O primeiro álbum do Queen e o começo humilde da banda mais espalhafatosa do rock

Ninguém ligava para Freddie Mercury e companhia em um momento inicial porque eles soavam únicos — e essa acabou sendo a graça no fim das contas

É difícil imaginar o Queen tocando em um lugar senão um estádio. A banda se tornou sinônimo com públicos enormes, espetáculos semirreligiosos durante os quais a plateia se torna um instrumento a ser tocado por Freddie Mercury.

Porém, todo mundo começa de algum lugar. Houve uma época em que um jovem Farrokh Bulsara, imigrante de etnia indiana nascido em Zanzibar (hoje parte da Tanzânia), penou para convencer três músicos da banda da qual era fã a deixar ele ser o vocalista.

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Mesmo depois disso, foram dois anos até terem oportunidade de gravar qualquer coisa em um estúdio profissional. E ainda assim, precisavam fazer nos horários não usados por artistas maiores.

Anos depois, pouquíssimos artistas eram maiores. Mas o Queen ainda precisava chegar lá. E precisavam dar o primeiro passo.

Sem o cara cabisbaixo

Para falar do Queen, primeiro precisamos falar de quando Brian May, sem dinheiro para comprar uma guitarra de marca, fabricou para si um instrumento com a ajuda do pai em 1964. Apelidada de Red Special, ela era feita propositalmente para criar microfonia, tal qual o ídolo do músico, Jeff Beck, fazia nos Yardbirds.

Naquele mesmo ano, May fundou a banda 1984 – inspirado no livro de George Orwell com o vocalista Tim Staffel. Ele deixou o projeto em 1968 para cursar física na Imperial College. Outra razão para sua saída foi um desejo por sua parte de encontrar um grupo capaz de compor canções próprias.

Atrás disso, ele formou a banda Smile com Staffel nos vocais e baixo, além de Chris Smith nos teclados – que saiu pouco depois. Após colocarem um anúncio procurando um baterista nos moldes de Ginger Baker (Cream) e Mitch Mitchell (Jimi Hendrix Experience), um jovem estudante de odontologia chamado Roger Taylor respondeu.

Taylor trabalhava em um quiosque de roupas em Kensington Market com um conhecido de Staffel da Ealing Art College, Freddie Bulsara. Nascido em Zanzibar – então um protetorado britânico na África, hoje parte da Tanzânia – e de etnia Parsi indiana, esse amigo se tornou imediatamente um fã do Smile e começou a tentar roubar a posição de vocalista da banda.

Ao ser rechaçado inicialmente, Bulsara formou o grupo Ibex, que não encontrou sucesso algum, nem com sua empreitada subsequente, o Sour Milk Sea. O Smile também não parecia se distinguir num mar de artistas tentando soar como Free ou Cream.

Em 1970, Tim Staffel deixou o Smile ao ver um futuro que não combinava com ele. No livro “A Verdadeira História do Queen”, de Mark Blake, o vocalista e baixista falou:

“O Smile desejava trilhar esse caminho mais teatral e eu via que não poderia acompanhá-los. Minha noção de um músico de rock era a de um cara cabisbaixo, com cabelos compridos, que tocava olhando para chão.”

Uma reação à moda

O grupo agora precisava de um vocalista. Enquanto eles não estavam olhando, Freddie Bulsara havia se tornado o candidato ideal, como Roger Taylor descreveu à Mojo (via David Chiu) em 1999:

“Freddie tinha uma musicalidade natural. Era um verdadeiro dom, mas ele tinha um vibrato muito estranho quando nos conhecemos pela primeira vez. Algumas pessoas achavam bem irritante. Mas ele se aplicou e forjou sua própria persona. Ele inventou a si mesmo.”

Bulsara, agora atendendo como Freddie Mercury, se tornou o vocalista do Smile. Uma das primeiras coisas sugeridas por ele foi mudar o nome do grupo para Queen. Como ele disse à Melody Maker (via “A Verdadeira História do Queen”, de Mark Blake):

“A ideia do Queen é ser [uma banda] opulenta e majestosa. Nós queremos ser soberbamente elegantes. Nós queremos chocar e sermos ousados.”

Esse desejo por passar uma imagem de opulência refletia uma sensação de Brian May após ter assistido o documentário sobre o Festival de Woodstock, como ele contou em “A Verdadeira História do Queen:

“Quando assisti ao filme, fiquei chocado ao me dar conta de quão pouco eu me identificava com aquilo. O Queen não era o tipo de banda cujos integrantes ficavam ‘doidões’, subiam ao palco e tocavam qualquer coisa. De certo modo, nós representávamos uma reação a esse tipo de coisa.”

