Lucifer faz show curto e certeiro em São Paulo, onde também toca na terça (6)

Apresentação de 60 minutos deixou gosto de “quero mais”, algo que desta vez os fãs poderão ter com data extra “secreta”

Em 1969, antes mesmo do britânico Black Sabbath lançar seu primeiro álbum, o americano Coven lançava sua estreia, “Witchcraft Destroys Minds & Reaps Souls”. Além do som pesado que futuramente seria classificado como heavy metal, o grupo liderado pela vocalista Jinx Dawson foi um dos primeiros no rock a lidar com o ocultismo e o satanismo em letras e visual.

Enquanto o Sabbath conquistou a glória mundial, o Coven permaneceu no underground. Ainda que genial, seu disco foi logo retirado das lojas porque foi lançado no mesmo período em que Charles Manson e seus seguidores mataram a atriz Sharon Tate e outras quatro pessoas. Os trabalhos seguintes não receberam o devido conhecimento e o grupo acabou em 1975, retornando apenas em 2007 como um ato nostálgico no underground.

- Advertisement -

Talvez o maior legado deixado pelo Coven foi o Lucifer, ainda que tantas décadas depois. Não dá para imaginar a existência da banda de Johanna Sadonis, da forma como eu e tantos outros fãs vimos durante excelente show realizado no último sábado (3) em São Paulo, sem a influência de Jinx Dawson e seus parceiros.

Por outro lado, também ao longo da mesma apresentação, deu para perceber que o Lucifer não é apenas uma justa continuação ao legado do Coven. E foi isso que tornou a curta performance tão interessante.

*Fotos de Leca Suzuki / @lecasuzukiphoto

Problema na abertura

Duas bandas se apresentaram antes da atração principal: Mattilha e Grindhouse Hotel, ambas paulistanas e competentes, mas de perfis musicais bem diferentes. A primeira oferece um hard rock ganchudo, por vezes palatável, que chama atenção pelas letras em português – algo relativamente incomum no subgênero. Já a segunda aposta no peso do stoner, mesclando referências clássicas e contemporâneas do segmento.

Ambas sofreram, de diferentes formas, com problemas de som. No caso do Mattilha, tudo estava tão alto que faltava definição, mas ainda foi possível entregar um bom show. O novo single “Inabalável”, com um solo da baixista Camila Rodrigues que ajudou a “quebrar” uma estrutura musical ligeiramente previsível, e “Qual é o seu veneno?”, com ótimo trabalho de guitarra por Victor Guilherme, foram os destaques do curto set de apenas seis músicas.

O caso do Grindhouse Hotel foi um pouco mais complicado. Além do som alto, os timbres não foram bem escolhidos – as guitarras estavam abelhudas e a caixa de bateria soava estalada – e alguns itens do próprio equipamento pareceram falhar em diversas ocasiões, fora os episódios de microfonia que perseguiram a performance em que sete músicas foram tocadas e algumas delas pareceram ter sido interrompidas no meio. Visivelmente desconfortável, a banda nem disfarçou os problemas: várias vezes foi possível ouvir o vocalista e guitarrista Leandro Carbonato dizer que “o baixo morreu” ou fazer sinalizações à equipe técnica. Não foi a melhor ocasião para analisar e curtir o som dos caras.

Lucifer na paz do senhor

Ao menos os problemas das outras apresentações não se repetiram na hora da atração principal. Tudo na paz e livre de percalços, com direito a uma preparação onde os próprios músicos – e não roadies – subiram no palco para afinar instrumentos e alguém da equipe técnica abrindo o Paint 3D no projetor de palco, com todo mundo vendo, para configurar a logo do Lucifer que apareceria ao fundo durante a performance.

Pontualmente às 20h e sem suspense, chegaram ao palco de vez os guitarristas Martin Lordin (também integrante do excelente Dead Lord) e Linus Björklund, o baixista Harald Göthblad e o muito aclamado baterista Nicke Andersson – conhecido por muitos pelos trabalhos com The Hellacopters, Entombed e dezenas de outros projetos. O trio de cordas virou-se de costas para o público enquanto rolava a vinheta instrumental “The Funeral Pyre”. Nos primeiros acordes e batidas de “Ghosts”, faixa de abertura, enfim Johanna Sadonis aparece para delírio dos presentes.

Seria muito previsível e até enganoso fazer associações entre o show do Lucifer e um culto em adoração a vocês-sabem-quem. Apesar do nome, o grupo tem letras que soam bem mais como minifilmes de terror do que doutrinadoras – fora que as músicas, especialmente dos dois últimos álbuns, são bem grudentas e suficientemente cativantes para que ninguém se importe com o nome do projeto.

Isso não impediu os fãs, porém, de demonstrarem idolatria. A já mencionada abertura “Ghosts” e a sequência emendada “Midnight Phantom”, ambas oriundas do disco “Lucifer III” (2020), foram cantadas a plenos pulmões por vários dos presentes. “Wild Hearses”, faixa do novo “Lucifer IV” (2022), provocou mais bate-cabeça do que cantos entusiasmados com suas passagens tipicamente Sabbath. Agradou tanto que gerou gritos de “Lucifer! Lucifer!” ao fim. Calma: não estavam adorando Satanás, apenas a banda homônima.

O ritmo seguiu intenso com a cativante “Crucifix (I Burn For You)”, tendo instrumental forte e até um minisolo de bateria após os destaques às guitarras. Só desacelerou um pouco na dobradinha “Leather Demon”, durante a qual Johanna até pediu para que aumentassem o volume de seu microfone, e “Coffin Fever”, que convence até defunto no trecho com a mudança de andamento.

Leia também:  Mudhoney volta ao Brasil em 2025 para quatro shows

Sem tempo pra papinho

Somente após “Archangel of Death” houve uma fala mais extensa de Johanna Sadonis, que até então apenas agradecia entre uma música e outra – ou nem isso. Claramente surpresa com o entusiasmo do público paulistano, a frontwoman brincou que finalmente estava atendendo aos pedidos dos fãs que tanto lhe mandavam mensagens no Facebook para dizer: “please come to Brazil”. Em seguida, o grupo introduziu “Mausoleum”, talvez a mais classic rock do repertório. Nesta faixa e na anterior, é visível o entrosamento dos instrumentistas, que sequer precisam se olhar para soarem amarrados e concisos.

Diferentemente do show realizado no Chile dias antes, o Lucifer não chegou a tocar “Orion”. Emendaram logo em “Bring Me His Head”, um dos singles de “IV”. Aqui, Johanna brinca que a música é sobre Linus Björklund, pede pela cabeça do guitarrista e em dado momento até levanta as longas madeixas do colega. Linus, aliás, é quem vez ou outra diz algo no microfone para expressar gratidão aos presentes além da própria líder.

Até então, somente músicas dos dois trabalhos mais recentes haviam sido tocadas. “Dreamer”, um dos destaques de “Lucifer II” (2018), quebrou a escrita – e logo de cara deu para notar que essa canção não poderia estar de fora, já que pareceu ter sido a mais cantada pelo público. “Cemetery Eyes”, com suas eventuais mudanças de groove e ótimo trabalho de guitarras, concluiu o set regular.

Os músicos saíram do palco, mas todo mundo sabia que logo viria bis. E veio, com mais duas faixas de “Lucifer II”. A primeira, “California Son”, evoca toda a influência de Black Sabbath presente na fase mais inicial do grupo. A segunda e derradeira, “Reaper on Your Heels”, conquista pelo refrão mais pop e é talvez a única com um pouco mais de improviso, especialmente ao fim, com solos de guitarra cruzados e intensidade na performance.

Só isso, mas tem mais

No caso da música, é melhor faltar do que sobrar. Bandas que fazem longos shows, álbuns ou composições às vezes soam pedantes. Ainda assim, o Lucifer parece ter levado essa ideia a sério demais ao oferecer um show de aproximadamente 60 minutos. Para um grupo com quatro discos lançados e quase uma década de carreira, é pouco – ainda que deixe o gosto de “quero mais”.

Com o Lucifer, curiosamente, tem mais. O show no Fabrique Club foi curto, é verdade, mas o grupo agendou uma apresentação extra – “secreta”, de acordo com as últimas palavras de Johanna Sadonis antes de deixar o palco – também em São Paulo, mas no La Iglesia, para esta terça-feira (6). Clique aqui para mais informações.

Apesar do set curto e dos poucos momentos de improvisação – já que tudo soa, com méritos, igual aos discos –, ninguém seria louco de sair reclamando. O show foi impecável e, paradoxalmente, a banda soa melhor ao vivo do que nos álbuns. Há mais peso na interpretação e os timbres retrô soam mais vívidos.

Nicke Andersson, uma força da natureza por si só, é o grande responsável por injetar intensidade. Tudo isso sem deixar de ser um metrônomo humano, mantendo os ritmos conforme se espera. O entrosamento entre Martin Lordin, Linus Björklund e Harald Göthblad é quem deixa tudo ainda mais confortável para que Johanna Sadonis também soe melhor em cima do palco, onde consegue desenvolver seu timbre único de forma mais confortável.

Se vou estar no tal show secreto do Lucifer, na terça-feira (6)? Ainda não sei. Mas você deveria ir. Ter uma segunda chance para ver uma banda tão boa ao vivo só pode ser obra do dito-cujo.

*Fotos de Leca Suzuki / @lecasuzukiphoto

Lucifer – ao vivo em São Paulo

  • Local: Fabrique Club
  • Data: 3 de dezembro de 2022
  • Turnê: Latin America Tour 2022 – IV

Repertório:

  1. Ghosts
  2. Midnight Phantom
  3. Wild Hearses
  4. Crucifix (I Burn For You)
  5. Leather Demon
  6. Coffin Fever
  7. Archangel of Death
  8. Mausoleum
  9. Bring Me His Head
  10. Dreamer
  11. Cemetery Eyes

Bis:

  1. California Son
  2. Reaper on Your Heels

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioResenhasLucifer faz show curto e certeiro em São Paulo, onde também toca...
Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades