O conceito por trás de “Animals”, a arrojada crítica do Pink Floyd ao capitalismo

Roger Waters aplicou sua visão à obra de George Orwell em uma das críticas mais pesadas de sua época

Embora “The Dark Side of the Moon” (1973) e “The Wall” (1979) sejam seus álbuns mais vendidos, o Pink Floyd tem em “Animals” (1977) uma de suas obras mais elogiadas.

Muito lembrado por sua capa, que mostra um imenso porco inflável voando por cima da antiga usina de Battersea em Londres, “Animals” traz em seu conteúdo algumas das maiores críticas do grupo à sociedade de sua época. Alguns conceitos refletidos no trabalho ecoam até hoje, mais de quatro décadas depois.

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O processo de composição e produção do álbum foi praticamente monopolizado pelo vocalista e baixista Roger Waters – algo feito em trabalhos anteriores e sucessores até sua saída, já na década de 1980.

A inspiração de Animals

“Animals” é composto por apenas três peças musicais, além de uma introdução e encerramento que se complementam e amarram o conceito que permeia todo o disco. Por isso, há apenas cinco faixas no trabalho.

As ideias das letras de “Animals” são ligeiramente baseadas na obra “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell. Mas enquanto o escritor original usou a metáfora dos animais para criticar Stalin, a União Soviética e o socialismo, Waters fez algumas mudanças e direcionou a crítica ao capitalismo e à situação do Reino Unido na década de 70.

A abertura e o fechamento do álbum “Pigs on the Wing”, dividida em duas partes, acaba sendo um contorno inesperadamente romântico. As faixas são inspiradas na paixão que Waters sentia por sua então nova esposa, Carolyne Christie.

Os animais e os paralelos

O “miolo” do disco começa realmente com “Dogs”, a única do álbum na qual o guitarrista David Gilmour participa da composição e também assume parte dos vocais – na época, ele estava um pouco distante das atividades do grupo porque sua primeira filha acabara de nascer.

Os “cães” são uma crítica ao setor corporativo e aos chamados “homens de negócios”. Na letra, Roger compara seu comportamento “adestrado” aparente, que esconde uma competitividade brutal, na qual tudo vale em troca de “petiscos” e “tapinhas nas costas”. “Dogs” fala, acima de tudo, sobre aqueles responsáveis por manter o poder da próxima espécie da tracklist: os porcos.

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“Pigs (Three Different Ones)” é uma referência àqueles que detêm, de fato, o poder no capitalismo. Os “três diferentes” entram em um conceito ainda mais específico do Reino Unido naquele momento e pelo menos dois são conhecidos: a política Margaret Thatcher (conforme Waters sugeriu em entrevista) e a ativista conservadora Mary Whitehouse (citada diretamente na letra), enquanto o terceiro representa poderosos de forma mais geral.

Thatcher, já naquela época, despontava como uma figura importante da direita britânica. Conhecida pelo apelido “Dama de Ferro”, por sua postura fria e séria bem como pelas políticas de privatização e austeridade econômica, ela se tornou primeira-ministra do Reino Unido em 1979, ficando no cargo até 1991.

Já Whitehouse era uma ativista britânica, famosa por duras campanhas contra a liberdade de expressão e contra tudo o que o rock significava naquele momento. Sobre ela, Waters chegou a se manifestar mais diretamente em entrevista na época.

“Por que ela faz tanto barulho sobre qualquer coisa se ela não é motivada pelo medo? Ela morre de medo de que todos nós sejamos pervertidos. Fiquei enfurecido com Mary Whitehouse, como fico com todos os queimadores de livros e rasgadores de Bíblias: pessoas que alimentam aquela vergonha e culpa sexual, que tentam negar às pessoas qualquer oportunidade de preencher seu destino sexual.”

Em “Sheep”, acontece o grande “plot twist” criado por Roger em relação ao livro de George Orwell: as ovelhas, obedientes e pouco questionadoras, acostumadas a serem conduzidas, se revoltam contra os “cães” e os matam. Assim, é interrompido o sistema que se apoiava completamente nelas e quebrando o ciclo.

Na época do lançamento de “Animals”, o Reino Unido passava por um período ruim da economia. Trabalhadores protestavam contra a situação, o que motivou reações consideradas desmedidas das forças policiais. Na época, Waters elaborou uma comparação entre “Sheep” e o que houve poucos meses antes de o álbum sair.

“A ‘Sheep’ era a impressão que eu tinha do que viria a acontecer na Inglaterra e aconteceu recentemente com os protestos na Inglaterra, em Brixton e Toxeth, e vai acontecer de novo. Sempre vai acontecer. Existem muitos de nós no mundo e tratamos mal uns aos outros. Ficamos obcecados com coisas – e não há coisas o suficiente, produtos. Se somos persuadidos de que é importante ter essas coisas – que não somos nada sem elas – e não há o suficiente delas, as pessoas sem essas coisas vão ficar com raiva.”

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Sucesso e rachaduras no Pink Floyd

Não há dúvidas de que “Animals” representa um dos grandes momentos do Pink Floyd e provavelmente sua crítica mais ácida e direta. Porém, nos bastidores, a banda começava a desmoronar. O processo de gravação foi complicado, em parte devido ao já mencionado monopólio de Roger Waters no processo de criação.

Foi durante a turnê do álbum que ocorreu o famoso episódio onde o baixista cuspiu em um fã durante um show, o que o levou a refletir e criar o esboço do conceito que seria apresentado em “The Wall”. Apesar do ocorrido, a turnê foi um sucesso, marcada pela presença do porco inflável da capa do álbum voando sobre o palco.

O disco também obteve ótima repercussão. Chegou ao segundo lugar das paradas britânicas e terceiro das americanas. São resultados que impressionam se considerarmos que o trabalho não teve nenhum single e que três de suas cinco faixas ultrapassam os 10 minutos de duração – as outras duas são praticamente vinhetas, com 1 minuto e 24 segundos cada.

Já em carreira solo, Roger Waters usaria o mesmo recurso em algumas turnês, além de frequentemente revisitar elementos de “Animals”.

Ainda que represente o início do declínio do Pink Floyd enquanto grupo, este álbum – especialmente devido ao conceito que ele apresenta – se transformou em uma marca registrada de Waters. Mesmo passando por conflitos internos, a banda ofereceu uma grande obra a seus fãs.

* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

8 COMENTÁRIOS

    • As informações sobre The Animals são ótimas, mas dizer que essa obra “representa declínio do Pink Floyd” foi uma infelicidade total. Basta ver as obras pós Animals e os anos. Obras essas que perduram com maestria e possuem versões até em reggae. Enfim…mas sobre o disco em si, muito bom.

      • “Animals” representa o declínio do Pink Floyd enquanto grupo. O texto inclusive diz: “início do declínio do Pink Floyd enquanto grupo”. As relações da banda começaram a azedar nessa época. “Declínio”, nesse caso, refere-se ao relacionamento dos caras. Recomendo leitura atenta. Abs!

        • Mas se toda banda em declínio e em conflito conseguisse criar obras iguais a esta, pouco me importaria o relacionamento entre eles e eu nem mencionaria tais rusgas, apenas focaria na “Arte” que é esse álbum.
          Obs. Que declino é esse que logo em seguida produziria o clássico The Wall ?
          Que continuem brigando kkkkkk

          • Mas é importante lembrar que o mundo não gira em torno dos fãs, né? Se os caras não estão se dando bem, cedo ou tarde a estrutura vai ruir. Só esclareci o que o autor do texto quis dizer com “declínio enquanto grupo”. Nada tem a ver com qualidade musical ou criatividade, mas, sim, com relações internas (e isso está claro no texto).

  1. É muito legal saber das situações que envolveram essa banda tão icônica. Parabéns André, continue com esse belo trabalho. E por favor, traga mais informações sobre o espetacular Pink Floyd.

  2. Duas correções. Primeira. Margaret Thatcher comandou o Reino Unido de 1979 até 1990 (não 1991), quando foi substituída por John Major. Segunda, é postura reducionista afirmar que o apelido de “Dama de Ferro”, foi cunhado pela
    “sua postura fria e séria bem como pelas políticas de privatização e austeridade econômica”. Com efeito, ela foi chamada assim por uma série de condutas que vão muito além do campo econômico. Eu vi ela vencer, em 1982, uma guerra há mais de 12 mil quilômetros da Inglaterra (Falklands ou Malvinas). Thatcher ajudou a forjar conceitos de política e estratégia internacional, e se destacou como uma ardorosa defensora dos princípios do liberalismo clássico e do conservadorismo (não confundir com conservadorismo moral), sempre destacando a necessidade de supremacia do cidadão sobre a coletividade, dentre outras características de sua doutrina política (conhecida como Thatcherismo).

  3. Excelente álbum, é um dos meus favoritos. Eram os primeiros passos do Roger Waters contestador que conhecemos hoje. Texto excelente. Mandou super bem

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