A sobrevida musical de Ray Manzarek pós-The Doors

Embora nichada, carreira do tecladista e fundador do grupo pioneiro do rock psicodélico americano posterior à morte do vocalista Jim Morrison seguiu firme

Músico, produtor, diretor de cinema e escritor, Ray Manzarek nasceu Raymond Daniel Manczarek em 12 de fevereiro de 1939, em Chicago, Illinois, Estados Unidos. Em 1965, foi um dos fundadores do The Doors, grupo pioneiro do rock psicodélico americano que lançou seis álbuns de estúdio entre 1967 e 1972.

Também encabeçou o projeto visto por muitos como caça-níquel The Doors of the 21st Century, posteriormente renomeado Riders on the Storm/D21C, com o guitarrista Robby Krieger, que se manteve na estrada até a morte de Ray, de câncer, em 20 de maio de 2013, aos 74 anos.

- Advertisement -

Apesar de todos conhecerem Manzarek como tecladista e membro fundador do The Doors, poucos são os que conhecem sua obra posterior à morte do vocalista Jim Morrison, em 1971. Daí a finalidade do presente artigo: mostrar que a carreira de Ray, embora nichada, seguiu firme.

The Doors sem Jim Morrison?

Com “L.A. Woman” (1971), o The Doors — Morrison, Manzarek, Krieger e o baterista John Densmore — alcançou o apogeu criativo, misturando rock ‘n’ roll com imagens poderosas e perturbadoras nas letras. Que o diga a clássica “Riders on the Storm” (#14 na parada de singles da Billboard).

Quatro anos de excessos — sexo, drogas, bebida, filosofia, buscas espirituais e música alto e bom som — estavam finalmente cobrando seu preço. Um Morrison frustrado, deprimido e cansado de tudo e todos saiu do The Doors, mudou-se para Paris e começou a escrever poesia. Seus poemas seriam publicados em dois livros, “The Lords” e “The New Creatures”.

De acordo com registros oficiais, Morrison morreu de ataque cardíaco durante o banho em 3 de julho de 1971. Ele está enterrado no cemitério Père Lachaise, em Paris, que também abriga os restos mortais de muitos dos artistas, músicos e estadistas mais célebres da França e de toda a Europa.

Enquanto a tumba de Morrison se tornava um ponto de peregrinação para os neohippies, as carreiras de Manzarek, Krieger e Densmore precisavam continuar. Eles lançaram dois álbuns como um trio sob a alcunha de The Doors — “Other Voices” (18 de outubro de 1971) e “Full Circle” (17 de julho de 1972) —, com Manzarek e Krieger dividindo os vocais. Embora sem o toque de gênio de Morrison, ambos os registros foram esforços louváveis dos três membros remanescentes.

Os três se reuniriam em outras ocasiões: primeiro, para criar um pano de fundo musical para a poesia gravada de Morrison no lançamento de 1978 intitulado “An American Prayer”. Depois, em 2001, no especial Storytellers, da VH1, ocasião em que cantores como Ian Astbury (The Cult), Scott Stapp (Creed) e Scott Weiland (Stone Temple Pilots) prestaram seus tributos a Morrison, falecido há três décadas.

Em 2002, talvez motivado pela boa repercussão do especial, Ray uniu forças com Robby e os dois viajaram juntos por mais de dez anos, tocando material clássico do The Doors para multidões compostas por fãs de longa data e outros recém-iniciados. O show se manteve na estrada até Ray iniciar os tratamentos contra o câncer do ducto biliar que o mataria aos 74 anos em Rosenheim, Alemanha.

Voos solo e um grupo esquecido

Verdade seja dita, por mais que Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore tentassem, o público não comprou a ideia de um The Doors sem Jim Morrison. Embora Manzarek tenha feito um esforço abortado para reformar o grupo com Iggy Pop como vocalista, em janeiro de 1973, os três decidiram, então, trilhar caminhos diferentes. Robby e John acabariam formando uma nova banda de nome Butts Band e Ray, por sua vez, voltaria a Los Angeles e começaria a mexer os pauzinhos para se lançar em voo solo.

Leia também:  O artista que nunca mais voltará ao Rock in Rio, segundo Roberto Medina

Na figura do esforçado Danny Sugerman, Ray encontrou mais do que um empresário, um pau para toda obra. À época com 19 anos, Sugerman abraçou a missão de promover cada passo dado por Manzarek; e o fez tão bem que em poucos meses as principais revistas especializadas em música dos Estados Unidos já noticiavam que o ex-tecladista do The Doors estava trabalhando em um novo projeto.

Álbum conceitual com temática egípcia que Ray descreveu como fruto de muito ácido e de sete anos no The Doors, “The Golden Scarab” foi lançado em 1974. Como conta seu principal idealizador no encarte do trabalho:

“[O álbum] conta a história de uma jornada psíquica. Um cara à espera do Messias; à espera de alguém que lhe mostrasse o caminho. Mas no final ele descobre que só pode fazer isso sozinho. Aceitar a vida como ela é. Sem julgamentos. Apreciá-la. Vivê-la! Musicalmente, [o álbum] se conecta à música dos dois primeiros álbuns do The Doors [‘The Doors’ e ‘Strange Days’, ambos de 1967]. É rock and roll com algo a mais. Ouve-se blues de Chicago, música erudita russa, ritmos africanos, ritmos brasileiros e até música oriental. Mas o fundamento é a agressividade do hard rock.”

Um elenco e tanto acompanha Manzarek na empreitada: na guitarra, Larry Carlton, uma lenda do jazz; no baixo, Jerry Scheff, que tocou em “L.A. Woman”; na bateria, Tony Williams, egresso do quinteto de Miles Davis e descrito pelo crítico musical Robert Christgau como o maior baterista do mundo. Quem assina a produção é Bruce Botnick (Eddie Money, The Rolling Stones).

Embora aclamado pela crítica, o disco vendeu apenas modestamente, mas o suficiente para Ray insistir e a gravadora lhe dar nova chance de estourar com “The Whole Thing Started With Rock & Roll, Now It’s Out Of Control”. No press-release original do álbum, consta a seguinte fala atribuída a Manzarek:

“O primeiro álbum foi um manifesto, algo fortemente pessoal. Eu tive que fazê-lo. Desta vez, apenas tentei fazer músicas pela pura alegria de fazer música.”

Produzido por Bob Brown (Alice Cooper), “The Whole Thing Started…” conta com participações especiais de Joe Walsh (James Gang, Eagles), Flo e Eddie, Patti Smith, os cantores de apoio de Dr. John e o ator George Segal no banjo. Novamente, aclamação crítica não convertida em vendas expressivas.

Uma atualização de bases se mostrou necessária. Na esteira de dois álbuns comercialmente malsucedidos viria uma tentativa mais legítima de tocar no rádio. Muita gente passou pelo Nite City até que que o line-up composto por Ray, Noah James (vocais), Jimmy “Mad Dog” Hunter (bateria), Nigel Harrison (baixo, futuro integrante do Blondie) e Paul Warren (guitarra) se estabelecesse.

Apresentado por Sugerman à imprensa como um filho bastardo do The Doors, o grupo foi logo tachado como um Aerosmith de segunda linha, ou um Mott the Hoople carente de tônus. Durou dois álbuns — o homônimo em 1977 e “Golden Days, Diamond Nights”, este exclusivo para o mercado europeu, no ano seguinte —, mas pouca gente, quase ninguém, se lembra ou valoriza.

Leia também:  A banda que definiu o heavy metal, na opinião de Roger Glover

Ray Manzarek, produtor

“A melhor banda punk de Los Angeles fez o primeiro grande álbum punk da costa oeste [dos Estados Unidos] nesta estreia”, diz a Rolling Stone ao colocar “Los Angeles”, do X, na 287ª posição do ranking Os 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos publicado em 2003.

Embora contenha o hino que define a cidade e músicas como “Johnny Hit and Run Paulene”, o que mais chama a atenção no disco é uma linha nos créditos: “Produzido por Ray Manzarek”.

