O poder de “Jar of Flies” na discografia do Alice in Chains

Primeiro EP a atingir o topo da parada é, até hoje, o trabalho mais comercialmente bem-sucedido da banda

Quando estava na terceira série, o então futuro guitarrista do Alice in Chains, Jerry Cantrell, conduziu um experimento científico que consistia em manter dois potes cheios de moscas.

As moscas de um pote seriam superalimentadas, enquanto as do outro pote seriam subalimentadas. As moscas que foram superalimentadas se reproduziram rapidamente, mas depois morreram devido à superlotação. As moscas que foram subalimentadas conseguiram sobreviver ao longo de um ano.

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Evidentemente, esse experimento teve um grande impacto em Cantrell.

Conheça a história por trás de “Jar of Flies”, o trabalho mais comercialmente bem-sucedido do Alice in Chains.

Mudança de Mikes no Alice in Chains

Em 22 de janeiro de 1993, o Alice in Chains subiu ao palco diante de dezenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro e tocou seis músicas da estreia “Facelift” (1990) e sete de “Dirt” (1992) num set explosivo de uma hora. Nenhum dos presentes naquele Hollywood Rock sabia, mas acontecia ali a última apresentação de Mike Starr com a banda.

Durante a passagem pelo Brasil, houve dois sinais indicativos de quão séria tinha se tornado a dependência do baixista em heroína: uma crise de abstinência ocorrida no meio de um voo de helicóptero antes do show no Rio e, logo depois dele, quando Starr se juntou ao vocalista Layne Staley e a Kurt Cobain, líder do Nirvana — os dois mais notórios viciados da cena grunge de Seattle —, para injetar.

Ao longo dos anos, Mike deu várias desculpas do porquê de ter sido chutado pela banda ou ter deixado-a. Na primeira delas, publicada na newsletter do fã-clube do Alice in Chains pouco após a saída, ele diz que “essa coisa de turnês simplesmente não é para mim”. A seu biógrafo, John Brandon, o baixista confirma que foi ele quem inicialmente tomou a decisão formal de sair, embora acreditasse firmemente que essa ausência seria apenas temporária. Vários anos depois, quando participou do programa “Celebrity Rehab”, ele admitiu que foi demitido.

Seu substituto veio na figura de outro Mike, o Inez, nascido numa família muito musical em San Fernando, Califórnia. Seus anos no ginásio coincidiram com quando o Van Halen estava decolando, o que despertou sua paixão por hard rock e heavy metal. Aos 22, superou duzentos candidatos e conseguiu a vaga de baixista na banda de Ozzy Osbourne, tocando no álbum “No More Tears” (1991).

Inez teve pouquíssimo tempo para aprender o repertório e impressionou os colegas por conhecer as músicas do Alice in Chains melhor do que Starr. Ele fez seu primeiro show com a banda em 27 de janeiro, no The Underworld, em Londres, inaugurando um giro de 37 datas pela Europa, e suas primeiras gravações como membro oficial — as músicas “A Little Bitter” e “What the Hell Have I”, para a trilha sonora do filme “O Último Grande Herói” — ocorreram logo após o fim da turnê, em abril.

“Quatro caras se reunindo no estúdio para tocar”

Entre 18 de junho e 7 de agosto, o Alice in Chains percorreu a América do Norte como headliner do festival itinerante Lollapalooza. Ao lado deles, no palco principal do evento, apresentaram-se nomes como Primus, Dinosaur Jr., Fishbone, Tool e Rage Against the Machine.

Durante essa turnê, Jerry ligou para Toby Wright, perguntando se ele estaria interessado em gravar um EP com a banda. “Com certeza”, respondeu o produtor, que completou: “você poderia me mandar algumas das músicas?”. “Estamos a caminho de casa”, respondeu o guitarrista. “Até elas chegarem a você, já teremos terminado. Encontre-nos em Seattle”.

Apesar do que Jerry disse a Toby, nenhum material havia sido composto ainda. Tudo o que tinha eram ideias e histórias sobre suas experiências na estrada.

Banda e produtor chegaram ao London Bridge Studios no dia 7 de setembro. Segundo o baterista Sean Kinney em uma entrevista para a revista Guitar World, não havia nada pronto “para ver se rolava química com Mike”.

“Tudo se encaixou. Os sons e os timbres ficaram realmente bons. Achamos que seria um desperdício não lançar esse material.”

Layne disse praticamente a mesma coisa à revista Hit Parader:

“Só queríamos entrar no estúdio por alguns dias com nossos violões e ver o que acontecia. Nunca planejamos realmente lançar as músicas que fizemos naquela época. Mas a gravadora ouviu e gostou muito. Para nós, foi apenas a experiência de quatro caras se reunindo no estúdio para tocar.”

“Uma ou duas tomadas e pronto”

O processo de composição, gravação e mixagem foi rápido. Segundo consta do encarte de “Jar of Flies”, o EP foi escrito e gravado na semana de 7 a 14 de setembro e mixado de 17 a 22 daquele mês. Mas o clima foi de maratona, com sessões que duraram de 14 a 18 horas por dia.

Em depoimento ao biógrafo David de Sola reproduzido em “Alice in Chains: A História Não Revelada” (Ideal, 2016), Wright relembra que os membros da banda eram muito eficientes ao gravar suas partes individuais:

“Algumas das músicas, uma vez que os arranjos estivessem prontos, eram uma ou duas tomadas e pronto. Isso é que é ser uma das bandas mais prolíficas e com melhor sentimento; fazíamos uma ótima tomada, e aquela já era a música.”

Entre essas músicas, algumas hoje clássicas, a começar pelos singles “I Stay Away” e “No Excuses”. Tematicamente, há uma conexão entre as duas: Layne escreveu a letra da primeira quando saiu de uma temporada na reabilitação e ficou sóbrio por pouco tempo. Quando começou a se drogar novamente, ele escreveu a letra da segunda.

A banda trouxe um quarteto de cordas para “I Stay Away”. Na ausência de um maestro e sem tempo para transcrições em partitura, coube a um destemido Jerry entrar com um violão na sala principal e mostrar aos músicos de orquestra o que ele queria.

Lançada antes do EP, “No Excuses” teve muita veiculação nas rádios e alcançou o primeiro lugar nas paradas; o primeiro single do Alice in Chains a conseguir tal feito. Nos versos dela, Jerry canta a primeira voz e Layne, a harmonia, e os dois trocam no refrão.

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Melodias do desalento

Outra música em que Jerry Cantrell e Layne Staley dividiram o vocal principal foi “Don’t Follow”. Toby Wright explica:

“O conceito de Jerry era que ele começaria a música, Layne entraria e então acabaríamos com uma coisa do tipo dois lados da mesma história, o que eu achei brilhante.”

Na canção, Cantrell tenta virar as costas para Staley porque se tornou muito doloroso tentar salvá-lo de sua autodestruição. “Hey, you, you’re livin’ life full throttle (…) And it hurts to care, I’m going down” (“Ei, você, você está vivendo a vida a toda velocidade […] E dói se importar, eu estou indo embora”), canta ele. Staley então entra, falando como a metade errante da relação: “Ooh, forgot my woman, lost my friends / Things I’d done and where I’ve been (…) Take me home” (“Esqueci minha mulher, perdi meus amigos / As coisas que fiz e onde estive […] Leve-me para casa”).

A resposta triste e conclusiva que atende ao pedido desesperado do vocalista comove em sua concisão: “Say goodbye, don’t follow.” (“Diga adeus e não siga”).

Apesar da intensidade de “Don’t Follow”, ela está longe de ser o momento mais melancólico de “Jar of Flies”. Essa distinção pertence a “Nutshell”, na qual Layne abre o jogo sobre seus problemas com a heroína e revela não saber lidar com a fama. Versos dilacerantes como “If I can’t be my own, I’d feel better dead” (“Se não posso ser eu mesmo, me sentiria melhor morto”) não passaram despercebidos pelos leitores da Rolling Stone, que a elegeram a nona canção mais triste de todos os tempos em 2013.