Os três recrutaram o baixista Mike Grose para completar a formação. O Queen fez sua primeira apresentação dia 27 de junho de 1970 em Truro, num show beneficiente à Cruz Vermelha a pedido da mãe de Taylor. A banda ainda usou o nome Smile, na tentativa de atrair público, mesmo com uma formação bem diferente.

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Ao longo do verão inglês, o grupo compôs basicamente o material que viria a aparecer na sua estreia. O problema era fazer alguém prestar atenção neles o suficiente para dar a eles a oportunidade de gravar.

Cobaia de estúdio

Mike Grose deixou o Queen em agosto de 1970, não vendo futuro na banda. Seu substituto, Barry Mitchell, durou até janeiro de 1971. A razão para sua saída ele explicou em “A Verdadeira História do Queen”, de Mark Blake:

“A música que eles faziam não era a que eu queria fazer. Eu queria algo mais próximo do blues e do soul; um som que contasse com uma seção de metais. Eu não gostava daquela coisa. Eles ainda se pareciam demais com um ‘cruzamento’ do Led Zeppelin com o Yes. Acho que eles ainda não haviam encontrado seu estilo e sua magia particulares.”

Após uma experiência de dois shows com Doug Bogie no baixo, eles finalmente chegaram a John Deacon, um jovem de apenas 19 anos de idade que, nas palavras de Brian May em “A Verdadeira História do Queen”, era a pessoa perfeita para a posição:

“Depois de ouvirmos tantos baixistas tocarem pesadamente, surge aquele rapaz tímido que logo acerta precisamente as linhas do baixo para o som que estávamos fazendo. Então, nós soubemos que ele era o cara certo.”

Deacon sempre foi conhecido como o membro mais quieto do grupo e essa qualidade foi um dos grandes atrativos para os outros integrantes, em cima do palco e fora dele. A banda estreou a formação definitiva em julho de 1971 e apesar de não cativar ninguém particularmente, as incongruências de antes haviam desaparecido.

Isso ainda não era suficiente para atrair o interesse de alguém. O Queen teve sua primeira oportunidade no estúdio como cobaias, após Brian May firmar um acordo com o engenheiro de som do De Lane Lea Studios, Terry Yeadon, para testar o isolamento acústico da nova locação, em Wembley.

Eles colocariam as instalações à prova; em troca, poderiam gravar uma demo. O Queen chegou no De Lane Lea em dezembro de 1971 com o repertório do disco fechado, prontos para não desperdiçar a chance. Nessas sessões, cinco canções que viriam a integrar a estreia do grupo foram gravadas: “Keep Yourself Alive”, “Jesus”, “The Night Comes Down”, “Great King Rat”, e “Liar”.

Brian May descreveu a abordagem do grupo durante essa experiência “A Verdadeira História do Queen”, mesmo sabendo ser cobaias:

“Nós sabíamos que, em algum momento, uma oportunidade apareceria. É preciso que haja um começo; e, nessas horas, ‘o que distingue os meninos dos homens’ é que algumas pessoas provam estar preparadas e outras não. Então, nós dissemos: ‘quando chegar o nosso momento, tudo tem de estar ensaiado; temos de saber como nos apresentaremos sobre o palco, e a coisa toda tem de ser muito profissional’.”

Gravando em intervalos

A mentalidade deu certo, pois John Anthony, produtor de bandas como Genesis, havia convidado o colega Roy Thomas Baker para assistir o Queen gravando. Os dois ficaram impressionados o suficiente para começar a promover o grupo aos seus contatos de gravadora.

Eles chegaram a receber uma oferta de 25 mil libras da Charisma Records. A banda, contudo, recusou a quantia, não querendo ficar na gaveta da gravadora enquanto eles promoviam o Genesis, principal artista do selo.

Em vez disso, o grupo contratou os serviços do empresário Norman Sheffield, que trabalhava para Trident Studios. A vantagem desse acordo era a possibilidade da banda usar as dependências do estúdio enquanto um contrato de gravadora era procurado, além de receberem equipamento novo.

Após uma série desastrosa de shows no início de 1972, o Queen parou de se apresentar ao vivo por oito meses para se concentrar em refinar o material e gravar o álbum de estreia. O problema era: eles só podiam usar os estúdios da Trident enquanto não houvesse ninguém usando.

Nessa época, isso significava operar nos horários em que David Bowie e Lou Reed – que estavam gravando “Transformer” – deixavam livres. E mesmo assim, o Queen se mostrava disposto a brigar com a equipe do Trident sobre como desejavam soar. Brian May é citado em “A Verdadeira História do Queen” falando:

“Queríamos que tudo soasse exatamente como soava na sala de gravação, diretamente nos ouvidos do público. Tivemos de armar uma briga incrível para que a bateria fosse retirada de seu canto e colocada no centro do estúdio e para que microfones fossem instalados ao redor de toda a sala.”

As circunstâncias fizeram o grupo trabalhar uma faixa por vez, com Anthony e Roy Thomas Baker produzindo. O passado desse último na Decca gravando música clássica serviu para que Brian May finalmente tivesse alguém capaz de viabilizar sua visão para guitarra, ao criar partes sinfônicas com o instrumento.

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Mesmo assim, tensões constantes reinaram nas gravações. Os músicos consideravam o trabalho feito no De Lane Lea como ideal e estavam insatisfeitos por precisar regravar as cinco faixas da demo. “Keep Yourself Alive” teve oito versões diferentes feitas no Trident antes que o engenheiro Mike Stone encontrasse uma mixagem capaz de agradar o grupo.

Já no caso de “The Night Comes Down”, o Queen bateu o pé e a versão demo foi incluída no disco final. “Mad the Swine”, originalmente planejada como a quarta faixa do álbum, acabou deixada de fora porque nenhuma gravação tinha um som de bateria satisfatório.

Quando eles finalmente terminaram de gravar o disco de estreia, em julho de 1972, ainda assim nenhuma gravadora quis saber. John Anthony contou em “A Verdadeira História do Queen”:

“Roy e eu levamos o material deles à Island, mas ninguém quis tomar conhecimento. O sujeito da CBS até pareceu captar a vibração, mas recusou-se a fechar o negócio quando dissemos que precisaríamos de 30 mil libras para custear a iluminação e os figurinos. Lembro-me que alguém me perguntou: ‘Esse cara é homossexual?’, quando eu disse que a banda chamava-se Queen…”

Em novembro, foi organizado um showcase do grupo com o objetivo de atrair executivos. Ninguém compareceu. Contudo, a demo do Queen chegou às mãos de Jac Holzman, lendário executivo da Elektra, que ficou fascinado pelo grupo e quis contratá-los.

O Queen fechou contrato com a EMI e a Elektra em março de 1973. O álbum “Queen” foi lançado no Reino Unido no dia 13 de julho, com “Keep Yourself Alive” saindo como single uma semana antes. Nenhum dos dois vendeu particularmente bem de início, nem mesmo “Liar” quando lançada como compacto em fevereiro de 1974.

A esse ponto, o Queen já estava com seu segundo disco, “Queen II” (1974), praticamente pronto. Uma apresentação da nova versão de “Seven Seas of Rhye” – ainda não lançada – catapultou a banda ao top 10 britânico quando a EMI se apressou para prensar o single e botar à venda. O resto é história.

No fim das contas, o álbum “Queen” acaba sendo o documento de uma banda dando seus primeiros passos, como Brian May escreveu em seu livro “40 Years of Queen” (via David Chiu):

“Aquele álbum tinha a juventude e o frescor que nunca recuperamos, porque só se é jovem uma vez. Tinha muitas arestas não aparadas, muita coisa mal tocada, muita produção ruim, mas obviamente porque não tivemos o tempo para trabalhar que tivemos subsequentemente. Mas nunca pensaria em voltar refazê-lo, ou nada do tipo, porque acho que tem um frescor que não teremos novamente.”

Queen – “Queen II”

  • Lançado em 13 de julho de 1973 (Reino Unido) e 4 de setembro de 1973 (Estados Unidos) pela EMI / Elektra
  • Produzido por John Anthony, Roy Thomas Baker e Queen

Faixas:

  1. Keep Yourself Alive
  2. Doing All Right
  3. Great King Rat
  4. My Fairy King
  5. Liar
  6. The Night Comes Down
  7. Modern Times Rock ‘n’ Roll
  8. Son and Daughter
  9. Jesus
  10. Seven Seas of Rhye… (instrumental)

Músicos:

  • Freddie Mercury (voz; piano nas faixas 4, 7, 9 e 10; órgão Hammond não-creditado na faixa 5; backing vocals)
  • Brian May (guitarra, piano na faixa 2, backing vocals)
  • Roger Taylor, creitado como Roger Meddows-Taylor) (bateria, percussão, vocal na faixa 7, backing vocals)
  • John Deacon, creitado como Deacon John (baixo)

Músico adicional:

  • John Anthony (backing vocals na faixa 7)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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