Como o Metallica mudou seu som no “Black Album” e conquistou o mundo

Bob Rock, que assina a produção, foi um dos grandes responsáveis por tornar a banda sonoramente mais acessível, mas sem perder peso e essência

O Metallica já tinha cadeira cativa no panteão do heavy metal quando, em 1991, lançou seu álbum mais famoso. Intitulado apenas “Metallica”, o disco, que também ficou conhecido como “Black Album” graças à sua capa toda escura, chegou a público no dia 12 de agosto daquele ano.

O trabalho anterior do quarteto americano de thrash metal era “… And Justice For All” (1988), que marcou a estreia do baixista Jason Newsted (ou não). Não havia indicativos de que Newsted, James Hetfield (vocal e guitarra), Lars Ulrich (bateria) e Kirk Hammett (guitarra) estariam descontentes com o caminho indicado por aquele álbum, que apontava para uma sonoridade mais técnica e complexa.

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Porém, nos bastidores, os músicos trabalhavam para deixar suas composições mais acessíveis, já que o próximo passo era atingir o mainstream de vez. Para isso, a primeira decisão tomada foi diminuir a duração de suas canções. Músicas longas e complexas, como a faixa-título daquele álbum ou o hit “One”, não eram mais uma prioridade.

Não só isso: a duração mais estendida dessas faixas chegaram a incomodar durante a turnê de “…And Justice For All”. Em entrevista à Rolling Stone, em 1991, Kirk Hammett destacou que o público estava ficando de saco cheio daquelas canções que ultrapassavam 6 minutos.

“Percebemos que o consenso geral era de que as músicas eram muito longas. Todos ficavam de cara feia e eu pensava: ‘Meu Deus, eles não estão curtindo como nós estamos’. Lembro de sair do palco uma noite depois de tocar ‘Justice’ e um de nós dizendo ‘foda-se, essa é a última vez que tocamos essa porra de música!’”

O método Bob Rock de fazer um álbum

Como a proposta seria totalmente diferente, nada mais lógico do que escolher outro produtor para aquele trabalho. Nasceu, assim, a longeva e conhecida parceria do Metallica com Bob Rock, apontado como o grande responsável pela sonoridade do “Black Album”.

A atuação dele que mais chamou atenção de James Hetfield e Lars Ulrich foi o aclamado álbum “Dr. Feelgood” (1989), do Mötley Crüe, o que já indicava um desejo de mudar a forma de trabalho. Dito e feito: sob o comando de Bob Rock, o Metallica deu mais espaço nas composições para Jason Newsted e Kirk Hammett, diminuindo um pouco o monopólio dos outros dois, líderes declarados do grupo.

O produtor fazia questão de que a banda trabalhasse junta, algo diferente do que eles estavam acostumados. Isso gerou muita discussão entre os músicos e o produtor, o que dificultou a vida em estúdio.

Primeiro, demos foram trabalhadas de forma individual e todos os integrantes contribuíram com ideias. Depois, tudo era desenvolvido em conjunto. “My Friend of Misery”, por exemplo, surgiu de um riff criado por Newsted com a intenção de criar um instrumental, algo que a banda tinha feito em todos os discos até ali – e que acabou não existindo no “Black Album”.

As mudanças na parte técnica

Uma das principais mudanças no “Black Album” foi a bateria de Lars Ulrich, que agora seria mais simples e direta. Nada dos floreios técnicos de “… And Justice For All”, nada da influência de Neil Peart (Rush), nada de timbrar o instrumento com muito reverb.

Outro ajuste imprescindível passou pelo baixo de Jason Newsted. Em entrevista ao Tone Talks, em 2020, Bob Rock explicou que o instrumento do “novato” passou a soar mais grave e robusto e a acompanhar a bateria em vez de apenas replicar as linhas de guitarra.

“Na pré-produção, ele tinha um timbre mais agudo, quase de guitarra. Começamos a fazê-lo tocar mais com a bateria, aumentando o fundo como baixista. Era para se tornar uma seção rítmica em vez de tê-lo apenas duplicando a guitarra. Jason abraçou isso e tentamos de tudo. Ele não fica só duplicando a guitarra, mas ele também faz isso varias vezes. Só que, no fim, ele tocou como um baixista propriamente dito, amarrado com a bateria, o que preencheu o som.”

Ao canal da Gibson no YouTube, também em 2020, o produtor destacou que foi o responsável por sugerir uma mudança na afinação dos instrumentos do Metallica. Foi ele quem sugeriu abaixar tudo em um tom, para dar mais peso aos riffs.

“Após ouvir ‘Enter Sandman’, perguntei por que toda música deles começava com a nota mi e James, me olhando como se fosse me matar, disse: ‘mi é a nota mais grave’. Então, falei: ‘Black Sabbath e Mötley Crüe abaixaram suas afinações para ré (ou D)’. Perguntei se já haviam tentado isso e ele disse que não. Tentaram em ‘Sad But True’, tocaram uma vez e ficaram impressionados com o resultado. Eles começaram a gostar um pouco de mim naquele dia (risos).”

Um Metallica mais introspectivo

O aspecto lírico também é outro ponto importante do “Black Album”. Representou, aliás, uma das grandes mudanças com relação aos álbuns anteriores, além de dar o tom para os trabalhos seguintes.

