Como Metallica e Michael Kamen uniram forças para o orquestrado “S&M”

Projeto voltou a trazer a banda de metal quebrando tabus dentro de seu segmento

Nos dias de hoje, a ideia de juntar uma banda de metal e uma orquestra sinfônica não é um exemplo de inovação. Em 1999, a situação era diferente: o Metallica surpreendeu com o álbum ao vivo “S&M”, que os une com a Orquestra Sinfônica de San Francisco em uma ideia projetada pelo saudoso compositor e maestro Michael Kamen.

Todo o período da década de 90 representou um processo de transformação para o Metallica. O álbum homônimo de 1991, também conhecido como “Black Album”, afastou o grupo do thrash metal e sinalizou uma aproximação com o hard rock. Além do som, o visual mudou – e muito fã reclamou.

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Foi durante a gravação do “Black Album” que a banda conheceu e trabalhou pela primeira vez com Michael Kamen, na base orquestrada da música “Nothing Else Matters”. Compositor de sucesso, o maestro já havia colaborado com Queen, Pink Floyd e David Bowie, sendo famoso por produzir trilhas sonoras para grandes filmes.

Metallica, Michael Kamen e a música clássica

Apesar de improvável, as conexões entre o Metallica e a música clássica já existiam, ainda que discretas. Cliff Burton, baixista dos primeiros discos da banda falecido em 1986, costumava carregar consigo álbuns de compositores clássicos como Ludwig van Beethoven e Johann Sebastian Bach junto com Lynyrd Skynyrd, Thin Lizzy e outros nomes do hard rock.

O baterista Lars Ulrich, por sua vez, é um grande fã de Deep Purple e admirava a relação da banda com a música clássica. Já o baixista da época, Jason Newsted, expressava o desejo de trazer violoncelos para o estúdio.

Ainda assim, quem enxergou essa conexão em sua plenitude foi o próprio Michael Kamen. Falando em entrevista à Kerrang, o músico falecido em 2003 detalhou sua visão do projeto que viria a se tornar “S&M”.

“Eu digo: deixe o Metallica ser o Metallica e deixe a sinfônica ser a sinfônica. Os dois têm mais coisas em comum do que diferenças, já que a música do Metallica trouxe até elementos de compositores como Wagner e Brahms no passado.”

O maestro fez então a proposta e a banda, sempre disposta a novos desafios musicais, aceitou sem muita resistência. Kamen conduziria a Orquestra Sinfônica de San Francisco, terra natal do grupo, em um evento que entraria para a história do Metallica e do heavy metal como um todo – e ainda se transformaria em um álbum e vídeo ao vivo.

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Os shows do S&M

O Metallica tocou junto da orquestra em duas noites no Berkeley Community Theatre, em Berkeley, Califórnia, nos dias 21 e 22 de abril de 1999. Músicas de todos álbuns lançados até o momento, com exceção do primeiro, foram englobadas no repertório.

A apreensão era geral. O vocalista e guitarrista James Hetfield resumiu o sentimento logo antes do evento acontecer:

“Está cheio de céticos por aí dizendo: ‘oh, não vai funcionar’. Tem que ser abordado com cuidado, porque é tudo sobre se divertir e fazer algo novo. Se falhar, tudo o que podemos dizer é que tentamos. Mas se for ótimo, vai ser melhor ainda.”

Além de clássicos do passado, o setlist incluiu ainda duas músicas inéditas: “No Leaf Clover” e “-Human”. Como se já não bastasse o desafio de uma apresentação desse tipo, a banda ainda se arriscou a tocar músicas que ninguém conhecia.

Lars Ulrich falou sobre a adição que foi encarada com ainda mais ceticismo na época, mas que se mostrou outra aposta acertada.

“Sentimos que haveria um outro nível de empolgação no projeto se houvesse algum material que fosse estranho não apenas para eles (orquestra), mas também para nós.”

O sucesso e S&M2

“Symphony & Metallica”, ou “S&M”, foi lançado em formato de álbum e também em vídeo. Chegou ao topo das paradas de cinco países, como Austrália e Portugal, e entrou para o top 10 de outros seis, incluindo os Estados Unidos, onde ficou na segunda posição e vendeu mais de 3 milhões de cópias nas edições em CD e DVD.

A versão visual, inclusive, fez bastante sucesso no Brasil: chegou a obter certificação de platina por aqui, em função das mais de 50 mil cópias comercializadas.

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Fora o sucesso comercial, dá para dizer sem muito receio que “S&M” mudou a relação do rock e do heavy metal com a música clássica. A influência sempre existiu, mas nunca alguém havia feito algo nessa proporção ao incorporar uma orquestra ao arranjo das músicas de forma quase natural – mérito não só dos músicos, mas do talentoso Michael Kamen.

A iniciativa também marcou também o último álbum da banda com o baixista Jason Newsted, o que abriu um período bem menos produtivo na carreira do grupo.

Ao fim do segundo show, James Hetfield chegou a prometer um novo concerto naquele formato para o próximo ano. Atrasou bastante, mas aconteceu: em 2019, Metallica e Orquestra Sinfônica de San Francisco voltaram a se encontrar no que ficou conhecido como “S&M2”.

Infelizmente, Kamen não participou da comemoração – como já mencionado, o maestro faleceu em 2003. Na nova ocasião, foi substituído por Edwin Outwater.

Para a reedição do show, a banda apostou em músicas que já haviam aparecido no projeto original, mas também optou por outras mais recentes. De certa forma, mostraram que a ideia não se tornou ultrapassada.

“S&M” foi, antes de tudo, mais um atestado da coragem do Metallica em abraçar projetos alternativos, evitando a estagnação artística a qualquer custo. Nem sempre o resultado é bom, mas nesse caso foi – e com méritos.

Metallica – “S&M”

Lançado em 23 de novembro de 1999

Disco 1

  1. The Ecstasy of Gold
  2. The Call of Ktulu
  3. Master of Puppets
  4. Of Wolf and Man
  5. The Thing That Should Not Be
  6. Fuel
  7. The Memory Remains
  8. No Leaf Clover
  9. Hero of the Day
  10. Devil’s Dance
  11. Bleeding Me

Disco 2

  1. Nothing Else Matters
  2. Until It Sleeps
  3. For Whom the Bell Tolls
  4. – Human
  5. Wherever I May Roam
  6. The Outlaw Torn
  7. Sad but True
  8. One
  9. Enter Sandman
  10. Battery

* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição de Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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