A história de “Never Mind the Bollocks”, o único álbum dos Sex Pistols

Experimento inspirado em intelectuais comunistas franceses dos anos 60 rendeu um dos melhores discos de rock da história

Os Sex Pistols, que lançaram em 1977 seu álbum único “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”, eram uma trollada. Uma brincadeira revolucionária bolada por Malcolm McLaren, inspirado pelo movimento situacionista francês fundado em 1957 e que chegou ao fim em 1972.

Era o tipo de coisa que em 2022 todo mundo entenderia na hora como balela. Mas na Inglaterra dos anos 1970, a sociedade mordeu a isca com gosto. Foram caracterizandos como o fim da picada, uma ameaça à juventude e o bem estar da nação. 

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A banda implodiu no início de 1978 em meio a boicotes de público, brigas internas e uma turnê americana desastrosa. No caminho, porém, deixaram de legado algo que nem Malcolm McLaren esperava: um dos discos de rock mais importantes de todos os tempos.

Too Fast to Live, Too Young to Die

O que viemos a conhecer como os Sex Pistols nasceu sob o nome de The Strand. Tratava-se de um grupo de moleques delinquentes liderado por Steve Jones nos vocais, com Paul Cook na bateria e Wally Nightingale na guitarra. 

Os garotos estavam essencialmente seguindo a moda do pub rock na Inglaterra, onde bandas de rock despretensioso começaram a surgir em meio aos excessos dos maiores artistas da época. O movimento acabou marcado por um revival dos anos 1950 e uma das principais lojas vendendo roupas voltadas para esse público era a Too Fast to Live, Too Young to Die, do casal Malcolm McLaren e Vivienne Westwood.

O primeiro citado havia passado um período em Nova York sendo empresário dos New York Dolls. Arruinou a carreira da banda ao transformá-los de glam da sarjeta para comunistas maoístas. Voltou ao Reino Unido, em maio de 1975, armado de ideias sobre o que o punk poderia ser no país.

Malcolm e Vivienne mudaram o nome e o foco da loja, que a partir de então se chamaria Sex, com roupas de couro e borracha inspiradas por sadomasoquismo. Os looks eram desfilados em Nova York por Richard Hell.

O empresário, então, ficou interessado no The Strand. A esse ponto o grupo havia adquirido como baixista Glen Matlock, o único da formação com conhecimento musical de verdade, enquanto os outros iam na base do entusiasmo e atitude.

De The Strand a Sex Pistols

Quando Malcolm McLaren se tornou o empresário do The Strand, a primeira medida foi demitir Wally Nightingale por não ter o visual adequado e mover Steve Jones para a guitarra. Dessa firnam precisavam de um vocalista que se adequasse.

Conforme relatado por Glen Matlock no livro “Punk Rock”, escrito por John Robb, o plano era simples:

“Todo mundo tinha cabelo comprido, até o leiteiro, então o que a gente fazia era: se alguém tinha cabelo curto, a gente parava eles na rua e perguntava se achavam que eram cantores.”

O vocalista certo foi encontrado, em agosto de 1975, na forma de John Lydon. Era um filho de irlandeses que costumava andar com uma camiseta do Pink Floyd que tinha as palavras “I HATE” (“EU ODEIO”) escritas em cima do nome da banda. Repleto de espinhas no rosto, tinha dentes horríveis e uma personalidade pior ainda – a ponto de Steve Jones apelidá-lo Johnny Rotten.

Seu teste foi uma sessão de karaokê na loja Sex, onde ele cantou “I’m Eighteen”, de Alice Cooper, até Jones, Cook e McLaren caírem na gargalhada e o aceitarem como parte da banda.

Após um período de ensaios e ajustes, eles abandonaram o nome The Strand e se tornaram os Sex Pistols.

Polêmica é o nome do jogo

Como dito antes, Malcolm McLaren era um discípulo dos situacionistas. O grupo revolucionário focava em denunciar os efeitos negativos do capitalismo na sociedade ocidental através de arte e performance.

Apesar do papel de destaque nos protestos de Paris em 1968, a mensagem nunca penetrou na sociedade britânica. Jamie Reid, colega de universidade de McLaren e responsável pela identidade visual dos Sex Pistols, contou à Jon Savage no livro “England’s Dreaming”:

“Nós costumávamos falar muito com John sobre os situacionistas. Os Sex Pistols pareciam o veículo perfeito para comunicar ideias diretamente a pessoas que não estavam recebendo a mensagem de políticas de esquerda.”

Mas como os Pistols propagavam a mensagem? Steve Jones resumiu melhor na primeira entrevista do grupo para o NME, compilada no livro “Punk Rock”:

“Na realidade, não temos interesse em música. Nós gostamos de caos.”

Os músicos estavam colocando a boca no trombone sobre todos os males da sociedade britânica e como a juventude era alienada pelas gerações anteriores. A mensagem não foi aceita por todos, mas aos poucos começaram a aparecer outros focos simpáticos ao punk.

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“Anarchy in the UK”

Em 20 de julho de 1976, o Sex Pistols estreou ao vivo uma música nova, “Anarchy in the UK”. A letra encapsulava a mensagem situacionista de maneira quase perfeita, a ponto de Jon Savage escrever em “England’s Dreaming”:

“Resta pouca dúvida que Lydon foi munido de material por Vivienne Westwood e Jamie Reid, que ele então converteu para sua própria letra.”

Na sua autobiografia, “Lonely Boy – Tales from a Sex Pistol”, Steve Jones escreveu sobre a canção:

“Você não podia criticar Rotten por algumas letras que ele bolou – para um moleque de 19 anos escrever ‘Pretty Vacant’ e ‘Anarchy in the UK’ era impressionante pra car#lho. Eu talvez não me importasse muito com letras antes, mas eu reconhecia um clássico quando ouvia um.”

Após gravar sete canções inéditas numa sessão de demos, a banda se apresentou em setembro de 1976 no programa de Tony Wilson na Granada Television. Eles tocaram “Anarchy in the UK”, para horror das pessoas na sala de controle.

Em outubro de 1976, assinaram contrato de dois anos com a EMI, a maior gravadora do mundo. “Anarchy in the UK” foi lançada como single em 26 de novembro daquele ano

Numa aparição televisiva dia 1º de dezembro, os Sex Pistols se tornaram a banda mais infame do mundo. Convidados de última hora para substituir o Queen no programa vespertino da Thames Television apresentado por Bill Grundy, os músicos apareceram acompanhados de seu séquito de fãs mais fiéis, o Bromley Contingent.

Alguns dos membros da banda estavam bêbados, incluindo Steve Jones, que xingou o apresentador após ele dar uma cantada ao vivo em Siouxsie Sioux, presente parte do contingente de admiradores. Da noite pro dia, os Pistols se tornaram capa de todos os tabloides da nação.

Se eles não se importam com a música, mas sim com o caos, agora era a hora de provar. O contrato da EMI foi revogado pela gravadora em janeiro de 1977. Em fevereiro, Glen Matlock foi mandado embora da banda por Malcolm McLaren. Seu substituto era o melhor amigo de Lydon, John Simon Ritchie, também conhecido como Sid Vicious.

Steve Jones descreveu sua insatisfação com essa decisão em “Lonely Boy – Tales from a Sex Pistol”, escrevendo:

“Para Cookie e eu, não fazia sentido ter alguém incapaz de tocar uma nota substituindo Glen, mas pro McLaren nunca foi sobre a música… Do momento que Sid entrou pra banda, nada foi normal novamente.”

“Never Mind the Bollocks”

Os Sex Pistols entraram em estúdio, em março de 1977, para gravar seu disco de estreia em antecipação de um novo acordo de gravadora. Imediatamente, o produtor Chris Thomas determinou que Sid Vicious era incapaz de tocar baixo.

O plano inicial era recrutar Glen Matlock, mas esse exigiu ser pago por seu tempo no estúdio. Quando isso foi negado, decidiu não participar.

Por muitos anos, a lenda urbana era que os instrumentos em “Never Mind the Bollocks” haviam sido gravados por Chris Spedding, um guitarrista de estúdio renomado da época. Contudo, a realidade era que Steve Jones, sem um pingo de educação musical, gravou todos os instrumentos de corda do disco.

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Inicialmente, o plano era que ele fizesse faixas de baixo como guia para que Malcolm McLaren arrumasse. No entanto, Chris Thomas ficou tão impressionado com a qualidade a ponto de usá-las no produto final.

