Como o AC/DC virou o jogo – e levou nova goleada – com “The Razors Edge”

Condições adversas na etapa de criação não impediram disco de ser um sucesso em vendas; tampouco anteciparam tudo de pior que estava por vir

Com o perdão do trocadilho, o AC/DC vinha andando no fio da navalha quando da gestação de seu décimo-segundo álbum de estúdio, oportunamente batizado “The Razors Edge”.

Enrolado com um divórcio em andamento, o vocalista Brian Johnson ficou de fora do processo de criação. A responsabilidade ficou totalmente a cargo dos irmãos guitarristas Angus e Malcolm Young — este recém-saído de uma temporada numa clínica de reabilitação.

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Mas os problemas continuariam a acontecer, tanto na pré-produção quanto na turnê que se seguiu ao lançamento do disco; entre eles, uma tragédia da qual os integrantes do grupo jamais se recuperariam.

É do careca que eles gostam mais

Iniciada em 1º de fevereiro de 1988, a turnê do recém-lançado “Blow Up Your Video” manteve o AC/DC na estrada por dez meses. Só nos Estados Unidos, principal mercado consumidor de discos no mundo, foram 113 shows. Os outros 51 foram divididos entre Austrália, Canadá e dez países da Europa.

Embora tenha colocado a banda de volta no centro das atenções após uma sequência de álbuns comercialmente decepcionantes — a saber, “Flick of the Switch” (1983) e “Fly on the Wall” (1985) —, o giro teve lá seus percalços e o resultado foram duas baixas — uma temporária, outra permanente — na formação.

A baixa temporária foi o afastamento de Malcolm Young, que travava dura batalha contra o alcoolismo, da etapa norte-americana da turnê. Para seu lugar foi chamado Stevie Young, sobrinho de Malcolm. Ele substituiria o tio em caráter definitivo a partir de 2014, gravando os álbuns “Rock or Bust” (2014) e “Power Up” (2020) com o grupo.

Já a baixa permanente foi a demissão do baterista Simon Wright por Malcolm. Rebatendo aqueles que acreditavam que o motivo da dispensa fora a participação de Wright em “Lock Up the Wolves” (1990), do Dio, o guitarrista admitiu para a autora Susan Masino em “Let There Be Rock” (Companhia Editora Nacional, 2009) que, durante o tempo que ficou fora da banda, teve a oportunidade de ver alguns shows da perspectiva do público e que a primeira coisa que decidiu fazer quando voltou foi livrar-se do baterista.

Chris Slade, o “careca” citado no intertítulo cuja folha corrida incluía trabalhos com Gary Moore, Manfred Mann e os dois álbuns de estúdio do supergrupo The Firm — “The Firm” (1985) e “Mean Business” (1986) —, foi recrutado por sugestão dos empresários para o que a princípio seriam apenas alguns ensaios de pré-produção do novo álbum. A química em estúdio foi tanta que logo veio o convite para se juntar à banda.

“O tranco de um trovão”

A gravação do que se tornaria “The Razors Edge” começou na Irlanda, mas foi transferida para o Canadá tão logo os Young escolheram trabalhar com o canadense Bruce Fairbairn, que produzira o 12x platinado “Slippery When Wet” (1986), do Bon Jovi, além de álbuns de sucesso de bandas como Aerosmith, Blue Öyster Cult, Krokus e Loverboy.

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Bastaram seis semanas para que as 12 faixas ficassem prontas. Entre elas, alguns dos maiores sucessos da carreira da banda.

Sem dúvida o carro-chefe de “The Razors Edge”, lançado em 21 de setembro de 1990, era “Thunderstruck”. Em “Let There Be Rock”, Angus Young conta que o título da música lhe ocorreu em um voo, durante uma tempestade de raios:

“Estávamos sobrevoando a Alemanha e o avião foi atingido por um raio. Achei que tinha chegado a minha hora. A aeromoça disse que a gente tinha sido atingido por um raio e eu disse: ‘não, o que atingiu a gente foi o tranco de um trovão, porque foi um estrondo.”

Para gravar a introdução de “Thunderstruck”, Angus passou fita adesiva em todas as cordas da guitarra, exceto na corda si (B); truque que lhe havia sido ensinado por seu irmão mais velho, o produtor musical George Young. Primeiro single de “The Razors Edge”, a faixa chegou à 13ª posição no Reino Unido, impulsionando as vendas do álbum, que entrou nos top 5 britânico e norte-americano.

Singles e lados B

O divórcio que impediu Brian Johnson de participar da etapa de escrita das letras serviu de inspiração para Angus e Malcolm em “Moneytalks”.

O segundo single de “The Razors Edge” foi o mais bem-sucedido da banda nos Estados Unidos, chegando ao número 23 da Billboard. Nenhum outro single do AC/DC voou tão alto nas paradas americanas.

Na sequência, a gravadora lançou “Are You Ready” — que pode ser ouvida na trilha sonora do filme “Rock Star” (2001) — e “Rock Your Heart Out” — essa com exclusividade para o mercado australiano — como singles. Contudo, o bom desempenho em países como Irlanda e Nova Zelândia não se repetiu nos locais que realmente importavam.

Os mais de cinco milhões que compraram “The Razors Edge” somente nos Estados Unidos não tardaram a se dar conta de que fora da raia dos singles o álbum tinha muito a oferecer, como a artilharia pesada de “Fire Your Guns”, a galhofa de “Mistress for Christmas” — repare na letra na qual os Young pedem um presente de Natal nada convencional para o Papai Noel — e o desabafo nas entrelinhas de  “Goodbye & Good Riddance To Bad Luck’, que reflete o estado de espírito geral da banda, fatigada após tanta maré de azar.

Milhões de dólares e perdas irreparáveis

Menos de dois meses após o lançamento de “The Razors Edge”, o AC/DC embarcaria em mais uma turnê mundial, que desta vez os manteria por um ano na estrada.

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Foi durante esse giro que a banda tocou pela terceira vez no festival Monsters of Rock, em Donington, Inglaterra. O show realizado no dia 17 de agosto de 1991 ao qual mais de 72 mil pessoas compareceram foi filmado e posteriormente lançado como “Live at Donington” em VHS — e depois em DVD e Blu-ray.

Na sequência, acompanhado por Metallica, Mötley Crüe, Pantera, Queensrÿche e The Black Crowes, o AC/DC encabeçou a chamada Monsters of Rock Tour, que percorreu vários países da Europa antes do desfecho histórico no Aeródromo de Tushino, em Moscou, na Rússia, onde tocaram de graça para mais de 1,6 milhão de pessoas. Músicas dessa apresentação seriam lançadas como parte de “For Those About to Rock: Monsters in Moscow”, de 1992.

Mas nem só de vitórias foi a turnê. Em 18 de janeiro de 1991, três dos 13.294 fãs presentes no Salt Palace Acord Arena, em Salt Lake City, Estados Unidos, foram esmagados e mortos pela multidão que se empurrava para chegar junto do palco. Os promoters do show, cientes de que o AC/DC não tocaria se soubesse do ocorrido, resolveram não contar nada à banda, que só recebeu a notícia após deixar o palco.

A imprensa em todo o mundo não perdoou, mostrando fotos do AC/DC no palco, afirmando que eles tinham feito vista grossa à terrível tragédia. A banda acabaria inocentada de qualquer envolvimento na causa das mortes.

Quando 1991 chegou ao fim, o AC/DC estava 17 milhões de dólares mais rico. Porém, como Brian e Malcolm deixaram claro quando de sua participação no programa “Behind the Music” do canal VH1, Salt Lake City continuaria sendo um assunto extremamente triste e doloroso para a banda.

AC/DC – “The Razors Edge”

  • Lançado em 21 de setembro de 1990 pela ATCO / Albert / EMI
  • Produzido por Bruce Fairbairn

Faixas:

  1. Thunderstruck
  2. Fire Your Guns
  3. Moneytalks
  4. The Razors Edge
  5. Mistress for Christmas
  6. Rock Your Heart Out
  7. Are You Ready
  8. Got You by the Balls
  9. Shot of Love
  10. Let’s Make It
  11. Goodbye & Good Riddance to Bad Luck
  12. If You Dare

Músicos:

  • Brian Johnson (voz)
  • Angus Young (guitarra solo)
  • Malcolm Young (guitarra rítmica, backing vocals)
  • Cliff Williams (baixo, backing vocals)
  • Chris Slade (bateria, percussão)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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