A “música secreta” que mostrava os Beatles mergulhando de cabeça no avant-garde

Sempre disposto a experimentar, Paul McCartney colocou os colegas para trabalhar em algo totalmente fora da curva

John Lennon e Paul McCartney praticamente monopolizaram as ações no início dos Beatles quando o assunto era composição. Com o tempo, George Harrison foi dando seus voos e conseguindo um lugar nos holofotes. Porém, apenas uma vez os três assinaram uma faixa em parceria com Ringo Starr.

Em dezembro de 1966, Paul McCartney foi apresentado a David Vaughan através de uma amiga em comum, Tara Browne, jovem herdeiro da cervejaria Guinness, cuja trágica morte em um acidente de carro inspirou parcialmente a letra de “A Day In The Life”.

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Após o primeiro encontro, Vaughan se aproximou de McCartney e pediu-lhe para contribuir com algumas gravações para dois eventos futuros que ele estava realizando no Roundhouse em Camden, Londres. Eles eram conhecidos como “The Million Volt Light” e “Sound Rave”, mas Danny preferia o título mais simples e muito mais evocativo “Carnival of Light Rave”.

À época, os Beatles estavam ocupados com as sessões de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Mas, sentindo-se generoso, Paul concordou em fazer a gravação de Vaughan. Com uma vaga ideia do tipo de som que gostaria de fazer, foi para o estúdio e sentou-se com o resto dos Beatles para gravar “Carnival of Light”, uma das primeiras tentativas do grupo de criar uma música verdadeiramente de vanguarda.

A gravação de “Carnival of Light”

Paul liderou a sessão, aproveitando um espaço no registro de “Penny Lane”‘” para gravar algo para o evento caleidoscópico de Vaughan. A atividade durou um dia inteiro de gravação, levando a uma boa dose de frustração entre os outros Beatles os engenheiros do estúdio. Geoff Emerick, do Abbey Road, relembrou ao livro “The Complete Beatles Recording Sessions”, de Mark Lewisohn – em resgate do Far Out Magazine:

“Quando terminaram, George Martin me disse: ‘Isso é ridículo, temos que nos dedicar a algo mais construtivo’.”

Gravada em um único dia, “Carnival of Light” é talvez uma das gravações mais misteriosas dos Beatles. De fato, muito pouco se sabia sobre isso até 1988, quando a obra acima citada foi publicada. Em sua biografia autorizada Diário dos Beatles: Retrato completo do cotidiano, Barry Miles, amigo de longa data de Paul McCartney, descreve a gravação:

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“Não há melodia, embora trechos de uma música às vezes ameacem romper.”

‘Carnival of Light’ mostra os Beatles fazendo uma série de sons aleatórios, no formato chamada e resposta entre os músicos. Notas graves de órgão conduzem a brilhos percussivos, enquanto John e Paul gritam um com o outro com enormes quantidades de reverberação em suas vozes. Eles soltam gritos, assobios, engasgos, tosses e têm conversas completas, uma das quais termina com Paul perguntando ao engenheiro de estúdio ‘Podemos ouvir o resultado agora?’.

Uma rápida mixagem mono foi feita no final da sessão e entregue a Vaughan em uma fita de um quarto de polegada. Ele não ficou muito impressionado com os esforços. Mesmo assim, a pista foi usada várias vezes durante os eventos no Roundhouse.

Beatles e as discordâncias em “Anthology”

Paul aparentemente queria incluir “Carnival of Light” em “Anthology II” (1996), decisão vetada por George Harrison, que, segundo McCartney, não gostou porque era muito vanguardista. Mas, apesar dos esforços do guitarrista em renegar a faixa, McCartney sempre afirmou que a música era um produto dos quatro Beatles. Falando com Mark Ellen da revista Rocking Vicar em 2002, Paul disse:

“Todos se encaixaram no espírito e eu apenas disse para que continuássemos por vinte minutos, em tempo real. E eles simplesmente embarcaram na ideia.”

Anos mais tarde, “Carnival Of Light” finalmente veio a público. Pode soar totalmente sem pé nem cabeça para o ouvinte comum, mas mostra que o quarteto realmente não estava disposto a impor barreiras em sua obra. Não à toa, muito do que fizeram abriu novos caminhos para a música pop.

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João Renato Alves
João Renato Alveshttps://twitter.com/vandohalen
João Renato Alves é jornalista, 40 anos, graduado pela Universidade de Cruz Alta (RS) e pós-graduado em Comunicação e Mídias Digitais. Colabora com o Whiplash desde 2002 e administra as páginas da Van do Halen desde 2009. Começou a ouvir Rock na primeira metade dos anos 1990 e nunca mais parou.

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