Em sua terceira passagem pelo Rio de Janeiro, o City and Colour deu início a uma breve turnê nacional que também contempla a cidade de São Paulo, no domingo (16). A apresentação da última sexta-feira (14) foi realizada no Vivo Rio, casa com capacidade para 4 mil pessoas — a maior em que o projeto do vocalista e guitarrista Dallas Green (Alexisonfire) já se apresentou na capital carioca, passando anteriormente por Sacadura Cabral, hoje Sacadura 154, e Circo Voador, respectivamente nos anos de 2015 e 2016.
Pareceu até que o Vivo Rio estaria esvaziado para receber Green e sua banda completa por John Sponarski (guitarra), Matt Kelly (guitarra e teclados), Erik Nielsen (baixo) e Leon Power (bateria). No entanto, boa parte do público deixou para chegar quase na hora do evento começar — um jeito tipicamente carioca de ser aliado ao fato de que a apresentação acontecia em dia útil.
O City and Colour divulga seu sétimo álbum de estúdio, “The Love Still Held Me Near” (2023), concebido na pandemia e dedicado ao produtor Karl Bareham, morto por afogamento em 2019. Se o post-hardcore do Alexisonfire traz o lado mais caótico e pesado de Dallas Green, o projeto paralelo — que de “paralelo” tem pouco, visto que faz tanto sucesso quanto o “principal” — mostra que a mistura entre folk e rock parece ser a combinação perfeita para o artista canadense desfilar seu lado mais emotivo e pessoal.
Simples e efetivo
Com um palco bem simples, inclusive sem uso dos telões laterais, o show foi iniciado pontualmente às 22h com uma abertura bem bluesy. Calmamente o quinteto entrou no palco e Dallas se dirigiu aos presentes: “Rio, let’s get emotional!”. A nova “Meant to Be” fez a apresentação começar de vez com o tom melancólico esperado, tônica de quase toda a apresentação. O refrão fala diretamente sobre a partida de seu amigo: “But now that you’re gone / And I write down this song / I don’t believe this is how it’s meant to be” (“Agora que você se foi e eu escrevo esta música, não acredito que deveria ter sido assim”).
A beleza do repertório encanta. “Northern Blues”, na sequência, trouxe Dallas empunhando uma guitarra no lugar do violão inicial e com um groove lento e irresistível — o que mudou na música seguinte. Não foi uma simples provocação de Green quando foi dito “who’s got the dancing shoes on?” (“quem está com seus sapatos de dança?”): “Thirst” trouxe de fato uma pegada mais dançante e enquanto o forte cheiro de ganja pairava no ar, o clima de diversão no palco serviu para a banda se soltar ainda mais.
“The Love Still Held Me Near” explodiu num belo refrão, com o teclado no comando de uma linda harmonia. Uma dinâmica de alto nível, preservada em “Two Coins” e seu ar folk-pop lisérgico em outro refrão memorável, com destaque para o sólido baterista apropriadamente chamado Leon Power.
Após um breve pedido de desculpas por ter demorado tanto em voltar ao Brasil, Dallas pediu compaixão e compreensão entre as pessoas em um momento reflexivo e que todos se juntassem a ele cantando “We Found Each Other in the Dark”. E assim foi feito. Seu refrão “we gonna live… at last” (“nós vamos viver… finalmente”) foi repetido como um mantra em meio a mais um terrível momento da humanidade, onde sobreviver parece ser o maior desafio.
Quebrando o clima contemplativo, “Weightless” veio com suas guitarras cheias de drive, praticamente um blues rock no melhor estilo Joe Bonamassa — que, aliás, toca no Vivo Rio como parte do festival Best of Blues and Rock no próximo final de semana. Aqui, inclusive, tivemos o primeiro solo de guitarra no melhor sentido da palavra; curto, porém efetivo.
Enquanto “Dallas eu te amo” foi espontaneamente ecoado por vários presentes, a radio-friendly “Underground” explodiu em mais melodias poderosas. Timbres deliciosos saíam da guitarra Rickenbacker de Dallas, que teve a audácia de rimar “what you need” com “bring to my knees” sem soar clichê.
