“Ride the Lightning”, quando o Metallica começa a expandir seus horizontes

Segundo álbum de estúdio da banda traz músicas com melodias mais desenvolvidas e até mesmo uma balada

O Metallica surgiu como a banda mais metal de todas. Seu disco de estreia, “Kill ‘Em All” – originalmente chamado “Metal Up Your Ass” -, ajudou a introduzir ao público o movimento thrash metal, marcado por riffs metralhados, bateria agressiva e influência do punk e da NWOBHM. Era uma destilação pura de todos os elementos adorados por fãs de som pesado do mundo inteiro e, por causa disso, o grupo se tornou um símbolo do que era ser metal.

O problema é que quando se quer construir uma carreira no mundo da música, evolução é algo bom – e, francamente, inevitável. E nenhuma das bandas de thrash metal evoluiu com a mesma capacidade (e velocidade) do Metallica.

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Logo em seu segundo disco, “Ride the Lightning”, o quarteto construiu um clássico absoluto do gênero ao expandir seus horizontes. Não abriram mão de nada do que fez seu antecessor excelente, mas atraíram, mesmo assim, acusações de terem se “vendido” por não repetirem a estreia nota por nota.

Na pindaíba

Por mais que seja classificado como clássico hoje em dia, “Kill ‘Em All” não foi exatamente um gigante nas vendas. O disco havia sido lançado por um selo microscópico nos Estados Unidos, Megaforce, e quando chegou a hora de gravar seu sucessor, a distribuidora europeia do grupo, Music for Nations, precisou custear o processo.

No livro “Metallica: a biografia”, de Mick Wall, o dono da Music for Nations, Martin Hooker, conta sobre como precisou ajudar a Megaforce – e, por extensão, Jonathan Zazula (Jonny Z), dono do selo:

“Jonny tinha ficado sem dinheiro. Então ele fez um acordo conosco para pagarmos a gravação do álbum. Nosso contrato se resumia à Europa, mas meio que ajudávamos […] Tudo se resolveu sozinho, porque nós [por fim] vendemos uma quantidade enorme de discos, então recuperar o dinheiro não foi problema.”

O acordo com a Music for Nations garantiu não só a gravação do segundo disco do quarteto formado por James Hetfield (voz e guitarra), Lars Ulrich (bateria), Kirk Hammett (guitarra) e Cliff Burton (baixo), mas também uma série de shows pela Europa. Por lá, a banda poderia não só testar e desenvolver o material, mas também construir um público no continente na base de suas apresentações incendiárias.

Europa e ainda na pindaíba

O Metallica começou essa turnê abrindo shows para o Venom, e se encontraram surpresos diante de fãs da banda principal que sabiam as músicas de “Kill Em All” de cor.

Em “Metallica: a biografia”, o vocalista e baixista do Venom, Conrad “Cronos” Lant, falou sobre como acha hoje em dia o apoio dado pelo grupo menosprezado na história da maior banda de thrash metal da história:

“Nós sempre quisemos ajudar outras bandas. Se tivéssemos deixado tudo na mão dos executivos, nunca haveria apoio ao Metallica.”

Após a série de shows abrindo para o Venom, era para começarem uma turnê pelo Reino Unido com The Rods e Exciter, mas essa foi cancelada por vendas muito aquém do esperado. 

Assim, eles foram direto para Copenhague, Dinamarca, onde trabalhariam em material inédito no estúdio de ensaios do Mercyful Fate antes de irem para os estúdios Sweet Silence, sob a produção de Flemming Rasmussen. O profissional era o dono do local e havia gravado um dos discos preferidos de Lars Ulrich: “Difficult to Cure”, do Rainbow.

O plano do Metallica era se hospedar no cômodo do andar de cima do estúdio enquanto gravavam. A banda sempre viveu numa situação financeira precária desde os primeiros dias da Metallica Mansion em El Cerrito, nos arredores de San Francisco. 

A situação foi piorada por um incidente ocorrido dias antes da turnê europeia começar, ainda nos Estados Unidos. A van que carregava o equipamento do grupo foi arrombada em Boston e alguém roubou a bateria de Lars Ulrich e os amplificadores de James Hetfield e Kirk Hammett.

A experiência de serem roubados inspirou Hetfield a escrever algo nunca antes sequer considerado pelo grupo: uma balada. “Fade to Black” aborda em sua letra pensamentos de alguém que considerava suicídio, mas o cantor e guitarrista contou a Paul Brannigan no livro “Birth School Metallica Death” não ter entretido essa possibilidade na época:

“Tenho certeza que não estava pensando seriamente em me matar, mas era meu amplificador Marshall preferido, cara!”

