A volta do AC/DC a números estratosféricos com “Black Ice”

Último trabalho com Malcolm Young encerrou maior intervalo entre dois álbuns de estúdio sucessivos da banda; subsequente turnê foi a mais bem-sucedida de sua carreira

O AC/DC fez uma pausa após concluir a Stiff Upper Lip World Tour em 2001. Retomou as atividades em 2003, com nove shows, incluindo a indução da banda ao Rock and Roll Hall of Fame e quatro apresentações de abertura para os Rolling Stones, uma das quais no Canadá, parcialmente registrada no DVD “Toronto Rocks” (2004). Durante esse intervalo, os guitarristas Angus e Malcolm Young começaram a conceber ideias para novas músicas de forma separada, antes de se encontrarem em um estúdio em Londres para trabalhar no material que haviam desenvolvido — e que se tornaria “Black Ice”.

Em uma entrevista à biógrafa Susan Masino, reproduzida no livro “Let There Be Rock” (Companhia Editora Nacional, 2009), Angus revelou que essas ideias geralmente se originavam de riffs que surgiam durante os ensaios ou nos bastidores, e que eles costumavam anotá-las. Tais rascunhos serviam como base quando começavam a compor, e frequentemente escreviam novas músicas durante as pausas nas turnês para descansar.

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Nesse período, o AC/DC deixou a Atlantic Records e assinou um novo contrato com a Sony Music. Como a Sony estava relançando o catálogo do grupo em edições remasterizadas em CD no formato digipak, não havia pressão para entregar um novo álbum. Isso foi vantajoso, uma vez que o baixista Cliff Williams teve que se afastar por um ano e meio devido a uma lesão na mão.

“Músicas pop feitas de maneira feroz e pesada”

Em meados de 2007, começaram a circular rumores de que Angus e Malcolm Young estavam trabalhando em novas músicas para o AC/DC. Apesar de um novo álbum estar em discussão há muitos anos, os irmãos se mostraram relutantes em confirmar qualquer informação.

Mantendo em segredo o retorno às atividades, o quinteto se reuniu no Warehouse, em Vancouver, no Canadá, em março de 2008, para começar a trabalhar no que se tornaria o décimo quinto álbum de estúdio da banda.

Robert John “Mutt” Lange, que produziu “Highway to Hell” (1979), “Back in Black” (1980) e “For Those About to Rock” (1981), expressou interesse em assumir o novo trabalho. Contudo, por sugestão do CEO da Sony Steve Barnett, a opção foi por Brendan O’Brien. A engenharia de som ficou a cargo de Mike Fraser, que havia trabalhado com a banda desde “The Razors Edge” (1990).

O’Brien, cuja folha corrida inclui Pearl Jam, Soundgarden e Rage Against the Machine, sugeriu que o grupo resgatasse seu lado mais rock ‘n’ roll, que havia sido deixado de lado em favor de uma abordagem mais influenciada pelo blues nos álbuns anteriores “Ballbreaker” (1995) e “Stiff Upper Lip” (2000). Em uma entrevista ao New York Times, o produtor explicou:

“O AC/DC que mais me lembro é o de ‘Highway to Hell’ e ‘Back in Black’, que vejo como músicas pop feitas de uma maneira feroz e pesada. Angus e Malcolm estavam escrevendo músicas com ótimos refrães e meu único trabalho era fazer um álbum que fizesse as pessoas dizerem: ‘senti falta desse AC/DC e estou feliz que eles estão de volta’.”

Quinze faixas foram gravadas em apenas seis semanas, a maioria delas ao vivo no estúdio, com overdubs apenas na voz e nos solos. Contra as tendências modernas, tudo foi registrado em equipamentos analógicos, digitalizados apenas para facilitar a mixagem. Em entrevista ao BraveWords, Mike Fraser comparou a sonoridade do novo material ao de “The Razors Edge”:

“No ‘Stiff Upper Lip’, o que eles queriam era um disco realmente seco e com uma sonoridade mais influenciada pelo blues. E foi isso que fizeram. Neste álbum, eles queriam aumentar um pouco mais o volume e o ritmo. E eu diria, como fã, que remete à era de ‘The Razors Edge’. Eles nunca vão voltar para aquele som de ‘High Voltage’ (19756), porque não são mais aqueles jovens de vinte e poucos anos. Como você escreve letras sobre transar e ficar bêbado todas as noites se não está fazendo isso? [Risos.]”

Sobre as letras, a maioria delas trata sobre o próprio rock and roll — que o digam o primeiro single “Rock ‘N’ Roll Train”, “Rock ‘N’ Roll Dream” e “Rocking All the Way” —, no entanto, outros temas também serviram de inspiração. Um documentário sobre Aníbal, um dos maiores estrategistas militares da história, inspirou “War Machine”. A paixão do vocalista Brian Johnson por carros permeia “Wheels”. Há até uma crítica ao capitalismo em “Money Made”.

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“O melhor álbum do AC/DC desde ‘Back in Black’”

Na América do Norte, o Walmart fez um acordo para a distribuição exclusiva do novo álbum, anteriormente conhecido como “Runaway Train”, mas agora chamado de “Black Ice”. A varejista criou mais de três mil “Rock Again AC/DC Stores” com displays mostrando os álbuns da banda, camisetas, o recém-relançado DVD “No Bull”, o game “AC/DC Live: Rock Band” e outros produtos.

A estratégia deu certo. Lançado na Austrália em 18 de outubro e no resto do mundo no dia 20 de outubro, “Black Ice” alcançou o número 1 nas paradas em 29 países, incluindo nos Estados Unidos, onde vendeu mais de 780 mil cópias apenas na primeira semana, conquistando o disco de platina em poucos dias.

Com 6 milhões de unidades comercializadas em todo o mundo até dezembro, foi o segundo álbum mais bem-sucedido comercialmente de 2008. Ficou atrás apenas de “Viva La Vida or Death and All His Friends”, do Coldplay.

A crítica amou. David Fricke, da Rolling Stone, chamou “Black Ice” de “o melhor álbum do AC/DC desde ‘Back in Black’”. “Eles ainda podem ensinar algumas coisas para os jovens sobre rock and roll”, resumiu o The Guardian. Escrevendo para o Village Voice, Richard Bienstock, autor de “Nöthin’ But a Good Time” (Estética Torta, 2022), elogiou o trabalho de Brendan O’Brien, que “não apenas restaura o som vintage imaculado dos amplificadores Marshall, mas também um elemento-chave da trilogia de sucesso produzida por ‘Mutt’ Lange: refrães gigantes embebidos de vocalizações em grupo”.

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Quando perguntado pelo Daily Telegraph sobre “Black Ice”, Brian Johnson foi sucinto: “o melhor álbum que já fizemos”. Para a brasileira Roadie Crew, Angus Young atribuiu o apelo à versatilidade do repertório, capaz de “agradar pessoas em estados de espírito variados”.

A quarta maior bilheteria de todos os tempos

Uma turnê mundial, iniciada com 42 shows na América do Norte, manteve o AC/DC na estrada até o final de 2009. Passou por países da Europa, América do Sul — incluindo o Brasil, onde tocaram para 70 mil pessoas no Estádio do Morumbi, em São Paulo, no dia 27 de novembro de 2009 — e também da Ásia e da Oceania.

A venda de ingressos quebrou recordes. Duas noites no Madison Square Garden (40 mil pessoas), em Nova York, esgotaram em minutos, assim como shows na Allstate Arena (22 mil pessoas), em Chicago, e no General Motors Place, atual Rogers Arena (20 mil pessoas), em Vancouver.

Ao final do giro, o AC/DC havia gerado mais de 441 milhões de dólares, tornando a Black Ice World Tour sua mais bem-sucedida turnê e a quarta de maior bilheteria de todos os tempos. Um compilado dos três shows realizados em dezembro de 2009 no Estádio Monumental, em Buenos Aires, foi lançado como o DVD “Live at River Plate” (2011).

Como cereja do bolo, “Black Ice” foi indicado para muitos prêmios, incluindo o Grammy, o Brit, o Juno e o ARIA Music Awards. Embora não tenha vencido nenhum, “War Machine” — posteriormente usada em um trailer do filme “Homem de Ferro 2”, do Universo Cinematográfico Marvel —, ganhou na categoria de Melhor Performance de Hard Rock no Grammy.

Infelizmente, quando o ciclo de “Black Ice” foi concluído, Malcolm Young foi diagnosticado com demência; doença que, no fim das contas, selaria seu destino. Em 28 de junho de 2010, o guitarrista subiria ao palco do Campo de San Manes em Bilbao, Espanha, sem saber que seria seu último show com o AC/DC.

AC/DC — “Black Ice”

  • Lançado em 20 de outubro de 2008 pela Columbia Records
  • Produzido por Brendan O’Brien

Faixas:

  1. Rock ‘n’ Roll Train
  2. Skies on Fire
  3. Big Jack
  4. Anything Goes
  5. War Machine
  6. Smash ‘n’ Grab
  7. Spoilin’ for a Fight
  8. Wheels
  9. Decibel
  10. Stormy May Day
  11. She Likes Rock ‘n’ Roll
  12. Money Made
  13. Rock ‘n’ Roll Dream
  14. Rocking All the Way
  15. Black Ice

Músicos:

  • Brian Johnson (vocal)
  • Angus Young (guitarra solo)
  • Malcolm Young (guitarra base, backing vocals)
  • Cliff Williams (baixo, backing vocals)
  • Phil Rudd (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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