A guinada ao pop do Genesis em seu álbum homônimo de 1983

Phil Collins virou um dos maiores popstars do planeta sem que ninguém esperasse — e seu grupo foi junto

O Genesis passou os anos 70 estabelecendo uma reputação como um dos maiores nomes do rock progressivo no planeta. Seja através da musicalidade de seus instrumentistas ou pelos conceitos e performances teatrais elaboradas pelo vocalista Peter Gabriel, o grupo inglês era o ápice do movimento, para o bem e para o mal.

Mesmo com a saída de Gabriel e subsequentemente do guitarrista Steve Hackett, o Genesis continuou explorando elementos mais rebuscados do rock, mantendo sua fama. No entanto, algo curioso aconteceu no meio dessa jornada.

- Advertisement -

Primeiro, Peter Gabriel se tornou um popstar através de seus experimentos influenciados por eletrônica e pós-punk nos discos sem título que acabaram identificados por fãs como “Car”, “Scratch”, “Melt” e “Security”.

Depois, o baterista e substituto de Gabriel como vocalista do Genesis, Phil Collins, virou um popstar maior ainda, fundamentalmente alterando a estética da música pop na década de 80 através de seu megahit “In the Air Tonight”.

Em meio a isso, Collins permaneceu no Genesis e a banda continuou a fazer sua música sem ceder a qualquer pressão da indústria para se tornar mais palatável.

Até que mudaram de ideia. Essa é a história de como uma das bandas mais conceituais do rock resolveu ser acessível.

O vocalista acidental

Phil Collins se tornou vocalista do Genesis por acaso. Peter Gabriel deixou a banda em 1975 pois se dizia cansado da indústria musical e queria passar mais tempo com a família. Durante o período de testes para um substituto, contudo, ninguém soava adequado.

O grupo já tinha o material do disco “A Trick of the Tail” (1976) composto e arranjado, mas o cantor que eles achavam o melhor do grupo de testes não funcionou no estúdio. A música escolhida para gravar, “Squonk”, estava num tom além de seu alcance e os outros integrantes demonstraram zero interesse em transpor.

Nesse momento, Collins contou à Classic Rock ter tomado uma decisão:

“O pobre coitado foi embora e todos nós nos olhamos. E eu disse: ‘Bem, deixem eu tentar. Acho que consigo fazer essa’. Eu ia cantar algumas das canções mais leves de qualquer jeito, mas ninguém sabia que eu tinha os culhões pra cantar o material mais pesado. A gente fez e soou ok. E uma a uma a gente foi gravando, riscando canções da lista. Pra mim, a gente tinha finalizado o disco, mas não tínhamos um vocalista. Eu achava que a gente ia achar alguém; o álbum ia sair e seria assim.”

No final, Collins acabou sendo convencido a se tornar o vocalista do grupo, com a condição de que poderia escolher o melhor baterista para substituí-lo em shows. Primeiro foi Bill Bruford, veterano do Yes e King Crimson; seguido de Chester Thompson, egresso da banda de Frank Zappa.

O Genesis a esse ponto estava se estabelecendo como uma das maiores bandas do planeta, tendo estourado nos EUA com o disco “The Lamb Lies Down on Broadway” (1974). Mesmo a troca de vocalista não parecia capaz de impedir o ímpeto deles.

A turnê do segundo disco com Collins de vocalista, “Wind & Wuthering” (1976), foi a maior em termos de escala até então na carreira da banda. Só a produção de palco criada para o espetáculo custou na época 400 mil libras (cerca de 2,6 milhão de libras ajustado para valores atuais) e as apresentações do grupo no Brasil em 1977 foram vistas por mais de 150 mil pessoas.

Esse sucesso, infelizmente, teve suas baixas. Steve Hackett saiu do grupo enquanto o álbum ao vivo da turnê estava sendo mixado, mas o Genesis persistiu. 

“…And Then There Were Three…” (1978) foi composto e gravado somente por Phil Collins, Mike Rutherford (guitarra e baixo) e Tony Banks (teclados), mostrando músicas mais curtas — algo que dividiu fãs de longa data do grupo, mais acostumados com material mais longo e ambicioso. A turnê foi maior ainda e dessa vez a baixa não foi dentro da banda, mas na sua órbita: em dezembro de 1978, o Genesis entrou em hiato porque Collins queria salvar seu casamento.

Phil havia se casado com Andrea Bertorelli em 1975, mas a frequência dos shows do Genesis significava mais tempo longe de casa do que com a mulher e os filhos. Ele foi para o Canadá tentar salvar a relação, e nesse meio tempo os outros integrantes do Genesis lançaram suas estreias solo. 

Em meio a rumores de um fim da banda, Collins deu uma entrevista para a Sounds em 1979 explicando a situação:

“Basicamente eu me divorciei. Ou melhor, estou me divorciando, e o processo está se arrastando. No começo do ano eu fui pra Vancouver por dois meses ver se dava pra consertar as coisas, mas não deu certo, então voltei.”

Férias forçadas e estrelato

O retorno prematuro de Phil Collins significou que ele tinha tempo nas mãos antes do próximo disco do Genesis. O músico então começou a trabalhar com outros artistas, seja a banda de jazz fusion Brand X, o cantor e compositor John Martyn e até mesmo seu ex-companheiro Peter Gabriel em “Melt”, lançado em 1980.

Leia também:  A curiosa reação de Ritchie Blackmore após Lars Ulrich cumprimentá-lo

Desde sua saída do Genesis, Gabriel havia se tornado um popstar improvável no Reino Unido. Seus dois primeiros discos solo ganharam sucesso nas paradas mesmo sendo consideravelmente experimentais. Mais interessado em eletrônica e nas inovações trazidas pelo punk, o cantor havia se estabelecido como um dos principais inovadores musicais do mainstream, junto com David Bowie.

A produção de “Melt” merece ser ressaltada porque foi quando ocorreram duas coisas vitais ao estouro subsequente de Collins como artista solo. O músico já estava trabalhando em demos na sua casa, em Surrey, porém durante o processo de gravação do disco de Gabriel, Phil conheceu o produtor Hugh Padgham, e foi testemunha de primeira mão do nascimento do gated reverb.

Embora a maior parte do que veio a ser sua estreia solo, “Face Value”, seja influenciada por jazz, funk e R&B americano, a canção emblemática desse período é completamente diferente de tudo gravado por ele até então. 

“In The Air Tonight”, escrita por Phil na ocasião do término de seu casamento, era construída de maneira esparsa. O arranjo girava em torno de um sintetizador Prophet-5 e uma bateria eletrônica Roland, com frases impressionistas de guitarra e efeitos na voz aparecendo nas beiradas, antes de explodir na talvez maior virada da história da música pop, cujo uso de gated reverb fazia o kit de Collins soar apocalíptico.

A canção se tornou um hit em janeiro de 1981. Chegou ao segundo lugar na parada de singles no Reino Unido e ao top 20 na Billboard Hot 100.

O disco “Face Value”, lançado em fevereiro do mesmo ano, atingiu o topo das paradas no Reino Unido e sétimo lugar nos Estados Unidos.

Equilíbrio tênue

Phil Collins era um rockstar enquanto parte do Genesis. Antes mesmo de “Face Value” sair, o grupo lançou “Duke” (1980), o álbum mais bem-sucedido da carreira até então e o primeiro a atingir o topo das paradas do Reino Unido. O surgimento do punk é visto como o momento que o progressivo começou a morrer, mas esqueceram de avisar ao grupo, que começou a flertar com o pop sem abdicar de peças mais elaboradas.

No entanto, agora Phil Collins também era um popstar, fazendo música diferente de sua banda. Mesmo que não houvesse um esforço consciente de Mike Rutherford e Tony Banks de moldar o Genesis em volta do estrelato de seu frontman, eles estavam cada vez mais voltados às massas.

Em entrevista à Classic Rock, Tony Banks falou sobre a coexistência da carreira solo do vocalista e a banda que os tornou famosos:

“As duas coisas se fertilizaram um pouco. O problema foi que após termos escapado rapidamente da sensação de sermos a banda de apoio do Peter, lá estávamos nós: a banda de apoio do Phil. Mas eu pensei, foda-se. Teria sido bem difícil se Phil – ou Peter, qualquer um – tivesse aquele sucesso todo quando tínhamos 21, mas naquele ponto a gente tinha 31 e era mais fácil aguentar. A gente simplesmente entendeu. Mudou muita coisa. Phil, de certa maneira, era o membro mais novato do grupo. Ao final de tudo aquilo, todo mundo era igual. Eu acho que nos beneficiamos disso. Nos tornamos bem capazes de escrever singles de sucesso.”

O sucessor de “Duke”, “Abacab”, lançado em setembro de 1981, foi mais bem-sucedido ainda e imitou os picos de “Face Value” nas paradas britânica e americana. O álbum marcou o primeiro trabalho do Genesis com Padgham no comando do console, apesar da banda ter sido creditada na produção.

Embora ainda tenham mantido uma vertente progressiva em “Abacab”, a crítica especializada apontou como a banda a cada lançamento parecia abandonar seu passado em prol de algo mais pop.

Em entrevista de 1982 ao jornal canadense The Montreal Gazette, Mike Rutherford ofereceu uma explicação para a mudança sonora do Genesis:

“Basicamente, nós havíamos chegado a um ponto há alguns anos em que ou a gente virava uma caricatura de nós mesmos e entrávamos numa rotina chata, ou a gente mudava. Não tínhamos dúvida que mudança era a resposta.”

Em meio a isso, o segundo disco solo de Collins, “Hello, I Must Be Going!”, era pop escancarado, com um hit na forma da cover de  “You Can’t Hurry Love”, originalmente pelas Supremes. A música chegou ao top 10 da Billboard Hot 100 e o cantor agora era tão grande a ponto de necessitar fazer uma turnê sem sua banda.

Hora de fazer pop

Quando o Genesis se reuniu para fazer o sucessor de “Abacab”, os três integrantes entraram no estúdio sem material algum composto. As sessões produzidas pela própria banda e Hugh Padgham – dessa vez creditado como coprodutor – tiveram um começo um pouco lento.

Leia também:  Por que o Free acabou, segundo Paul Rodgers

Em entrevista de 1984 à revista Keyboard, Tony Banks disse sobre o processo:

“A gente achou que em ‘Abacab’ e ‘Duke’ as coisas mais empolgante foram compostas pelo grupo inteiro. Coisas desenvolvidas no estúdio. Então a gente decidiu fazer um disco inteiro dessa maneira. Dessa vez, nós não tocamos nada um para o outro que tínhamos feito antes. E as canções foram evoluindo.”

Collins, Rutherford e Banks compunham a partir de jams de duas horas que eram gravadas por Padgham e depois editadas pelos quatro. Qualquer adição ao material era mais focada em atmosfera e clima.

Essa decisão de fazer músicas em que todos os integrantes tinham algo a adicionar ao resultado final marcou um retorno de certa maneira. Afinal de contas, era o método usado pelo Genesis até “The Lamb Lies on Broadway”, último disco da era Peter Gabriel.

Durante essas improvisações, começaram a surgir pequenos momentos de inspiração. Enquanto brincava com uma bateria eletrônica Linn, Mike Rutherford encontrou o ritmo sobre o qual o grupo construiria o single “Mama”.

Inspirado no livro de memórias de juventude do ator David Niven, “Mama” trata de um jovem sofrendo de amor por causa de uma prostituta. Collins teve duas influências díspares para sua performance vocal: os maneirismos de John Lennon em sua cover de “Be Bop-a-Lula” e a risada do rapper Melle Mel no single seminal de rap “The Message”, de Grandmaster Flash & The Furious Five.

A influência dos Beatles apareceu novamente em “That’s All”. Phil citando o estilo de bateria de Ringo Starr como uma influência nas suas escolhas rítmicas para a faixa.

Em “Illegal Alien”, o grupo fez uma tentativa um tanto canhestra de discutir a experiência de imigrantes tentando atravessar a fronteira dos Estados Unidos com o México de maneira ilegal. Atraíram para si várias críticas que a música seria injusta com mexicanos.

O resultado das sessões acabou sendo algo muito voltado para o pop. Enquanto o Genesis havia flertado com uma sonoridade mais voltada às massas em discos anteriores, esse álbum novo era uma declaração de amor sem vergonha alguma.

Em entrevista de setembro de 1983 à Sounds, Mike Rutherford se defendeu de qualquer acusação da banda ter se vendido:

“Nosso problema com o passado é que muitas vezes as melhores coisas feitas pela gente não tinham a menor chance de serem singles por serem erradas para aquele contexto. Então a gente lançou músicas que eu gostei e que se deram bem como singles, mas não eram as melhores músicas feitas pela gente naquele momento.”

O álbum, batizado “Genesis”, era quase uma introdução nova da banda a um público maior. Lançado em 3 de outubro de 1983, foi o terceiro disco de estúdio do grupo a atingir o topo das paradas britânicas e o Top 10 americano, vendendo mais de 4 milhões de cópias no país.

“That’s All” se tornou o primeiro single do Genesis a atingir o Top 10 da Billboard Hot 100, chegando à sexta posição.

Eles agora eram popstars. Entretanto, Phil Collins ainda assim era um astro maior na carreira solo. O single “Against All Odds”, da trilha do filme “Paixões Violentas”, chegou ao topo das paradas nos EUA e foi indicada ao Oscar de Melhor Canção Original em 1985.

O disco “No Jacket Required”, lançado em 1984, foi número 1 em dez países, incluindo EUA e Reino Unido. Rendeu dois singles no topo da Billboard e mais outros dois no Top 10. Ao todo, o álbum teve 25 milhões de cópias vendidas, fazendo dele um dos mais populares da história.

O trabalho seguinte do Genesis, “Invisible Touch”, foi ainda mais bem-sucedido que o homônimo. Chegou à 3ª posição nas paradas americanas e vendeu mais de seis milhões de cópias. Entretanto, o sucesso esmagador de Collins como artista solo transformou o grupo efetivamente em um projeto paralelo.

Depois disso, eles só lançariam mais um disco com Collins no Genesis: “We Can’t Dance”, em 1991, antes que o baterista e vocalista anunciasse sua saída do grupo meia década após.

Genesis — “Genesis”

  • Lançado em 3 de outubro de 1983 pela Charisma / Virgin
  • Produzido por Genesis e Hugh Padgham

Faixas:

  1. Mama
  2. That’s All
  3. Home by the Sea
  4. Second Home by the Sea
  5. Illegal Alien
  6. Taking It All Too Hard
  7. Just a Job to Do
  8. Silver Rainbow
  9. It’s Gonna Get Better

Músicos:

  • Mike Rutherford (guitarra, baixo, backing vocals)
  • Phil Collins (bateria, voz)
  • Tony Banks (teclados, backing vocals)

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Threads | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesA guinada ao pop do Genesis em seu álbum homônimo de 1983
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades