A história da despedida do Oasis com “Dig Out Your Soul”

Lançado apenas 10 meses antes da separação da banda, álbum só emplacou um hit e teve baixíssima expressão em vendas

“I got nothin’ for you” (“Não tenho nada a provar”), canta Liam Gallagher em “Ain’t Got Nothin’”, uma das três faixas de sua autoria presentes no repertório de “Dig Out Your Soul”, o sétimo e derradeiro álbum de estúdio do Oasis.

De fato, naquela época, os ingleses não tinham nada a provar: diferente de seus contemporâneos, o Oasis era — e ainda é — a única banda oriunda do britpop a ter alcançado o topo de paradas internacionais e, entre todas as principais do movimento, a que teve mais hits de projeção mundial; que o digam “Don’t Look Back in Anger” e a campeã dos karaokês “Wonderwall”.

- Advertisement -

Mesmo assim, os números vinham caindo. Se pelas mudanças na sonoridade a partir de “Standing on the Shoulder of Giants” (2000) — que, com pouco mais de 200 mil cópias vendidas nos Estados Unidos, foi o primeiro fiasco comercial no principal mercado consumidor de discos do planeta — e mantida em “Heathen Chemistry” (2002) ou por fatores externos, não se sabe ao certo, mas algo precisava ser feito.

Tendo “Don’t Believe the Truth” (2005) resgatado parte da popularidade perdida, Liam e seu irmão Noel Gallagher chegaram ao consenso de promover uma “volta às raízes”. Mas não foi bem isso que “Dig Out Your Soul” representou.

Conheça a história.

Um proveitoso ciclo de álbum e turnê

Desde “(What’s the Story) Morning Glory?” (1995) o Oasis não vivia um ciclo de álbum e turnê tão proveitoso. Apesar dos percalços, “Don’t Believe the Truth” acabou se tornando um sucesso: foram 7 milhões de cópias vendidas em todo o mundo e três singles nas primeiras posições das paradas internacionais: “Lyla”, “The Importance of Being Idle” e “Let There Be Love”.

A subsequente turnê, homônima ao álbum, foi a maior da história da banda. Foram 113 shows em 26 países, incluindo datas esgotadas no Madison Square Garden, em Nova York, e no Hollywood Bowl, em Los Angeles, além da gravação de um DVD ao vivo em Manchester, lançado como bônus do documentário “Lord Don’t Slow Me Down” (2007).

O efeito “Don’t Believe the Truth” foi tamanho que quando a revista Q perguntou aos seus leitores em 2008 quais os cinquenta maiores álbuns britânicos dos últimos cinquenta anos, dois álbuns do Oasis, “Definitely Maybe” (1994) e “(What’s the Story) Morning Glory?”, ficaram em primeiro e segundo lugar, com outros dois, “Don’t Believe the Truth” e “Be Here Now” (1997), aparecendo nas posições 14 e 22.

Quando o giro de divulgação chegou ao fim — em 31 de março de 2006, na Cidade do México —, o grupo tirou merecidas férias, durante as quais lançou a coletânea “Stop the Clocks” e trabalhou, separadamente, em músicas para o vindouro trabalho.

Autoria compartilhada, acenos aos Beatles e espiritualidade

Entre julho e setembro de 2007, o Oasis se reuniu em estúdio. Desses primeiros encontros saíram pouco mais do que algumas demos, a serem desenvolvidas e/ou retrabalhadas a partir de novembro daquele ano, sob a batuta do produtor Dave Sardy no Abbey Road, em Londres. Os trabalhos se estenderam até março de 2008 e, ao final deles, o baterista Zak Starkey, filho do ex-Beatle Ringo Starr, pediu as contas.  

Apesar de Noel Gallagher ter declarado à NME no início daquele ano seu desejo de repetir o caráter faraônico de “Be Here Now” — “Eu gostaria de ter uma orquestra de 100 músicos e corais e todas essas coisas” —, o próprio guitarrista voltaria atrás em declarações posteriores, se referindo ao trabalho que estava no forno como “uma volta às raízes”.

Coube ao irmão Liam desenvolver o que isso significava. Em entrevista à Reuters, ele disse:

“Este disco vai ser bem rock ‘n’ roll. Não tem nada de acústico nele.”

Segundo o vocalista, a autoria das músicas foi, desta vez, dividida entre os quatro integrantes da banda. Enquanto Noel escreveu seis músicas, Liam foi responsável por três e o baixista Andy Bell e o guitarrista Gem Archer têm, cada um, uma canção de sua autoria.