À Hit Parader, Layne confessou não gostar de estar no centro das atenções. “Às vezes, eu gostaria que todas essas pessoas simplesmente sumissem”, disse ele.

“A maioria delas parece não estar realmente interessada na música, apenas quer enfiar o nariz onde não deve. Tentamos ser muito simpáticos e amigáveis com as pessoas, mas às vezes elas se aproveitam disso. A imprensa pode dizer o que quiser. Realmente não tem impacto sobre mim. Eu simplesmente acho que ela falta com a verdade na maior parte do tempo.”

Cada vez mais afundado na dependência de heroína, Staley tentou a reabilitação novamente logo após a conclusão do EP, mas não obteve sucesso. Ele viria a falecer de uma overdose de speedball em 2002.

O primeiro EP no topo da parada

Rocky Schenck capturou a foto da capa em sua sala de jantar em 8 de setembro. De acordo com ele, “a banda tinha a ideia para o título e queria que a capa fosse de um garoto olhando para uma jarra cheia de moscas”. Ele relata que seu assistente foi várias vezes a um estábulo nas proximidades para coletar centenas de moscas com uma rede de caçar borboletas.

Lançado em 25 de janeiro de 1994, “Jar of Flies” foi um sucesso imediato, estreando no topo da parada de álbuns da Billboard e vendendo mais de 141 mil cópias em sua primeira semana. Foi o primeiro EP a alcançar a primeira posição, um feito só repetido dez anos depois por “Collision Course”, da parceria entre Jay-Z e Linkin Park. Certificado com disco de platina triplo, é até hoje o trabalho mais comercialmente bem-sucedido do Alice in Chains.

Em 1999, Jerry disse à Guitar World:

“Mal podíamos acreditar nos números. Foi quando percebi que tínhamos realmente realizado algo. Fomos indicados para vários Grammys e alguns outros grandes prêmios. Embora não tenhamos vencido nenhum deles, o sucesso de ‘Jar of Flies’ mostrou-nos que podíamos fazer o que bem entendêssemos, e que as pessoas gostariam de ouvir.”

Os “vários Grammys” aos quais o guitarrista se refere foram o de Melhor Arte Gráfica e Melhor Performance de Hard Rock com “I Stay Away” na edição de 1995 da premiação. Os vencedores nessas categorias foram, respectivamente, “Tribute to the Music of Bob Wills and the Texas Playboys”, do Asleep at the Wheel, e o hino máximo do Soundgarden, “Black Hole Sun”.

“Talvez” foi a resposta de Layne quando perguntado pela Hit Parader se a pegada mais acústica de “Jar of Flies” era algo que a banda planejava explorar mais no futuro.

“Nunca planejamos nada assim. Quando nos reunimos e começamos a escrever e gravar, nunca temos ideia de para onde está indo. Isso faz parte da diversão. Você tem um palpite tão bom quanto nós de onde estará essa banda daqui a um ano. Minha suposição é que aumentaremos o volume novamente no próximo disco, mas quem sabe?”

Alice in Chains – “Jar of Flies”

  • Lançado em 24 de janeiro de 1994 pela Columbia
  • Produzido por Alice in Chains

Faixas:

  1. Rotten Apple
  2. Nutshell
  3. I Stay Away
  4. No Excuses
  5. Whale & Wasp (instrumental)
  6. Don’t Follow
  7. Swing on This

Músicos:

  • Layne Staley (vocais)
  • Jerry Cantrell (violões, backing vocals, vocais em “No Excuses” e “Don’t Follow”)
  • Mike Inez (baixo, vocais adicionais)
  • Sean Kinney (bateria, percussão)

Músicos adicionais:

  • April Acevez (viola)
  • Rebecca Clemons-Smith (violino)
  • Matthew Weiss (violino)
  • Justine Foy (violoncelo)
  • David Atkinson (gaita)
  • Randy Biro (vocais adicionais)
  • Darrel Peters (vocais adicionais)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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