“Hackney Diamonds” é o melhor álbum dos Rolling Stones em muito tempo

Maior banda em atividade no planeta ganha reforços importantes especialmente na produção; resultado é coeso, diverso e envolvente

Em 17 de outubro de 1961 — exatamente 62 anos antes da publicação deste texto —, os colegas de infância e futuros colegas de Rolling Stones Michael “Mick” Jagger e Keith Richards se encontraram por acaso na estação ferroviária de Dartford, cidade a 25 km de Londres, na Inglaterra. Eles estudaram juntos na década de 1950, mas a vida, naturalmente, os afastou.

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Jagger, que estava a caminho da London School of Economics, carregava consigo dois discos: um de Chuck Berry e outro de Muddy Waters. Richards, fã de ambos, notou os álbuns e puxou papo com o velho colega. Foi preciso muito mais do que o acaso para que uma das duplas mais icônicas da história da música contemporânea se consolidasse, mas fato é que a paixão pelo rock and roll e pelo blues foi o pontapé inicial. Ou, melhor, o primeiro rolar da pedra.

É simbólico, portanto, que os Stones tenham optado por regravar uma música de Waters — justamente aquela que inspirou o nome da banda, “Rollin’ Stone” — para encerrar o novo “Hackney Diamonds”, seu primeiro álbum de inéditas em 18 anos. O 26º disco de estúdio na contagem americana (24º na britânica) pode ser o último do grupo, já que Mick completou 80 anos em julho último e Keith chegará a tal marca em dezembro. Dessa forma, é quase poético voltar a onde tudo começou para dizer “adeus”.

Mas não vamos sofrer por antecipação. Assim como a carreira dos Rolling Stones foi além do que qualquer um imaginaria, “Hackney Diamonds” — que será lançado nesta sexta-feira (20) via Polydor / Universal Music — também transcende qualquer expectativa. Inclusive por ser o melhor álbum do lendário grupo em muito tempo.

Diverso, mas não experimental

Ao longo de suas mais de seis décadas, os Rolling Stones exploraram um monte de gêneros musicais. Às vezes dava certo; às vezes, não. Tal diversidade se perdeu, naturalmente, em seus últimos trabalhos — exceção feita a momentos mais experimentais como o nem sempre exaltado “Bridges to Babylon” (1997), o grupo se colocou em uma posição ao mesmo tempo confortável e desafiadora de praticar classic rock, também abraçando elementos associados, como blues e country.

Até por isso, a expectativa era que “Hackney Diamonds” não soasse tão diverso. Mas soa. E é incrível justamente por isso.

Evidentemente, ainda é um disco de classic rock. A fórmula stoneana tão imitada por várias bandas — e nunca replicada por completo — segue ali, firme e forte. Só que há mais ingredientes nesse caldeirão. Do peso de “Bite My Head Off” (com Paul McCartney no baixo) à vibe dançante de “Mess It Up” (uma das duas com o saudoso baterista Charlie Watts), passando pelo ar contemporâneo de “Get Close”, a veia semialternativa de “Whole Wide World”, os arranjos de power ballad oitentista de “Tell Me Straight”… ainda que eles já tenham explorado tudo isso no passado, agora é feito ao mesmo tempo. E bem amarradinho.

Os principais responsáveis, claro, são os talentos de Mick Jagger, Keith Richards e Ronnie Wood. São eles os compositores e executantes. Para além das letras mais reflexivas que o habitual, Jagger dá show de voz. Alcance, controle, ritmo. Um cantor completo — e estamos falando só de gogó, não de suas capacidades como frontman. Richards e Wood desfilam entrosamento sem abdicar dos destaques individuais; especialmente o segundo, que voltou a se mostrar essencial e só é definido como “coadjuvante de luxo” por quem não se atentou ao que está acontecendo ali.

Porém, dois novos componentes tornaram o processo mais natural. O primeiro é Andrew Watt. O produtor de 32 anos — quase 50 a menos que Jagger e Richards — já trabalhou com ícones roqueiros do porte de Ozzy Osbourne, Pearl Jam, Iggy Pop e Elton John, além de astros pop do calibre de Maroon 5, Miley Cyrus, Post Malone, Justin Bieber e Camila Cabello. Ao que tudo indica, foi ele o responsável por fazer com que “Hackney Diamonds” soasse balanceado; um amálgama entre a veia superstar de Mick e a canastrice rocker de Keith.

Como boa parte da trajetória dos Stones, a história desse disco teve doses de conflito entre os dois protagonistas. Watt foi chamado justamente porque o vocalista e o guitarrista não estavam se entendendo e, nas palavras de Ronnie Wood, eles “precisavam de um árbitro”. O jovem produtor botou ordem na casa e ficou a cargo, inclusive, de escolher as canções que entrariam no disco em meio a mais de 100 composições. Dali, realmente, saíram apenas as melhores — um conjunto de faixas que resumisse todas as facetas de uma banda sexagenária.

O segundo elemento de peso para o resultado final é Steve Jordan. O substituto de Charlie Watts, escolhido pelo próprio antes de sua morte em agosto de 2021 após uma parceria de décadas com Keith Richards, conseguiu ir além do que o músico original poderia oferecer. Não é uma questão de melhor ou pior: Jordan é apenas mais diverso que o lendário Watts. Seria difícil imaginar o saudoso baterista em canções como a já citada “Bite My Head Off”, ou na abertura “Angry”, que traz alguns dos melhores preenchimentos rítmicos do disco.

Faixa a faixa

“Angry”, aliás, foi disponibilizada também como primeira prévia de “Hackney Diamonds”. Não havia melhor escolha, já que esta é a canção é a mais stoneana de todo o álbum. A letra canastrona, a vibe “feel good”, a dinâmica entre guitarras e baixo, o refrão “gigante”… está tudo aqui. Serve ainda como preparação para uma jornada e tanto.

“Get Close” até sinaliza a participação de Elton John, mas o bem colocado piano do astro não está entre os grandes atrativos desta que é uma das melhores — e mais surpreendentes — faixas do disco. Dona de um já mencionado direcionamento mais contemporâneo, a canção é carregada por uma melodia ligeiramente introspectiva, ameaçando “explodir” a todo momento. O estouro vem só com um relativamente inesperado e definitivamente saboroso solo de sax. Os caras não vieram pra brincadeira.

Talvez fosse cedo para uma balada semicountry, mas “Depending On You” convence mesmo assim. A produção impecável consegue encapsular todos os variados elementos e os fatiar em camadas, inclusive os teclados e, quando preciso, backing vocals. A letra entrega uma das diversas reflexões de Jagger neste trabalho sobre a finitude de sua presença neste plano. Não há tempo a perder.

Por isso, “Bite My Head Off” soa ainda mais imponente. Nunca é tarde para uma banda fazer uma de suas canções mais pesadas da carreira, ou para convidar um músico de um grupo apontado como seu rival por décadas. O eterno Beatle Paul McCartney ficou a cargo do baixo e não decepcionou: em vez de reproduzir uma de suas linhas características, simplesmente ligou a distorção e tocou “reto”, como a situação pedia.

“Whole Wide World”, por sua vez, mescla Stones clássico com modulações de guitarra que dão uma veia quase alternativa. Traz alguns dos melhores solos do disco e, novamente, um olhar para o passado na letra. O refrão arranjado de modo a soar ligeiramente melancólico representa mais um acerto.

Com tanta coisa acontecendo até aqui, “Dreamy Skies” ficou até um pouco pálida por oferecer “apenas” mais um mergulho ao country/blues; agora, na pegada “beira de estrada”, com direito a slide no violão, meia-lua e solo de gaita de Mick Jagger. No contexto do álbum, porém, ao menos serve como um descanso para o que ainda está por vir.

“Mess It Up”, como já destacado, é uma das duas canções gravadas ainda com Charlie Watts. É de se impressionar como a perspectiva do disco muda logo em suas primeiras batidas. Mesmo ainda sob orientação diversa — em uma veia dançante com Watts esbanjando groove —, a faixa é 100% Stones sem tirar nem pôr. Espere pelo momento em que o instrumental para e Mick surge com um falsete.

A outra música com Watts é “Live By the Sword”, que também conta com Bill Wyman, baixista original do grupo, e novamente Elton John no piano — em participação tímida, posicionada bem atrás das guitarras na mix. Canastrona, a faixa tem uma energia meio “Can’t You Hear Me Knockin’”. Não surpreende como outras, mas diverte e tem forte carga emocional por reunir Mick, Keith, Ronnie, Charlie e Bill.

“Driving Me Too Hard” é country rock do jeito que só os Stones sabem fazer. As guitarras novamente ocupam a linha de frente, mas de forma mais orgânica em relação à faixa anterior. Aqui, fica claro o método de gravação “ao vivo em estúdio”, pois só dessa forma seria possível capturar a azeitada dinâmica entre Keith Richards e Ronnie Wood — raríssima na história do rock.

Keith, aliás, assume os holofotes de vez ao cantar “Tell Me Straight”, faixa guiada por uma melancolia que, curiosamente, pouco tem a ver com blues. Alguns arranjos de guitarra chegam a remeter a power ballads oitentistas — obviamente, porém, com produção mais sóbria. Se Jagger tanto refletiu sobre a finitude da vida nas letras de outras canções, é claro que Richards também aproveitaria para apresentar algumas de suas reflexões.

Também já conhecida do público, a quase-gospel “Sweet Sounds of Heaven” é um espetáculo à parte. Funciona ainda melhor no contexto do álbum. Os convidados fazem a diferença: seja por Stevie Wonder “desenhar” a canção com suas teclas, seja por Lady Gaga dar um show. Aqui a diva pop começa soando um pouco opaca, mas cresce conforme o restante evolui. Novamente, só dava para obter esse tipo de resultado com o estilo de gravação “ao vivo em estúdio” — especialmente no trecho final, onde a execução é retomada após um “falso” fim. Dá para dizer sem exagero que é uma das melhores faixas do catálogo dos Rolling Stones.

O impacto de “Sweet Sounds of Heaven” é tamanho que o encerramento real com “Rolling Stone Blues”, o tal cover de Muddy Waters, se parece mais como uma bonus track; o que não tira seu encanto. Após tantas participações, com tudo soando gigante, “Hackney Diamonds” se encerra em violão, voz e gaita, com Mick Jagger e Keith Richards, os dois que estavam lá desde o início. Não havia forma mais bela de se dizer “tchau”. Ou talvez “adeus”.

*“Hackney Diamonds” será lançado nesta sexta-feira (20) via Polydor / Universal Music. Clique aqui para fazer o pré-save.

Rolling Stones — “Hackney Diamonds”

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  2. Get Close (feat. Elton John)
  3. Depending On You
  4. Bite My Head Off (feat. Paul McCartney)
  5. Whole Wide World
  6. Dreamy Skies
  7. Mess It Up (feat. Charlie Watts)
  8. Live By The Sword (feat. Charlie Watts, Bill Wyman & Elton John)
  9. Driving Me Too Hard
  10. Tell Me Straight
  11. Sweet Sounds Of Heaven (feat. Lady Gaga & Stevie Wonder)
  12. Rolling Stone Blues

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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