São de Noel:

  • “The Shock of the Lightning”, primeiro single de “Dig Out Your Soul”;
  • a faixa de abertura “Bag It Up”, cuja letra faz referência à época em que ele usava cogumelos e cheirava cola;
  • “The Turning”, uma homenagem ao baterista do World of Twist, Tony Ogden, morto em 2006;
  • “Waiting for the Rapture”, uma canção de amor dedicada à então namorada Sara MacDonald;
  • “(Get Off Your) High Horse Lady”, resgatada das demos de “Heathen Chemistry”;
  • e “Falling Down”, o indicativo mais significativo do rumo que ele seguiria a partir do lançamento do álbum homônimo do Noel Gallagher’s High Flying Birds em 2011.
Leia também:  O convidado que faltou no álbum solo de Slash, segundo o próprio

Liam mostra a que veio em:

  • “I’m Outta Time”, melancólica balada escrita três anos antes;
  • “Ain’t Got Nothin’”, a respeito da infame briga em um bar de hotel com empresários em Munique em 2002, na qual ele perdeu dois dentes da frente;
  • e “Soldier On”, a metafórica faixa de encerramento.

Sobre a última, Noel comenta à Mojo:

“Teria sido mais fácil e óbvio colocar uma música alto astral no final do álbum. Quando ouço ‘Soldier On’, imagino um cara com um p#ta bloco de concreto nas costas, carregando-o como se alguém tivesse lhe dito: ‘aí está sua bagagem’. Por isso foi a última no álbum. Eu realmente amo essa música.”

Um aspecto intersecciona as fatias de Noel e Liam: os acenos aos Beatles. A melodia de “Dear Prudence” pode ser ouvida no final de “The Turning”; “Waiting for the Rapture”, cantada por Noel, faz referência a “Come Together”; e “I’m Outta Time”, o segundo single de “Dig Out Your Soul”, inclui um trecho da última entrevista dada por John Lennon à BBC Radio, dias antes de sua morte, em 1980.

A princípio, Bell foi contra a inclusão de “The Nature of Reality”, sua única contribuição a “Dig Out Your Soul”, no repertório. À revista Q, ele explicou o porquê:

“Eu tinha me divorciado e estava fazendo terapia. Parecia que o amor simplesmente não era para mim, e a maneira como lidei com isso foi me tornando um ateu fervoroso, depois de ter crescido numa família cristã. Então li ‘Deus, um delírio’, de Richard Dawkins, e decidi que queria ser intelectual — científico, lógico e racional. E dessa decisão surgiu essa música. Sou eu decidido de que não há mistério. Mais tarde, acabei me apaixonando novamente e voltei a usar crucifixos. [Aponta para os diversos crucifixos de prata no pescoço.] Não diria que sou religioso, mas sim espiritualizado. Agora, no que diz respeito a mim, tudo se resume ao amor. Não sabemos o que é o amor, mas sabemos que ele é tudo o que há.”

Por fim, é de Archer a faixa da qual o título do álbum foi extraído: “To Be Where There’s Life”. De acordo com Noel, a escolha coube ao ilustrador Ralph Steadman, e a única instrução dada a ele foi: “Sugira qualquer título, menos ‘Oasis’”.

O single que é basicamente uma demo

Em 15 de agosto de 2008, várias estações de rádio do Reino Unido estrearam “The Shock of the Lightning” em suas programações. Em postagem no site do Oasis, Noel Gallagher afirmou que a música foi “escrita e gravada muito rapidamente”:

“É basicamente uma demo. E manteve essa energia. E isso diz muito a respeito de processos, eu acho. A primeira vez que você grava algo é sempre a melhor.”

À revista Q em outubro de 2008, o guitarrista Gem Archer acrescentou que a música foi um esforço solo de Noel:

“Ele a compôs na noite anterior [à gravação]. Fez tudo sozinho; tocou bateria, baixo, guitarra e cantou.”

A versão física do single, contendo um remix dos Chemical Brothers para “Falling Down”, chegou às lojas uma semana antes do lançamento do álbum. Embora tenha estreado na terceira posição, “The Shock of the Lightning” foi o primeiro single principal da banda desde o primeiro, “Supersonic”, a não alcançar o número 1 em sua terra natal. Ainda assim, foi a única música do Oasis a figurar na lista de 100 Melhores da Década da NME — na 96ª colocação, mas quem liga?

Disco de ouro, mas no Japão

“Depois de ouvir essas 11 faixas, elas simplesmente desaparecem da sua mente como se nunca tivessem sido tocadas”, escreve o jornalista Nathan Kamal em resenha de “Dig Out Your Soul” publicada no The Hard Times.

Leia também:  A única técnica que Joe Bonamassa não consegue executar na guitarra

Mas o informativo punk não estava só. Referências como a Rolling Stone e a NME também expressaram insatisfação quando o sétimo álbum do Oasis chegou às lojas em 6 de outubro de 2008. Enquanto a primeira deu 2,5 de 5 estrelas ao disco, a segunda não teve papas na língua: “Cada outro trabalho do Oasis tem pelo menos uma música que me impede de jogá-lo no lixo. ‘Dig Out Your Soul’, não”.

As 90 mil cópias vendidas somente no Reino Unido no dia de seu lançamento fizeram de “Dig Out Your Soul” o segundo álbum mais vendido mais rapidamente do ano; atrás apenas de “Viva la Vida or Death and All His Friends”, do Coldplay, lançado quatro meses antes. Ao término da primeira semana, os números tinham mais que dobrado, ultrapassando as 200 mil cópias. Só que a euforia durou pouco e, quinze anos mais tarde, estima que pouco mais de 600 mil cópias foram vendidas.

O cenário de curva descendente acentuada também ocorreu nos Estados Unidos: depois de estrear em quinto lugar na Billboard, com 50 mil unidades comercializadas em sua primeira semana nas gôndolas, “Dig Out Your Soul” perdeu o embalo. Hoje, é o disco do Oasis com menor expressão em vendas na América.

Em outros mercados, porém, houve surpresas. No Japão, onde o CD inclui “I Believe in All” e uma versão alternativa de “The Turning” como faixas bônus, “Dig Out Your Soul” recebeu disco de ouro. Na França, foram 32 semanas nas paradas; o maior número até agora de qualquer álbum do Oasis no país.

Alguma tristeza e grande alívio

Numa tentativa de impulsionar as vendas de “Dig Out Your Soul” na América, o Oasis deu o pontapé inicial naquela que seria sua última turnê com onze datas nos Estados Unidos. O emergente cantor Ryan Adams serviu como atração de abertura.

Foi neste giro que o Oasis veio pela quarta e última vez ao Brasil, se apresentando em:

  • Rio de Janeiro/RJ (Citibank Hall, atual Qualistage, 7 de maio de 2009);
  • São Paulo/SP (Arena Anhembi, 9 de maio);
  • Pinhais/PR (Expotrade Convention Center, 10 de maio);
  • e Porto Alegre/RS (Gigantinho, 12 de maio).

No desequilibrado repertório, seis das onze faixas de “Dig Out Your Soul” e nenhuma sequer de “Be Here Now”.

O trem começou a descarrilhar meses mais tarde, quando o show marcado no V Fest, na Inglaterra, em agosto, teve de ser cancelado após Liam Gallagher ficar acamado com laringite — ou ressaca, segundo Noel — e outro, no francês Rock en Seine, cair pouco antes do início da apresentação.

Duas horas após o público presente no local ser informado do cancelamento, Noel comunicou por meio de nota no site do Oasis sua saída da banda. “É com alguma tristeza e grande alívio que deixo o Oasis esta noite”, escreveu ele.

Ao contrário do que diz a letra de “Soldier On”, a música derradeira de “Dig Out Your Soul”, “Continuar” havia deixado de ser uma opção para o guitarrista.

Oasis — “Dig Out Your Soul”

  • Lançado em 6 de outubro de 2008 pela Big Brother
  • Produzido por Dave Sardy

Faixas:

  1. Bag It Up
  2. The Turning
  3. Waiting for the Rapture
  4. The Shock of the Lightning
  5. I’m Outta Time
  6. (Get Off Your) High Horse Lady
  7. Falling Down
  8. To Be Where There’s Life
  9. Ain’t Got Nothin’
  10. The Nature of Reality
  11. Soldier On

Músicos:

  • Liam Gallagher (vocais em todas as faixas exceto 3, 6 e7)
  • Noel Gallagher (guitarra; violão; teclados; elementos eletrônicos; bateria nas faixas 1, 3 e 11; melodica na faixa 11; voz principal nas faixas 3, 6 e 7; backing vocals)
  • Gem Archer (guitarra, violão, teclados, baixo)
  • Andy Bell (baixo, guitarra elétrica, teclados, tamboura)

Músicos adicionais:

  • Zak Starkey (bateria)
  • Jay Darlington (mellotron, elementos eletrônicos na faixa 7)
  • The National In-Choir (backing vocals na faixa 2)

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Threads | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesA história da despedida do Oasis com “Dig Out Your Soul”
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. Comprei esse álbum no lançamento, lembro na época ter ficado bastante decepcionado acho que por conta das expectativas que o oasis sempre gerava nos lançamentos dos seus discos mas ouvindo hoje vejo que é um album muito bom e que a mídia pegou bem pesado na época.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades