Como o Brasil influenciou o Sepultura para os anos 90 em “Chaos A.D.”

Vivendo nos EUA, grupo reduziu velocidade e, inspirado pelos sons de sua terra natal, foi um dos responsáveis a renovar o metal em uma nova década

Existem momentos em que artistas ficam numa encruzilhada: aperfeiçoar um estilo próprio ou arriscar incorporar novas influências para expandi-lo? São formas diferentes de se evoluir musicalmente.

A indústria musical de massa, da venda de discos à viralização de streams, tem peso enorme nessa decisão. A regra do “se não está quebrado, não tem o que consertar” pressiona para o ajuste fino de um estilo já rentável. Mas a inovação, quando bem aceita — ou divulgada —, pode trazer lucros ainda maiores para quem sair à frente.

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Em 1993, o heavy metal era visto por tal indústria como um estilo “quebrado”. Rob Halford fora do Judas Priest. Bruce Dickinson de saída do Iron Maiden. A depressão do grunge desbancando o festivo mundo do hair metal. Metallica com seu som simplificado caminhava para tornar seu “Black Album” o disco mais vendido desde seu lançamento por qualquer artista em qualquer estilo.

“Adapte-se ou morra” era a verdade para toda banda de heavy metal estabelecida até então. Muitas carreiras consolidadas se enterraram nesse período.

Por outro lado, o Sepultura sobreviveu e manteve sua trajetória ascendente em “Chaos A.D.”, seu quinto álbum de estúdio. Mas o grupo não se adaptou. Ele foi agente de mudança. E o Brasil teve impacto nesse processo.

Altas expectativas

No segundo semestre de 1993, dois assuntos dominaram qualquer encontro de headbangers brasileiros (chamar de metaleiro era tão ruim quanto xingar a mãe). O primeiro era quem seria o novo vocalista do Iron Maiden — a possibilidade de ser Andre Matos, então ainda o ex-vocalista do Viper, acalorava o debate; o outro tópico: “o Sepultura vai virar uma banda GRANDE mesmo?”.

Era enorme a expectativa em torno do futuro álbum do quarteto mineiro, a ser lançado em setembro de 1993. Em busca do próximo Nirvana, as grandes gravadoras arriscavam acordos com selos menores de qualquer estilo, e isso incluiu até bandas de death metal da Earache Records. 

Os brasileiros, como principal nome da Roadrunner — gravadora responsável por internacionalizá-los —, fizeram-na assinar uma parceria de distribuição com uma major, a Epic Records — ligada à Sony Music, era o mesmo selo de Michael Jackson, Pearl Jam e Ozzy Osbourne.

No livro “Choosing Death – the Improbable History of Death Metal and Grindcore”, escrito por Albert Mudrian, o executivo Monte Connor, da Roadrunner Records, falou sobre o acordo com a Epic:

“Nós fomos pressionados pela banda a fazer o acordo. Eles achavam que apenas por estar na Roadrunner não conseguiriam atingir o próximo nível e vender tantos discos quanto eles queriam.”

A relação com Osbourne também atiçava o interesse. A foto do Sepultura em meio aos quatro membros originais do Black Sabbath após ser uma das bandas de abertura do então último show da carreira do vocalista o colocou de vez no mesmo panteão de outros deuses do metal.

Se “Beneath the Remains” (1989) levou o grupo do Brasil ao mundo, “Arise” (1991) fez dos brasileiros um nome forte do heavy metal ao redor do globo. O próximo passo era se tornar, talvez, um Metallica da nova geração. Não era baixa a expectativa em relação a “Chaos A.D.”.

As raízes de “Chaos A.D.”

“Chaos A.D.”, musicalmente, é uma espécie de fechamento de ciclo para o Sepultura. Se tudo começou com os irmãos Cavalera tocando músicas extremas em arranjos mais primitivos para evoluir, principalmente após a entrada do guitarrista Andreas Kisser, em direção uma mistura sui generis de death e thrash metal, o disco lançado trinta anos atrás reconectou o Sepultura àquela simplicidade do início da carreira.

Alguns sinais deste caminho já apareceram em “Arise”. A faixa-título traz velocidade reduzida e aposta em riffs mais simples e repetitivos com efeito marcante, como na parte intermediária logo depois do refrão. Em “Under Siege (Regnum Irae)” e “Meaningless Movements”, a banda se utilizou de andamentos mais cheios de groove que dariam a tônica de “Chaos A.D.”.

No livro “Sepultura 1984-1998: Os primórdios”, escrito por Silvio “Bibika” Gomes e André Barcinski, Andreas Kisser comenta:

“Muita gente fala que a gente só começou a usar sons brasileiros e latinos depois, no ‘Chaos A.D.’ e no ‘Roots’, mas poucos lembram que ‘Arise’ já trazia algumas coisas desse tipo. Quando gravamos ‘Altered State’, pedimos ao técnico de estúdio para inventar uma introdução meio indígena, usando só samplers e efeitos sonoros.”

Em mais uma reconexão, o baterista Iggor Cavalera (então com um “g” só no nome de batismo) retornaria aos dias em que sua paixão por seu instrumento nascia das batucadas em torcidas organizadas em jogos de futebol. Em trecho constante na autobiografia do vocalista e guitarrista Max Cavalera, “My Bloody Roots”, escrita com Joel McIver, ele afirma:

“Para mim, a percussão veio antes mesmo da música: ia ao estádio e tocava, sem nunca pensar em fazer parte de uma banda de rock.”

Novas experiências também os marcaram. A intensa turnê mundial dos músicos para a divulgação de “Arise” colocou o grupo em contato com várias pessoas novas, como Alex Newport, do Fudge Tunnel. Ao lado do músico, casado com uma enteada de Gloria Bujnowski, empresária dos brasileiros, Max iniciaria o Nailbomb, projeto paralelo recheado de influências do metal industrial.

Assim, excursionar com diversificados expoentes da música pesada norte-americana, como Ministry, Sick of it All, Helmet, Prong e Alice in Chains, também influenciou na decisão de abandonar o livrinho de regras metálicas para evitar repetições nas composições do disco seguinte. Em “Sepultura 1984-1998: Os primórdios”, Kisser diz:

“Ninguém aguentava mais tocar as músicas do ‘Arise’. Chega uma hora em que a repetição te mata. Como músicos, nós queríamos testar coisas novas, buscar outros caminhos para o nosso som.”

Outro fato pesou muito na composição do novo disco. Durante a turnê de divulgação de “Arise”, os músicos se mudaram para os Estados Unidos. Era uma decisão logística racional e facilitou as infindáveis excursões que levaram o grupo pela primeira vez ao Japão, Austrália, Nova Zelândia e até à Indonésia, além da União Soviética em meio ao colapso do regime comunista.

Como expatriados e mais viajados, o Sepultura pôde enxergar sua identidade brasileira num contexto mais amplo. Desde introduções percussivas até as letras das músicas do disco novo, os músicos buscavam aliar sua experiência de vida única a um mundo caótico que se globalizava após o declínio soviético.

A confusão em torno da data de lançamento

Trinta anos depois, a data de lançamento de “Chaos A.D.” ainda é motivo de discussão. No site oficial do Sepultura, consta 19 de outubro de 1993, mês apontado também no livro “Sepultura 1984-1998: Os primórdios”, escrito por Silvio “Bibika” Gomes e André Barcinski. Já a Wikipedia e a obra “Relentless — 30 anos de Sepultura”, de Jason Korolenko, colocam o lançamento em setembro daquele ano. A “Encyclopaedia Metallum” é mais específica indicando o dia 2, assim como a autobiografia de Max Cavalera, “My Bloody Roots”, feita em conjunto a Joel McIver.

2 de setembro de 1993 seria uma data estranha por ser uma quinta-feira. Antes da unificação mundial dos lançamentos na era do streaming às sextas-feiras, nos Estados Unidos os discos costumavam chegar nas lojas às terças, enquanto no Reino Unido e Canadá saíam às segundas, no Japão às quartas, mas na Alemanha e na Austrália, às sextas.

Num mundo anterior à pirataria digital e aos serviços de streaming, ouvir um disco em sua data de lançamento não era tão normal. Mas a expectativa pelo novo trabalho do Sepultura era tamanha que as duas principais rádios rock da época no estado de São Paulo, a 89 e a 97, tocaram “Chaos A.D.” na íntegra durante a sua programação.

Este que vos escreve se lembra de estar numa tarde estudando para uma prova de química na manhã seguinte, antes de ir para sua aula noturna de inglês, quando recebeu a ligação de um primo dizendo: “coloca na rádio que está tocando o disco novo do Sepultura”. O mundo parou naquele momento. Já tocava o final de “Territory” quando sintonizei a frequência no dial do meu aparelho e bateu uma certa frustração por ter perdido o início.

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Quando cessaram os ruídos de “Clenched Fist” e o locutor anunciou o final do álbum, coloquei de imediato na rádio rock concorrente e, alguns minutos depois, foi anunciado com alarde que à noite tocariam “Chaos A.D.” na íntegra. Adeus, aula de inglês. Peguei uma fita do meu estoque de cassetes virgens, coloquei no aparelho, deixei apertados os botões “rec” e “pause” e fiquei preparado.

Ao terminar de gravar a execução de “Chaos A.D.” no rádio, já coloquei o cassete de novo para tocar e fiz outra cópia. Sabia que os colegas da escola pediriam a fita emprestada no dia seguinte. Mas também percebi muita coisa diferente ali para um adolescente que ainda se aprofundava no mundo da música pesada. Precisaria ouvir mais vezes para assimilar e não iria esperar até conseguir o CD.

Aposta alta das gravadoras

O Sepultura em “Chaos A.D.” era encarado como peça importante no xadrez do heavy metal mundial. Em 1993, o grunge já havia dizimado o hard rock oitentista das paradas. Tentativas malsucedidas de seguir a sonoridade mais acessível do disco preto do Metallica destruíram a credibilidade de várias bandas de thrash metal.

Dois discos lançados em 1992 apontavam caminhos novos para o heavy metal seguir relevante na nova década: “Vulgar Display of Power”, do Pantera, e o álbum de estreia homônimo do Rage Against the Machine. No ano seguinte, “Walk” e“Killing in the Name” se tornaram hinos inescapáveis a qualquer fã de metal.

A Roadrunner e a Epic Records acreditavam que o Sepultura tinha potencial e investiram pesado em “Chaos A.D.”. Para a produção, a banda optou por Andy Wallace, que havia sido escolhido para mixar “Arise” com base em sua experiência na trinca de clássicos do Slayer a partir de “Reign in Blood”. Wallace se tornara um nome de altíssimo calibre após ter feito o mesmo trabalho para “Nevermind” (1991), do Nirvana, seguido por outros nomes ascendentes na música pesada como Helmet, White Zombie e o já citado Rage Against the Machine.

O produtor sugeriu que o disco fosse gravado no Rockfield Studios, uma mansão rural isolada no País de Gales onde Queen, Black Sabbath, Rush e Iggy Pop já haviam registrado seus trabalhos. Até uma aventura para gravar dentro do Castelo de Chepstow foi bancada pelas gravadoras, assim como uma festa nababesca de lançamento do álbum para a imprensa. Um trecho extraído do livro “Relentless — 30 anos de Sepultura”, de Jason Korolenko, conta:

“Organizada com temas tanto medievais quanto brasileiros, havia capoeiristas em trajes de bobos da corte, convidados deleitando-se com coxas de peru gigantes e bebendo uísque de cálices adornados com o logotipo do Sepultura. A banda tocou ‘Kaiowas’ e exibiu o vídeo de ‘Territory’.”

Definindo o metal da nova década

O nascimento de um novo Sepultura para os anos 90 se confirma desde os batimentos cardíacos de Zyon Cavalera, gravados pelo então futuro papai Max diretamente do exame de ultrassom no útero da gestante empresária do grupo, Gloria — prestes a adotar o sobrenome do músico com quem se casaria meses depois da criança vir ao mundo. 

O coração do bebê Cavalera prenuncia a percussão pesada que introduz “Refuse/Resist”. O riff ruidoso composto por Max já mostra que os dias de thrash metal ficaram para trás. A letra de versos curtos foi inspirada em um homem negro com uma jaqueta cheia de slogans políticos que Max havia visto num metrô de Nova York. O refrão, simples, repetitivo como um grito de guerra, entrou para a história.

Em sua autobiografia “My Bloody Roots”, escrita com Joel McIver, o frontman afirma:

“Pela primeira vez, eu vinha fazendo uma série de gravações sozinho, usando um gravador de quatro canais e uma bateria eletrônica. Fiz algumas fitas demo e as levei para os ensaios, e então as transformamos em canções.”

Na sequência, a icônica introdução de Ig(g)or para “Territory” não muda a tônica do disco. O andamento cadenciado com um riff pesado composto por Andreas Kisser traz de volta o Sepultura a uma zona de conforto mais metálica, mas a pegada cheia de ritmo da bateria mostra se tratar de uma nova década.

Por sua letra tratar de confrontos por fronteiras, como o simples refrão de “Territory” não deixa dúvidas, a gravadora bancou uma viagem dos músicos para Israel e Palestina para a gravação do videoclipe de divulgação do single. O produto final foi bem recebido e teve alta rotação nas MTVs pelo mundo.

“Slave New World”, terceira música do disco e terceiro single promocional, mostra a conexão internacional da banda por ter sua letra escrita em colaboração com Evan Seinfeld (Biohazard). Apesar do riff ameaçador à la Cetic Frost da introdução, a faixa é a mais rápida da trinca inicial de “Chaos A.D.”, sempre variando andamentos e com riffs prenunciando uma nova moda que tomaria conta da música pesada em alguns anos.

O andamento mais cadenciado em “Amen”, que se repete em velocidades cada vez mais lentas em “Nomad” e “We Who Are Not as Others”, dá espaço para que brilhe o entrosamento entre a pegada rítmica de Igor Cavalera e as linhas de baixo de Paulo Jr, pela primeira vez responsável por sua gravação na íntegra em estúdio.

“Propaganda”, uma da primeiras composições para o álbum e pensada inicialmente como sua faixa-título, traz um pouco do metal mais rápido de volta — assim como em partes de “Clenched Fist”, canção que encerra os quase 50 minutos do disco num tom ruidoso e furioso. 

Em velocidade, as duas faixas só são superadas pelo puro hardcore de “Biotech is Godzilla”, com letra escrita por Jello Biafra. O vocalista da formação clássica dos Dead Kennedys ainda acabou participando do álbum de forma inusitada, conforme relembrado por Max na autobiografia “My Bloody Roots”:

“Não queríamos usá-lo [Jello Biafra] como vocalista, mas sim como letrista. Eu adorava o humor negro em canções como ‘Holiday in Cambodia’. Os seus versos eram bem sarcásticos. Consegui seu telefone e lhe perguntei se poderia escrever algumas letras. Ele me pediu para enviar uma fita cassete. Escreveu alguns versos e os cantou sobre a música […] Havia ali um rugido, algo como um ‘Rrraaarrr!’, que tiramos da fita original que recebemos e usamos na música.”

A letra escrita por Biafra, cheia de teorias da conspiração relacionadas à ECO’92 (conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente ocorrida em junho de 1992 no Rio de Janeiro), serviu como inspiração para a capa do disco. Michael Whelan, também responsável pelas artes de “Beneath the Remains” e “Arise”, explicou em trecho constante na autobiografia de Max Cavalera, “My Bloody Roots”, escrita com Joel McIver:

“A capa de ‘Chaos A.D.’ me permitiu usar diferentes materiais, como fotocópias, que degradei o máximo possível para causar um efeito. A ideia por trás daquela capa era retratar a tecnologia nas raias da loucura. ‘Biotech is Godzilla’ foi uma grande inspiração.”

O Brasil aparece diretamente em mais duas músicas no disco. “Manifest” é um relato com peso industrial da brutalidade da polícia paulista no massacre do Carandiru, ocorrida no ano anterior ao lançamento de “Chaos A.D.”. Narrada como se fosse uma reportagem de rádio falada por Max Cavalera, influência descarada do Ministry, a faixa culmina com o grito de “Pavilhão Nove”, em português mesmo, em sua parte mais cadenciada.

“Kaiowas”, por outro lado, é a música gravada no Castelo de Chepstow para se obter uma ambientação mais adequada às melodias de violões de Andreas e Max. Apesar de seu título fazer referência a um povo indígena cujos membros cometeram suicídio em protesto à usurpação de suas terras, sua atmosfera meio zeppelinesca meio sertaneja-raiz serve como um respiro no meio de um disco barulhento.

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Na turnê, “Kaiowas” passou a ter a mesma função nos shows da banda. A percussão que acompanha o final da música viraria um momento de êxtase ao vivo, muitas vezes com a ajuda de convidados. A faixa acústica também serviu como um cartão de visitas do Sepultura para locais reticentes ao seu som mais barulhento, abrindo novas oportunidades para sua divulgação.

As sessões de gravação de “Chaos A.D.” ainda incluíram o registro de alguns covers, como já era de praxe para a banda. As escolhas refletiram as influências mais diversificadas que regeram a composição do disco. 

A versão pesada para a tensa “The Hunt”, do New Model Army, entrou para o repertório oficial do disco. O rock nervoso e difícil de classificar do grupo britânico, com misturas de pós-punk, folk e soul, indicava com perfeição a mentalidade do Sepultura para “Chaos A.D.”.

A edição brasileira do álbum incluiu uma versão de “Polícia” dos Titãs de faixa bônus. Assim como “Symptom of the Universe”, do Black Sabbath, também gravada para ser usada num tributo estrelado aos pais do heavy metal, eram dois covers bastante usuais em apresentações ao vivo do Sepultura.

Já as regravações mais voltadas ao hardcore e crossover de Final Conflict (“Inhuman Nature”) e Ratos de Porão (“Crucificados pelo Sistema”) foram deixadas para lados B dos singles então a serem lançados.

Maiores, mas não o suficiente

Coberto de críticas favoráveis que mantiveram o Sepultura na lista de preferidos da mídia especializada, “Chaos A.D.” atingiu o 32º lugar da parada americana e ficou a uma posição de entrar no top 10 da Inglaterra. O desempenho foi superior ao de “Vulgar Display of Power” (44 na Billboard e 64 na lista da OCC britânica) e “Rage Against the Machine” (45 e 17, respectivamente), lançados no ano anterior.

A trajetória ascendente do Sepultura se confirmou. A turnê europeia de lançamento do disco em 1993 aconteceu ao lado dos ingleses do Paradise Lost, também em alta com “Icon” — disco de sonoridade menos ríspida em relação ao doom cavernoso do início da carreira —, e encheu casas de médio porte pelo velho continente. 

A excursão, no entanto, ficou marcada por problemas com a polícia na Alemanha, sob a alegação de transporte de drogas no ônibus de turnê da banda. Max adaptou uma música antiga do grupo, “Antichrist”, para ser tocada nos shows como “AntiCop” após o incidente.

No Brasil, depois de rumores sobre possível participação no Hollywood Rock, a frustração por não constar no elenco anunciado levou o fã-clube oficial brasileiro a organizar uma abaixo-assinado para que a organização do festival incluísse o Sepultura na edição de 1994. Funcionou.

A participação da banda no festival em São Paulo em janeiro de 1994, no entanto, ganhou as manchetes por motivos extramusicais. A polícia resolveu levar Max Cavalera à delegacia por ostentar ao final do show uma bandeira do Brasil com o S tribal no meio feita por Antonio Vicente Coelho, o Toninho, presidente do fã-clube, ainda acusando o vocalista de tê-la pisoteado. Conforme uma lei editada durante a ditadura militar, tal conduta seria uma manifestação de desrespeito a um símbolo nacional. Trecho extraído do livro “Relentless – 30 anos de Sepultura”, de Jason Korolenko, afirma:

“Filmagens para o clipe promocional de ‘Refuse/Resist’ haviam sido feitas durante o show e, de fato, não mostram nenhuma irregularidade. A imagem final do vídeo, na verdade, é uma de Max e Igor levantando a bandeira de Toninho, com orgulho, para todos verem.”

Nos Estados Unidos, o Sepultura iniciou em fevereiro os trabalhos de divulgação de “Chaos A.D.” na estrada com uma turnê ao lado dos então novatos Fear Factory e Clutch, além do Fudge Tunnel, de Alex Newport. 

Em março de 1994 saiu “Point Blank”, disco de estreia do Nailbomb, da parceria de Newport com Max. A maior parte de sua gravação, com ajuda de Andreas e Iggor, ocorreu antes do registro de “Chaos A.D.”, mas o lançamento foi engavetado para não apenas evitar diminuir a expectativa do novo disco do Sepultura, como aproveitar o seu embalo.

O verão do hemisfério norte seria o auge da carreira do Sepultura até então. Começou pela primeira participação do Sepultura no lendário Monsters of Rock, em Castle Donington, na Inglaterra. Ao livro “Sepultura 1984-1998: Os primórdios”, Andreas Kisser conta:

“Acho que ali, em Donington , deu para perceber que a gente tinha chegado num nível que nenhum de nós poderia prever. No palco, a química entre nós quatro estava perfeita. O show foi uma coisa espetacular: você olhava para a plateia e não tinha ninguém parado, cem mil pessoas agitando.”

Depois, uma longa turnê em duas pernas pelos Estados Unidos como convidado especial do Pantera. Os americanos divulgavam “Far Beyond Driven”, disco lançado em março daquele ano e que foi direto à primeira posição da Billboard. O intervalo foi preenchido com outro giro de festivais na Europa.

Depois de uma nova passagem para shows pela Austrália e Japão, o Sepultura encerrou o ano excursionando pelo Brasil ao lado dos Ramones, em sua última turnê no país antes do fim da banda.

No entanto, apesar de todo esse trabalho de divulgação, havia um mútuo descontentamento entre Sepultura e Epic Records. A gravadora não se impressionou com a vendagem do álbum. Apesar das boas posições nas paradas, ainda levaria anos para “Chaos A.D.” conseguir discos de ouro nos Estados Unidos e na Inglaterra. 

A banda, por sua vez, acreditava que a distribuição e divulgação do álbum não estavam ao nível de outros lançamentos próprios do selo, como “Cleansing “ do Prong e “War of Words” do Fight, banda de sonoridade “mais moderna” de Rob Halford após sair do Judas Priest. Monte Connor, da Roadrunner Records, refletiu sobre o acordo com a Epic Records em depoimento ao livro “Choosing Death – the Improbable History of Death Metal and Grindcore”, escrito por Albert Mudrian:

“A pessoa que os aproximou da Epic Records acabou saindo da empresa uma semana antes da assinatura do acordo – o principal defensor deles pulou fora. Então um cara chamado Michael Goldstone, que havia contratado o Pearl Jam e o Rage Against the Machine, ficou responsável pela banda na gravadora. Quando ‘Chaos A.D.’ saiu, a gravadora simplesmente não se importava com o Sepultura, dando-lhes pouca atenção. A banda logo percebeu que era melhor ser um peixe grande num lago pequeno.”

Outra situação gerava certo incômodo durante a divulgação de “Chaos A.D.”: a forma como a imagem do Sepultura passou a ficar muito ligada à de Max Cavalera, das batidas de coração de seu filho abrindo o disco ao empresariamento da banda por sua esposa, cujo contrato se encerrou no final de 1994. Ao livro “Sepultura 1984-1998: Os primórdios”, Andreas Kisser afirma:

“Eu estava chateado com a situação e achava que nós três não estávamos sendo tratados com o respeito que merecíamos. Mas também achava que a Gloria estava fazendo um ótimo trabalho para o grupo. A banda havia crescido muito, e é lógico que ela era uma das responsáveis por isso. Achei que seria melhor conversar com ela e tentar endireitar as coisas do que despedi-la.”

Com a turnê de “Chaos A.D.” encerrada, foi renovado o contrato com Gloria Cavalera e desfeita a parceria com a Epic Records.

Como a principal banda do elenco da Roadrunner, o Sepultura se sentia livre e pensava num retorno ainda mais intenso e experimental às suas raízes brasileiras. Mas eram visíveis algumas rachaduras em sua formação. Essa, porém, é uma outra história.

Sepultura — “Chaos A.D.”

  • Lançado em setembro de 1993 pela Roadrunner / Epic
  • Produzido por Andy Wallace

Faixas:

  1. Refuse/Resist
  2. Territory
  3. Slave New World
  4. Amen
  5. Kaiowas (instrumental)
  6. Propaganda
  7. Biotech Is Godzilla
  8. Nomad
  9. We Who Are Not as Others
  10. Manifest
  11. The Hunt (cover do New Model Army)
  12. Clenched Fist

Músicos:

  • Max Cavalera (vocal, guitarra, violão de nylno)
  • Igor Cavalera (bateria, percussão)
  • Paulo Jr. (baixo, surdo)
  • Andreas Kisser (guitarra, viola caipira, violão de aço)

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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