Crítica: “Elvis” acerta ao oferecer espetáculo sobre Elvis Presley e showbusiness

Nova cinebiografia do rei do rock conta história sob a ótica do empresário do cantor, coronel Tom Parker, sem omitir acertos e erros de ambas as partes

Cinebiografias sempre são feitas sob a perspectiva de alguém. Há compromisso com a verdade, mas também com o roteiro – e com a história contada por uma pessoa ou um grupo. Não é diferente com “Elvis”, novo filme sobre o astro do rock falecido em 1977, mas talvez o grande acerto aqui seja deixar claro que a trama é contada pela ótica do criticado empresário do cantor, coronel Tom Parker, que submeteu o artista a uma relação empresarial abusiva descoberta pelo mundo somente na década de 1980.

*Atenção: o texto pode conter pequenos spoilers de “Elvis”, que não interferem na experiência e, no fim das contas, são histórias já conhecidas pelo público em geral.

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O cineasta Baz Luhrmann (“O Grande Gatsby”, “Moulin Rouge!”) dirige e produz o filme, além de assinar o roteiro em parceria com Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Done. Seu estilo exuberante e quase exibicionista de se fazer cinema casa perfeitamente com a ideia que Parker, morto em 1997 soterrado em dívidas mesmo levando por décadas 50% da renda do cantor, tinha de showbusiness: um espetáculo quase circense que admite o uso de vários truques para entreter o público.

Sim, Elvis tinha imenso talento, mas uma série de truques o ajudou a chegar ao posto de “rei do rock” – título que ele próprio rejeitava, preferindo atribui-lo a Fats Domino. Muitos deles são retratados com precisão na obra: o requebrado/rebolado polêmico do início da carreira e a polêmica quase fabricada em torno disso (e Parker adorava as manchetes geradas, diferentemente do que é mostrado no longa), a tentativa de carreira em Hollywood que não deu certo (embora exibida muito rapidamente), o retorno com um especial de TV em 1968 em que até as palmas eram programadas, a série de shows em Las Vegas onde cada fala era ensaiada, entre outros.

Não havia cineasta melhor do que Luhrmann entre os figurões de Hollywood para trabalhar nesta obra, seja pelas características de direção ou pela experiência com musicais. E também não parecia haver ator mais indicado para viver Presley do que Austin Butler. O desconhecido ator californiano adequou tudo em prol do cantor nascido em Tupelo, Mississippi, e realocado aos 13 anos em Memphis, Tennessee: o sotaque sulista, os trejeitos dentro e fora de palco, o timbre de voz (usado também para cantar em muitas passagens), o visual… até mesmo a simplicidade e fragilidade pouco conhecida do cara que era conhecido como rei do rock conseguiu ser traduzida de forma natural pelo intérprete.

Por outro lado, talvez houvesse melhor pedida para o papel de Tom Parker. O talento de Tom Hanks é inegável, mas sua interpretação ficou caricata, do sotaque forçado ao visual repleto de próteses e enchimentos. O experiente ator só demonstrou estar mais confortável no papel por volta da metade da obra – quando o roteiro ficou menos corrido e permitiu que as várias camadas da personalidade do “coronel” fossem construídas.

Tom Hanks e Austin Butler interpretando Elvis Presley e o coronel Tom Parker

Os demais personagens são, inegavelmente, coadjuvantes. Entre estes, o trabalho de Helen Thomson como Gladys, mãe de Elvis e ferrenha opositora das ideias de Parker, é o que mais se destaca. Richard Roxburgh também acerta no tom ao dar vida ao “banana” pai do cantor, Vernon, que deixa tudo nas mãos do empresário.

Esperava mais tempo de tela de Olivia DeJonge, que trabalhou bem como a esposa do artista, Priscilla, mas teve poucas cenas de destaque. Cabe salientar que não é citado em nenhum momento o fato de a relação entre Elvis e Priscilla ter se iniciado quando ela tinha 14 anos, embora o casamento tenha ocorrido após seu 21º aniversário.

Austin Butler e Olivia DeJonge interpretando Elvis Presley e Priscilla Presley

A retratação de Kelvin Harrison Jr como B.B. King também impressiona, embora a história real indique que o rei do blues e o rei do rock não eram tão próximos como exposto na obra. King não chega a ter momentos musicais na obra, mas somos presenteados com performances das representações de Little Richard (interpretado por Alton Mason), Sister Rosetta Tharpe (Yola) e “Big Boy” Crudup (Gary Clark Jr), este último em passagens incríveis.

Os três terços

É importante ressaltar que há um grande esforço para contar toda a história de Elvis, da infância pobre ao falecimento precoce aos 42 anos de idade. Obviamente, porém, alguns episódios e tópicos ganham mais importância.

Apesar da abordagem quase caótica no primeiro terço do longa, percebe-se o intuito de estabelecer que Elvis, em meio à segregação racial nos Estados Unidos, parecia se identificar mais com os negros do que com os brancos – pela música e por ter crescido em áreas mais humildes. O trânsito fácil em ambas as comunidades, agregando elementos das duas, o credenciou ao rápido estrelato. Ele não foi o criador do rock and roll, mas foi o primeiro ícone do miscigenado estilo musical em larga escala.

Conforme os anos se passam, os pontos mais sensíveis da trajetória de Presley são exibidos a partir de alguns episódios icônicos de sua carreira. A produção do especial de TV “Elvis”, lançado em 1968, serve como pano de fundo para mostrar os constantes embates entre o cantor e seu empresário – que nem sempre ocorriam na vida real, visto que o artista era do tipo que buscava evitar conflito.

Aqui, a trama destaca como foi importante a chegada do diretor Steve Binder (Dacre Montgomery) para atualizar a imagem de Elvis e dar vazão a uma série de influências que ele queria trabalhar, em detrimento do conceito conservador que Tom Parker queria dar ao programa – um especial natalino com o rei do rock vestindo um suéter.

É no terço final que a treta estoura. Voltando a fazer sucesso e desejando fazer turnês pelo exterior, Elvis Presley é convencido por Tom Parker a desistir da ideia para realizar shows como residente de um hotel/cassino em Las Vegas. As obscuras razões do empresário são expostas na obra e, enfim, provocam embates entre ele e o cantor – que também se vê refém de seus próprios erros. Muitas situações nesta etapa não ocorreram na realidade, mas servem para explicitar como, infelizmente, a vida do rei do rock terminou de forma melancólica.

“Elvis” e showbusiness

“Elvis”, o filme, faz justiça a uma carreira que nem sempre é contada direito por muita gente. Mostra por que Presley é chamado até hoje de “rei do rock” – “rei”, não “criador” – e evidencia os problemas que vários artistas enfrentam, seja com empresários, seja com seus próprios demônios. Não é por acaso que tantos profissionais do entretenimento têm, cedo ou tarde, o mesmo fim de Elvis.

Apesar dos pequenos problemas com a correria do primeiro terço do longa e da interpretação de Tom Hanks, a cinebiografia convence não apenas pela honestidade na história contada, como também pelo espetáculo oferecido – nas interpretações, na edição e nas performances musicais. “Elvis” é, acima de tudo, um retrato do que é o showbusiness, das glórias às adversidades.

*Com distribuição da Warner Bros Pictures, “Elvis” estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 14 de julho, com pré-estreias em celebração ao dia do rock em 13 de julho.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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