A influência de Cliff Burton

Antes mesmo do Metallica chegar em Copenhague, eles já tinham mais da metade do que viria a ser “Ride the Lightning” sendo trabalhada em shows. No processo normal de composição, o grupo coletava fitas de jam sessions apelidadas de “riff tapes”. James Hetfield e Lars Ulrich selecionavam os melhores riffs e a banda tentava construir canções em volta deles.

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A grande diferença com relação a “Kill ‘Em All” foi a ausência do guitarrista Dave Mustaine no processo. Nesse sentido, seu lugar foi cada vez mais ocupado por Cliff Burton.

O baixista, que antes integrava o Trauma, entrou no grupo após chamar a atenção de Hetfield e Ulrich por causa de seu estilo único no instrumento. Além de tocar com os dedos como seu ídolo, Steve Harris (Iron Maiden), ele fazia uso de um pedal de wah Morley, dando uma dinâmica aos graves que não existia em qualquer outra banda da época.

Em entrevista ao Loudwire, Scott Ian, guitarrista do Anthrax, falou sobre o legado de contribuições de Burton ao Metallica:

“Acho que Cliff foi quem realmente ensinou a eles sobre melodia. Cliff era o maestro. Ele era muito talentoso e estava pensando além de thrash e metal. Ele sempre usava uma camiseta do R.E.M. e um pin do Lynyrd Skynyrd na jaqueta jeans dele. Acho que isso te dá uma ideia de onde a cabeça dele estava.”

Versado em teoria musical, Burton mostrou a Hetfield como dar ênfase maior a notas musicais com contra-melodias complementares, além de ensiná-lo noções básicas de harmonia para a guitarra.

Aprendizado no estúdio

Apesar de terem um disco nas costas, quando o Metallica entrou no Sweet Silence Studios, Flemming Rasmussen se viu diante de um grupo cuja ambição era consideravelmente maior que a habilidade de seus integrantes.

Numa entrevista para a Metal Hammer, contudo, Rasmussen explicou como isso não foi um empecilho:

“Eu adorava a energia, a paixão e a ambição deles. Eles tinham uma atitude completamente diferente das bandas dinamarquesas com quem eu havia trabalhado antes e ficavam empolgados de me fazer perguntas e aprender coisas novas. Desenvolvemos uma grande amizade imediatamente.”

O primeiro trabalho foi substituir os amplificadores roubados do grupo, especialmente o Marshall modificado de James Hetfield. Em “Metallica: a biografia”, Rasmussen detalhou o processo:

“Ninguém sabia ao certo o que tinha sido modificado no amplificador, então começamos a levar ao estúdio todos os amplificadores Marshall que havia na Dinamarca para que James pudesse mexer neles.”

Quando finalmente encontraram um substituto, o resultado foi um som de guitarra que remetia a “Kill Em All”, mas tinha mais corpo e profundidade. Tudo acabou sendo construído em torno da guitarra de Hetfield, gravada separadamente com uma click track.

Isso era incomum. Normalmente se utiliza a bateria como elemento para manter tempo numa banda, porém Lars Ulrich demonstrou não só incapacidade de manter tempos consistentes, mas desconhecimento de conceitos teóricos de ritmo, como descrito por Rasmussen em “Metallica: a biografia”:

“Lembro que a primeira coisa que perguntei quando ele começou a tocar foi: ‘tudo começa com upbeat?’. E ele respondeu: ‘o que é isso?’. P#ta m#rda! O lance é que o Lars é um sujeito inovador, então seu jeito de tocar era baseado em viradas. Era seu estilo. Ele desconhecia a contagem de tempo. Ainda acho que ele é um grande baterista a seu modo, pois faz coisas incríveis.

Contudo, eu e o roadie de bateria dele, outro sujeito chamado Flemming [Larsen] que naquela época [também] tocava bateria numa banda de metal dinamarquesa chamada Artillery, conversamos com ele sobre [os tempos do compasso]. Dissemos que precisava ter um intervalo de tempo igual entre as batidas e que era preciso contar até quatro antes de entrar de novo… [Ele sabia tocar] uma virada muito boa que ninguém na época havia pensado em fazer.”

Lars Ulrich era filho e neto de tenistas profissionais dinamarqueses e havia crescido numa família de classe média-alta. A ideia, inclusive, era que se tornasse tenista como o pai e o avô. Ele começou a tocar bateria aos nove anos após um show do Deep Purple, mas nunca havia tido aulas formais do instrumento, sempre confiando mais no instinto. O Metallica, cofundado por ele e Hetfield, era a primeira banda da qual havia feito parte.

