Ainda hoje, para quem não vivenciou o auge do W.A.S.P. no cenário heavy metal de Los Angeles dos anos 1980, pode ser um desafio compreender o que tornava a banda tão especial em meio a tantas outras com suas próprias características. “Não havia banda de rock que fizesse teatro confrontativo tão bem quanto nós — embora muitas tenham tentado”, afirmou o líder Blackie Lawless em um trecho de entrevista das antigas. “Pense nisso: há uma freira em uma cruz de quatro metros e eu a estupro com uma faca e arranco seu feto — isso certamente chama a sua atenção.”
O que outrora era um espetáculo grotesco e provocador — amado por uns, detestado por outros — hoje dá lugar a uma versão mais contida, mesmo na turnê comemorativa dos 40 anos do debut homônimo, cujo som foi definido com brilhantismo pelo escritor Sinister Mick como “Led Zeppelin, Cheech and Chong, Leatherface e 200 galinhas jogadas em um triturador”. Hoje, a encenação não é nem mais discreta, mas totalmente inexistente.
A idade pesa: nascido em 1956, Lawless é o único remanescente da formação clássica e adota no palco uma postura que destoa do hard ‘n’ heavy pornô-sanguinário de outrora. O semblante é blasé, o gestual sugere que o tanque de tesão está na reserva. A mudança de atitude não se limita à performance: ele, que já foi o arauto dos degenerados, hoje ostenta uma nova persona. Converteu-se ao cristianismo, adotou discurso conservador, virou apoiador fervoroso de Donald Trump. O outrora ícone da contracultura passou a se espelhar naqueles que antes o atacavam.
O mesmo, felizmente, não se pode dizer dos músicos que o acompanham: o guitarrista Doug Blair, o baixista Mike Duda e o brasileiro Aquiles Priester, baterista desde 2017. Cada um à sua maneira traz energia de sobra. Mike, também responsável pelos backing vocals, gira, salta e gira de novo com entusiasmo juvenil. Doug faz poses ao estilo Paul Samson, como se a guitarra erguida a 90 graus pudesse invocar um riff mais cortante. Já Aquiles teve seu momento de protagonismo: dispensou o tradicional solo de bateria para se dirigir ao público brasileiro.
“Vinte minutos antes do show, o Blackie me perguntou se eu preferia fazer um solo ou falar com vocês. Eu escolhi vir falar com vocês”, contou, no centro do palco. Em um discurso emocionado, classificou aquele como “o show mais importante da minha carreira”. Agradeceu ao público por fortalecer o metal e possibilitar a realização de um festival “referência em organização” como o Bangers Open Air. Em tom inspirador, recordou ter conhecido o W.A.S.P. ainda nos anos 1980. “De fã a ídolo” — como reitera o título de sua autobiografia, lançada em 2018.
No repertório, apesar de um cartaz oficial da turnê indicar que não, prevaleceu o debut “W.A.S.P.” (1984), ainda hoje o disco mais emblemático da banda, tocado na íntegra e na ordem. Quatro faixas se destacaram: “I Wanna Be Somebody”, “L.O.V.E. Machine”, “On Your Knees” e a sombria balada “Sleeping (In the Fire)”, de versos em que amor e dor se confundem num entorpecimento quase diabólico. As demais — como “The Flame”, “School Daze” (com direito ao juramento à bandeira dos EUA, tal como no LP original) e “Hellion” — foram cantadas de maneira mais tímida pelos fãs, que preferiram ignorar o uso escancarado nos refrães de vocais pré-gravados, os quais a banda sequer tenta disfarçar.
Curiosamente, foi apenas em “Hellion” — a faixa que abre o lado B do vinil — que o telão central passou a operar. Mostrou imagens antigas da banda, algumas possivelmente extraídas do YouTube, tamanha a baixa resolução. Eram cenas dos tempos áureos: sangue cenográfico, tapa-sexo com serra elétrica e o tipo de exagero que fez Lemmy Kilmister, do Motörhead, perguntar a Lawless se era possível se sentar usando aquele adereço. “Lógico que não”, teria sido a resposta.
Durante “Tormentor”, o telão exibiu a sequência em que o W.A.S.P. aparece no longa-metragem “The Dungeonmaster” (1984), em cuja trilha sonora a faixa está presente. Já em “The Torture Never Stops”, as imagens eram do clássico “Häxan” (1922), filme mudo dinamarquês sobre bruxaria, baseado no manual inquisitorial “Malleus Maleficarum”. Como sempre, a tortura — ainda que simbólica — esteve presente.
O bis — se é que se pode chamar assim — foi encurtado. A apresentação começou com quase dez minutos de atraso, enquanto técnicos ainda passavam som. Com isso, o tradicional medley de “Inside the Electric Circus” (1986) foi descartado. No lugar, uma trinca de “The Headless Children” (1989), talvez o disco mais ambicioso da banda. Vieram “The Real Me”, cover do The Who; a balada “Forever Free”, com leve edição; e um recorte da faixa-título, acompanhada por imagens contundentes da Segunda Guerra Mundial: Hitler, campos de concentração, bombardeios, o desembarque na Normandia. O impacto visual reforçava o peso lírico da música, um ataque à insanidade do poder.
O show culminou com a dobradinha “Wild Child” e “Blind in Texas”, singles do álbum “The Last Command” (1985), marcando o esgotamento da energia do público, que, quase instantaneamente, presenciou os preparativos para a apresentação do Avantasia no palco vizinho.
**Este conteúdo faz parte da cobertura Bangers Open Air 2025 — clique para conferir outras resenhas com fotos e vídeos.
Repertório — W.A.S.P. no Bangers Open Air 2025
- I Wanna Be Somebody
- L.O.V.E. Machine
- The Flame
- B.A.D.
- School Daze
- Hellion
- Sleeping (in the Fire)
- On Your Knees
- Tormentor
- The Torture Never Stops
- The Real Me (cover de The Who)
- Forever Free (incompleta)
- The Headless Children (trecho)
- Wild Child
- Blind in Texas
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