Numa entrevista para o Loudwire, Jones resumiu como as faixas foram gravadas:

“Eu e Cookie, a gente gravava uma backing track, às vezes John estaria nela cantando ou não, então eu fazia o baixo e adicionava à faixa com algumas guitarras aqui e ali. Eu só estou tocando colcheias no baixo com alguns riffs pequenos aqui e ali – bem simples.”

O resultado é uma porrada sonora capaz de agradar a adolescentes procurando algo espalhafatoso, porém simples. Vindos pela guitarra e pela polêmica, eles eram apresentados à retórica do grupo nas letras.

Num espaço de uma semana em março de 1977, os Sex Pistols assinaram com a A&M numa coletiva em frente ao Palácio de Buckingham. Foram dispensados após um executivo da gravadora ser ameaçado de morte por um amigo de Johnny Rotten.

Demorou até maio para que fosse encontrado um lar, dessa vez definitivo. A Virgin era até então uma gravadora famosa por lançar discos de prog e kraut rock. Fundada por Richard Branson, um hippie aberto a qualquer tipo de bizarrice, a empresa era o lugar perfeito para os Pistols.

Jubileu de Prata

As gravações de “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols” foram finalizadas em junho de 1977. Antes dessas sessões, que geraram as canções “Bodies” e “Holidays in the Sun”, os Sex Pistols protagonizaram um dos maiores golpes de publicidade da história da música.

A Rainha Elizabeth II completava 25 anos de reinado naquele ano. Por isso, Malcolm McLaren decidiu lançar “God Save the Queen” como single antes da celebração do Jubileu de Prata.

Até a semana das solenidades, o compacto já havia vendido 150 mil unidades. Era previsto que atingisse o topo das paradas.

Como jogada promocional, McLaren alugou uma barca para passar com a banda tocando a música, extremamente crítica da monarca e a família real, em frente ao Parlamento. O evento era uma enorme tiração de sarro com o cortejo marítimo marcado para dois dias depois, celebrando o aniversário de reinado.

Hoje em dia, sabe-se que houve um esforço por parte das autoridades por trás da contagem de unidades vendidas para diminuir os números dos Pistols. Não foram contabilizados discos vendidos em lojas de gravadora, como era o caso da Virgin.

Dessa forma, “God Save the Queen” fechou a semana do Jubileu em segundo lugar, atrás de “I Don’t Want to Talk About It”, de Rod Stewart. Mas o dano estava feito. Os Pistols eram a banda mais quente do Reino Unido e o punk era popular.

O compacto “Pretty Vacant”, lançado em 2 de julho, atingiu o 6º lugar das paradas. “Holidays in the Sun chegou à 8ª posição em 14 de outubro.

E quando “Never Mind the Bollocks” finalmente foi lançado em 28 de outubro, com sua capa feita para parecer um bilhete de resgate enviado por sequestradores, o disco chegou ao topo das paradas do Reino Unido.

Os punks sequestraram a atenção do país. Os Sex Pistols podem ter implodido três meses depois, mas outras bandas como The Clash, Buzzcocks, The Damned, Wire, Joy Division mantiveram a chama do movimento acesa. O mundo inteiro recebeu a mensagem: sim, é para querer o caos, mas a música também importa.

Sex Pistols – “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”

  • Lançado em 28 de outubro de 1977 pela Virgin (Reino Unido) e em 11 de novembro de 1977 pela Warner Bros (Estados Unidos)
  • Produzido por Chris Thomas e Bill Price

Faixas:

  1. Holidays in the Sun
  2. Bodies
  3. No Feelings
  4. Liar
  5. God Save the Queen
  6. Problems
  7. Seventeen
  8. Anarchy in the U.K.
  9. Submission
  10. Pretty Vacant
  11. New York
  12. E.M.I.

Músicos:

  • Johnny Rotten (vocal)
  • Steve Jones (guitarra, baixo em todas as faixas exceto em “Anarchy in the U.K.”, backing vocals)
  • Paul Cook (bateria)
  • Glen Matlock (baixo e backing vocals em “Anarchy in the U.K.”)
  • Sid Vicious (baixo parcial em “Anarchy in the U.K.” e “Bodies”)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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