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Apesar disso tudo, o processo de gravação de “Ride the Lightning” foi tranquilo porque o material estava em grande parte trabalhado. Além das contribuições de Burton na parte criativa, Kirk Hammett se viu livre da função de replicar os solos de Dave Mustaine em “Kill ‘Em All” e teve espaço para aplicar suas sensibilidades. 

Hammett era aluno de Joe Satriani e apesar de conseguir tocar tão rápido quanto seu antecessor no grupo, sabia intercalar períodos de velocidade extrema com fraseados melódicos dinâmicos, algo impensável no thrash metal até então. Também foi ele o responsável por dar nome ao disco, tirando inspiração de uma passagem em “The Stand”, escrito por Stephen King, na qual um personagem usa a expressão “Ride the Lightning” para descrever uma execução por cadeira elétrica.

Na entrevista para a Metal Hammer, Rasmussen falou sobre a experiência de ouvir o disco completo:

“Eu nunca tinha escutado tanto poder saindo dos monitores de estúdio. Quando eles estavam no estúdio, eles foram visitados pelos caras da Bronze Records, que queriam assinar eles para a Europa, e quando [o dono do selo] Gerry Bron escutou o álbum finalizado ele disse que queriam regravar tudo em Londres. Quando eles saíram, James olhou pra mim e disse: ‘Que idiota!’ A gente sabia que eles não sabiam nada se não percebiam que era um álbum incrível. A Bronze perdeu a chance de assiná-los ali mesmo.”

Problemas com a gravadora

Vocês se perguntam: ué, se a Music For Nations custeou o disco, como que tinha selo tentando assinar eles pra Europa?.

Apesar de terem gravado com o dinheiro da Music for Nations e lançarem pela Megaforce, o Metallica estava há muito tempo insatisfeito com a falta de dinheiro e inabilidade da gravadora de promover seus lançamentos e turnês. Eles queriam um contrato com uma major para o futuro e viam o burburinho em torno de seus shows na Europa e o lançamento de “Ride the Lightning” como uma chave para isso.

A gravação do álbum durou pouco mais de três semanas e eles voltaram à estrada. A Music for Nations marcou shows no Reino Unido para fãs desapontados com o cancelamento da turnê britânica e o resultado inicial foi muito promissor. A Kerrang!, maior revista de hard rock do país, elogiou as apresentações, os descrevendo como os Ramones do heavy metal.

https://www.youtube.com/watch?v=xgVVkpepnGA

“Ride the Lightning” saiu em 27 de julho de 1984, para excelente recepção na imprensa especializada. Contudo, a prensagem inicial da Megaforce de só 75 mil cópias foi a gota d’água para o grupo, que rompeu com a gravadora. 

Em setembro, eles assinaram um contrato para múltiplos discos com a Elektra Records, incluindo um relançamento maior para “Ride the Lightning”. Mesmo sem qualquer exposição no rádio, essa nova prensagem atingiu o 100º lugar da parada da Billboard. Enquanto isso, as 85 mil cópias vendidas pela Music for Nations do disco no segundo semestre de 1984 ajudaram o grupo a conseguir sua primeira capa de revista na Kerrang!

O Metallica estava cimentado como um dos nomes emergentes no heavy metal. Nos anos subsequentes alcançariam níveis antes impensáveis para qualquer grupo do gênero, tornando-se uma das maiores bandas da história do rock.

Metallica – “Ride the Lightning”

  • Lançado em 27 de julho de 1984 pela Megaforce Records
  • Produzido por Flemming Rasmussen, Mark Whitaker e Metallica

Faixas:

  1. Fight Fire with Fire
  2. Ride the Lightning
  3. For Whom the Bell Tolls
  4. Fade to Black
  5. Trapped Under Ice
  6. Escape
  7. Creeping Death
  8. The Call of Ktulu

Músicos:

  • James Hetfield (vocal, guitarra rítmica, violão na faixa 4)
  • Kirk Hammett (guitarra solo, backing vocals)
  • Cliff Burton (baixo, backing vocals)
  • Lars Ulrich (bateria, percussão, backing vocals na faixa 2)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

1 COMENTÁRIO

  1. Os Primeiros discos marcaram muito, fato!!!! A geração atual quando começa a ouvir Metallica vai direto no Black Album e ao escutar os discos antigos, logo comparam a produção, mixagem e sua timbragem da época!!!! todos os discos do Metallica tem algo de diferente em suas gravações, não é a toa que até os caras do Dream Theater consideram essas diferenças como algo progressivo, algumas pessoas não entenderam o termo progressivo para o Metallica!!!! valeu!!!!

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