Considerada uma das bandas mais influentes de sua época, o X surgiu em 1977, em Los Angeles e lançou até hoje oito álbuns de estúdio, dos quais quatro tiveram produção assinada por Manzarek: o já citado “Los Angeles”, “Wild Gift” (1981), “Under The Big Black Sun” (1982) e “More Fun in the New World” (1983).

Sobre a música do X, ele comentou em seu site oficial:

“Eles acreditam na própria música. Eles acreditam que o que dizem importa. Eles acreditam que não é apenas entretenimento. É divertido, mas não é só isso. O que eles estão dizendo, do jeito que estão tocando, significa algo para eles e eles querem que signifique algo para o público também. Eles estão falando sobre a vida. Eles estão falando sobre se sentirem vivos. Eles estão falando exatamente sobre a mesma coisa que [Jim] Morrison falava: sobre estar vivo.”

Em relação a seu trabalho como produtor, Ray abre mão de quaisquer méritos:

“Sou apenas uma espécie de controle de qualidade no estúdio. Eu me certifico de que tudo corra bem e sem problemas. Apenas tento obter o melhor desempenho possível deles. Por mais que eu goste de trabalhar com eles, eles sabem que são capazes de produzir seus álbuns sozinhos.”

Também se rasga em elogios ao guitarrista Billy Zoom:

“Ele será um grande produtor um dia. Ele é realmente maravilhoso no estúdio e sabe o que está fazendo. Posso vê-lo tomando as rédeas. Também é um dos melhores em seu instrumento.”

Ao contrário do previsto por Manzarek, a carreira de produtor de Zoom acabou não decolando; de 1984 a 2009 foram apenas nove discos produzidos por ele. Em compensação, gravou ao lado de Big Joe Turner, Etta James, Gene Vincent e dezenas de outros artistas do rockabilly ao jazz.

Outros trabalhos dignos de nota

  • Em 1983, Ray Manzarek lançou sua releitura de “Carmina Burana”, de Carl Orff. Coproduzido pelo três vezes indicado ao Oscar, Philip Glass, o LP traz em sua capa uma colagem de pinturas de Hieronymus Bosch (creditado no encarte como Hieronymus Beach);
  • Proveu fundo musical para poetas e escritores, como Michael McClure, Darryl Read e Scott Richardson, com quem gravou o inovador “Tornado Souvenirs” (1992);
  • Tocou em músicas de Echo and the Bunnymen (“Bedbugs and Ballyhoo”, do álbum homônimo ao grupo, de 1987), Jurassic 5 (“Acetate Prophets”, do álbum “Power in Numbers”, de 2002) e “Weird Al” Yankovic (“Craigslist”, uma homenagem às avessas ao The Doors, do álbum “Alpocalypse”, de 2011);
  • Fora da seara musical, Manzarek publicou dois romances, “The Poet in Exile” (2001) e “Snake Moon” (2006), além da autobiografia “Light My Fire: My Life with the Doors” (1998).

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesA sobrevida musical de Ray Manzarek pós-The Doors
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. Pessoal, vamos caprichar na tradução ou na construção das frases em Português…o título desta matéria está truncado, seria melhor escrever duas frases ou alterar a montagem do mesmo…e “Alpocalypse” é de doer…

    • Rainer, o disco realmente chama “Alpocalypse”. É do “Weird Al” Yankovic, artista conhecido por fazer paródias. Acho importante ao menos pesquisar antes de fazer um comentário criticando.
      https://en.wikipedia.org/wiki/Alpocalypse
      E não há nenhum erro no título. O artigo apresenta o que é considerada a “sobrevida” musical de Ray Manzarek após o fim do The Doors. Até há alguns parágrafos oferecendo contexto ao explicar a morte de Jim Morrison e os trabalhos sob o nome The Doors feitos sem Jim. Ainda assim, é um artigo com a sobrevida musical de Ray Manzarek pós-The Doors. Se você não compreendeu, é outra questão, mas não diga que não caprichamos nem noms peça coisas que não existem, como título de duas frases. Abs!

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades