K.K. explica o porquê:

“Eu estava convencido de que não poderíamos simplesmente chamar o cara de Tim. Não teria funcionado. Sugeri ‘Ripper’, simplesmente porque ninguém conseguia pensar em nada melhor, e acredite em mim: foi difícil convencer Tim a aceitar ser chamado de ‘Ripper’! ‘Mas por que Ripper?’, ele ficava perguntando. ‘Porque você estripa as músicas com a voz, por isso!’, expliquei. Foi isso. Continuei pressionando e pressionando até ele concordar. ‘Ripper’ Owens soava muito f#da.”

A concepção de “Jugulator”

Muitas coisas foram ditas por Rob Halford à imprensa imediatamente após a sua saída do Judas Priest. Uma delas foi que a banda não era pesada o suficiente para ele. Assim, fazer frente ao Fight revelou-se o caminho a ser trilhado dali pra frente.

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K.K. Downing, que sempre foi o músico com gosto e estilo mais pesado dentro do Priest, conduziu o processo criativo. Energizado, o guitarrista baixou em até um tom e meio a afinação de seus instrumentos e compôs músicas realmente pesadas, que embora preservem os elementos do heavy e speed metal tradicionais presentes em “Painkiller” mais se alinham à estética do thrash.

https://www.youtube.com/watch?v=chLl1-l_pLM

Ainda assim, “Jugulator”, lançado a 28 de outubro de 1997 — 16 de outubro no Japão — pela gravadora alemã SPV, soava bem diferente de tudo que o grupo já tinha feito. Parte uma manobra subconsciente para evitar comparações entre o Judas Priest com Rob e com Ripper no sentido sonoro, parte simplesmente um produto da cena de metal de meados dos anos 1990, o álbum tem por característica sua intensidade; a qual Owens atribui a um nome:

“Pantera, né? O Pantera estava no auge. O ‘Painkiller’ era mais pesado do que seus antecessores. Acho que [o ‘Jugulator’] foi uma progressão natural. O que o tornou um pouco mais pesado foram alguns dos meus vocais. Eles tinham um peso a mais.”

Em relação a esses vocais e à gravação como um todo, Ripper conta:

“Gravamos [o ‘Jugulator’] em alguns estúdios. Fizemos ‘Burn In Hell’ e ‘Death Row’ em um estúdio de propriedade do Barriemore Barlow, baterista do Jethro Tull. Depois fomos para outro lugar que ficava nos arredores de Guildford, na Inglaterra, e gravamos o resto lá. Foi bem difícil. Era um mundo totalmente diferente. Não havia Pro Tools. Cantei até não poder mais. Passei dias inteiros lá gravando. Acho que o tornou [o processo] mais difícil foi que eles nunca se davam por satisfeitos quanto ao que poderiam tirar de mim. Uma hora Glenn se deu conta de que qualquer coisa que me pedisse para cantar, eu acabaria cantando. ‘Preciso que você soe mais death metal’. Eu diria: ‘Isso é o tipo de coisa que o meu irmão ouve’. ‘Ok, então deixe seu irmão orgulhoso’. Foi frustrante e difícil, mas também foi muito satisfatório quando ouvi as músicas finalizadas.”

https://www.youtube.com/watch?v=_IinzULymoQ

A dedicação de Owens não passou despercebida por K.K., que fez questão de ressaltar as qualidades do vocalista em “Heavy Duty”:

“Em um nível pessoal, Ripper era o colega de trabalho dos sonhos. Você não poderia ter um cara mais perfeito pra uma banda. Melhor ainda: ele era totalmente desprovido de ego, e todos gostaram dele de cara. O homem cuidava de si mesmo, nunca enchia o saco de ninguém e ainda por cima jogava golfe!”

“Quando o Rob vai voltar?”

O lançamento de “Jugulator” promoveu a volta do Judas Priest aos palcos. A banda, que não fazia shows desde agosto de 1991, deu o pontapé inicial na turnê em 30 de janeiro de 1998, nos Estados Unidos. Foram 91 shows em aproximadamente nove meses.

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Não obstante o grupo tenha dado o máximo nesses shows, os tempos eram outros, como Downing relembra em sua autobiografia:

“Obviamente, os shows foram menores do que estávamos acostumados, mas o feedback que recebemos do público sobre o novo material mais do que compensou por isso. Ripper conseguia interpretar os clássicos do Priest com brilhantismo, mas também injetou uma energia nas músicas novas.”

Apesar de toda a positividade, o Judas logo se viu confrontado com um problema, como reporta o guitarrista:

“Assim que saíamos do palco, a primeira coisa que alguns fãs diziam nem sempre era: ‘ei, pessoal, ótimo show…’. Em vez disso, eles perguntavam: ‘ei, K.K., quando o Rob vai voltar?’”

A resposta: Rob voltaria em 2004, colocando um ponto-final na era Ripper do Judas Priest, que além de “Jugulator”, liberou “Demolition” (2001) e os ao vivos “’98 Live Meltdown” (1998) e “Live in London” (2003).

“Um Judas Priest diferente”

Desde que Rob Halford voltou, as músicas de “Jugulator” foram deixadas de fora dos setlists, embora o vocalista tenha afirmado que não veria problema em cantá-las ao vivo. Quando perguntado pela Metal Hammer se o Judas Priest um dia consideraria ressuscitar músicas da fase Ripper, Halford disse:

“Por que não? ‘Jugulator’ e ‘Demolition’ fazem parte da grande história do Judas Priest. E Tim é um bom amigo meu. Nunca cantei nenhuma das músicas que ele gravou, mas eu definitivamente as cantaria. Estou pronto para isso.”

Como a chance para que isso aconteça é uma em um milhão, resta aos fãs da fase Ripper se contentarem com a boa vontade do vocalista em suas turnês solo. Na mais recente, apenas “Burn in Hell” fez parte do setlist.

Mesmo hoje relegado a uma nota de rodapé na carreira do Judas, “Jugulator” é digno de aplausos. E quem mais o aplaude, surpreendendo um total de zero pessoas, é seu principal responsável. Com a palavra final, K.K. Downing:

“Com Ripper a bordo, senti que voltamos a ser o Judas Priest, mas um Judas Priest diferente. O motivo disso é que éramos de fato uma banda diferente; o lado bom é que agora tínhamos a oportunidade de mostrar as qualidades do Ripper como cantor, tocando as músicas de uma forma um pouco diversa, para que as pessoas não fizessem comparações com o estilo do Rob. Acho que conseguimos isso. Em retrospecto, ‘Jugulator’ foi uma façanha e tanto. Amei o álbum na época e ainda amo hoje.”

Judas Priest – “Jugulator”

  • Lançado em 28 de outubro de 1997 pela SPV
  • Produzido por Glenn Tipton

Faixas:

  1. Jugulator
  2. Blood Stained
  3. Dead Meat
  4. Death Row
  5. Decapitate
  6. Burn in Hell
  7. Brain Dead
  8. Abductors
  9. Bullet Train
  10. Cathedral Spires

Músicos:

  • Tim “Ripper” Owens (voz)
  • K. K. Downing (guitarra)
  • Glenn Tipton (guitarra)
  • Ian Hill (baixo)
  • Scott Travis (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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