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Embora soe mais radiofônico, o disco apostou em letras com temas mais pessoais, com influências que iam de Bob Dylan a John Lennon. James Hetfield, dono de um background familiar complicado, sempre foi o principal responsável pelos versos, mas Lars Ulrich, Kirk Hammett e Jason Newsted, que enfrentavam divórcios na época da produção, colaboraram para esse clima soturno.

Um bom exemplo é a letra de “The God That Failed”, inspirada na perda da mãe de Hetfield para o câncer. Ela se negou a procurar um tratamento adequado para a doença devido à sua religião.

A balada “Nothing Else Matters” também é fruto de problemas do vocalista, que versa sobre a distância e a saudade de sua namorada durante as turnês. Há, ainda, faixas como “The Unforgiven” e “Sad But True”, que exploram aspectos psicológicos sombrios, frutos de anos de estrada sem muitos limites.

O álbum é reconhecido até hoje como tendo algumas das melhores letras da banda. Há perspectivas mais pessoais, mas sem soar “dramático” ou “meloso” demais.

“Black Album”, faixa a faixa

“Enter Sandman”, uma das melhores faixas de abertura da história do metal, dá início aos trabalhos de forma impressionante. É difícil ser tão afável e pesado ao mesmo tempo, mas, aqui, o Metallica conseguiu.

“Sad But True”, na sequência, mostra qual foi a primeira canção que muitos músicos das gerações seguintes aprendeu a tocar. Este clássico ajudou a moldar a sonoridade de bandas como Avenged Sevenfold e, de certa forma, previu o futuro do metal.

A acelerada “Holier Than Thou” é um híbrido interessante entre hard rock e metal. Tem a pegada feroz, mas, especialmente nos vocais, tem uma abordagem mais comercial. A canção seria o primeiro single e daria nome ao álbum, mas, ainda bem que o destino foi outro.

“The Unforgiven”, na sequência, é uma das melhores baladas do metal. Diferenciada em seus seis minutos e meio de duração, a faixa tem uma abordagem melódica capaz de deixar qualquer headbanger boquiaberto. Destaque para a superação de Kirk Hammett em seu solo.

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“Wherever I May Roam” volta a apostar no híbrido hard/metal, mas de forma mais criativa e inspirada. A construção melódica dessa faixa, tanto em vocais quanto em instrumental, é acima da média.

Dois fillers, “Don’t Tread On Me” e “Through The Never”, dão sequência ao trabalho. São os pontos mais fracos do álbum.

A balada “Nothing Else Matters” tem a excelência que poucos nomes do estilo conseguiriam atingir com uma música lenta. Os arranjos orquestrados de Michael Kamen, consagrado por ter trabalhado com o Pink Floyd, e o trabalho de James Hetfield como um todo (cantor, compositor e guitarrista) são o diferencial por aqui.

A grudenta “Of Wolf And Man” dá sequência com uma melodia vocal que gruda na cabeça, mas sem dispensar o peso típico do Metallica.

A arrastada “The God That Failed” se destaca pela letra, que, conforme destacado anteriormente, tem uma abordagem ressentida.

Faixa mais extensa do álbum, “My Friend Of Misery” foi a primeira colaboração autoral de Jason Newsted. Quase toda instrumental, cresce com os solos ao fim.

Já no fim da tracklist, “The Struggle Within” começa no maior estilo “banda municipal” até crescer em velocidade e pegada. É uma das músicas de batida mais ágil do álbum e, provavelmente, uma sobra de trabalhos anteriores.

A consagração do “Black Album”

Trabalhar com Bob Rock não foi nada fácil e os membros do Metallica chegaram a determinar que nunca mais trariam o produtor (o que não se provou verdadeiro). Foram gravações intensas, com muitas discussões e faixas regravadas diversas vezes, dado o perfeccionismo do profissional de estúdio.

Entretanto, o dedo do produtor realmente foi crucial para que o “Black Album” tivesse o sucesso que teve: o disco é um dos mais vendidos da história, com quase 17 milhões de cópias comercializadas só nos Estados Unidos.

Marcando presença em paradas do mundo todo até hoje, o registro rendeu uma turnê que durou 3 anos, dividida em várias etapas. Em uma delas, a banda chegou a ser co-headliner junto do Guns N’ Roses.

Cinco músicas foram divulgadas como singles: “Enter Sandman”, “The Unforgiven”, “Nothing Else Matters”, “Wherever I May Roam” e “Sad But True”. Todas elas obtiveram boa repercussão em rádios e paradas e tornaram-se algumas das canções mais famosas da história da banda.

A parceria com Bob Rock continuaria em todos os discos seguintes até chegar no polêmico “St. Anger”, onde o produtor também assumiu o baixo, na ausência de Jason Newsted. Embora muitos o considerem o grande culpado pela “popularização” do Metallica nos anos 90, também foi ele que ajudou a banda a elevar seu patamar no álbum preto.

Muitos fãs consideram esse lançamento o grande divisor de águas na carreira da banda. “Black Album” está exatamente no meio do caminho entre a fase thrash de álbuns como “Master of Puppets” e a fase seguinte, mais alternativa, que rendeu trabalhos como “Load” (1996). Há quem torça o nariz, mas os números não mentem: a imensa maioria gosta e é o que importa.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta, edição geral, argumentação-base, redação adicional e passagens opinativas por Igor Miranda; redação geral, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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