“Nutshell”, do Alice in Chains, foi executada em uma aplaudida e desconstruída versão, durante a qual o teclado guiava o clima e duelava com a guitarra. A melódica voz de Dallas encaixou-se muito bem às partes originais do falecido Layne Staley.
“Cara triste”?
O protagonista, aliás, se mostrou um pouco incomodado com a fama de “cara triste”. Disse que as pessoas deveriam entender suas composições como algo que trouxesse esperança — e adiantou que a próxima música apresentava justamente uma mensagem positiva.
Depois desse papo, a alegrinha “Waiting” foi cantada prontamente pelo público. Sua inclinação ao pop facilitou bastante nesse sentido, com direito ao tradicional “ôôô” presente até em shows de heavy metal.
“Hello, I’m in Delaware” foi blues até na iluminação, com direito no fim a um falsete estiloso de Dallas. Aliás, uma das características dos shows do City and Colour é o uso luzes de palco muito escuras. Dificulta bastante para que o público enxergue bem, mas serviu para deixar o clima ainda mais introspectivo e permitir a música falasse por si.
A criatividade do grupo foi explorada na intensa “Bow Down to Love”, com sua parede das três guitarras funcionando perfeitamente integradas. Dallas visivelmente se empolgou e o resto da banda acompanhou tal vibração, se juntando na parte final da música para uma viagem dos cinco integrantes. A demonstração de química antecedeu uma breve despedida do palco.
O bis
O público estava tão entregue que, num momento engraçado, chegou a confundir três roadies com os músicos, como se o City and Colour já estivesse de volta. De fato, todos eram bem parecidos fisicamente, mas a situação deixou até um breve clima de impaciência com a demora para a volta do bis.
Eis que, então, Dallas Green volta para acalmar os ânimos e toca “Northern Wind” sozinho no violão. Todos ficaram vidrados no palco — e não era para menos, dada a intensidade da performance solo.
Agora junto ao seu braço-direito, o guitarrista e tecladista Matt Kelly, eles atacaram com “Coming Home”, outra bem conhecida pelos presentes. Kelly teve seu momento especial e mostrou toda sua categoria ao tirar timbres bem western da sua guitarra, bem diferente da versão de estúdio. Rolou aqui a única citação ao Alexisonfire em todo o show, com um pequeno trecho de “This Could Be Anywhere in the World” na parte final.
Com a banda toda no palco novamente, tocaram “Lover Come Back”. É algo clichê de se dizer, mas aconteceu: a plateia cantou tão alto que mal dava pra escutar os caras no palco. Foram vários os momentos de interação espontânea do público nessa canção, que teimava em não acabar.
Mas “Sleeping Sickness” superou no sentido de atrair as vozes do público. Não à toa esteve como momento derradeiro do repertório. Contou ainda com um surpreendente solo de guitarras em harmonia, cortesia de Matt e John Sponarsky, no melhor estilo Thin Lizzy de ser.
Green, de fato, não é só o “cara triste”. Por vezes, sim, a apresentação do City and Colour teve característica soturna e introspectiva. Mas nem sempre: o empolgante encerramento serve como prova de que o projeto não tão paralelo consegue explorar uma diversa paleta artística. Foram duas horas de um show visualmente simples, mas musicalmente intenso e envolvente.
*Mais fotos ao fim da página.
City and Colour — ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Vivo Rio
- Data: 14 de junho de 2024
- Produção: Queremos!
Repertório:
- Meant to Be
- Living in Lightning
- Northern Blues
- Thirst
- The Love Still Held Me Near
- Two Coins
- We Found Each Other in the Dark
- Weightless
- Underground
- Astronaut
- The Grand Optimist
- Nutshell (Alice in Chains cover)
- Little Hell
- Waiting
- Hard, Hard Time
- Hello, I’m in Delaware
- Bow Down to Love
Bis:
- Northern Wind
- Comin’ Home / This Could Be Anywhere in the World (Alexisonfire cover)
- Lover Come Back
- Sleeping Sickness
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Muito bom!!! Resenha de qualidade e com sentimento.