Entrevista: Dino Cazares celebra Fear Factory atual, relembra erros passados e exalta “Obsolete”

Banda volta ao Brasil no próximo dia 6 de junho para show único, apresentando seu novo vocalista, o italiano Milo Silvestro

“Os anos 90 foram esquisitos para o heavy metal” é uma frase repetida por muitas das bandas que viram despencar sua popularidade da década anterior. O Fear Factory foi um dos culpados por isso.

Ao lado de bandas como Pantera, Machine Head e Sepultura, o grupo americano capitaneado pelo guitarrista Dino Cazares ajudou a mudar a sonoridade do heavy metal na década e abriu caminho para o nu metal estourar.

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Com uma trajetória bastante acidentada no novo milênio – de inúmeras mudanças de formação a brigas pelos direitos do nome da banda –, pela primeira vez seu clássico vocalista Burton C. Bell deixou o posto. A vaga foi ocupada pelo italiano Milo Silvestro, ex-Dead Channel.

Prestes a desembarcar no Brasil para apresentação única no país, em São Paulo, na próxima terça-feira (6) – clique aqui para ingressos –, conversamos com Dino Cazares sobre o presente e o passado do Fear Factory em um breve respiro em sua agenda lotada neste início do ano.

*A entrevista também está disponível em vídeo, com legendas em português.

O presente promissor

Exaustiva turnê e passagem pelo Brasil

Após duas datas na América do Sul, Dino Cazares falou conosco numa quinta-feira, direto de sua casa, em Los Angeles, em uma breve interrupção da excursão pela parte latina do continente para se apresentar no Milwaukee Metal Fest no fim de semana seguinte.

Alguns dias depois, a banda já se apresentaria no México, por onde viaja atualmente. Em seguida, aparecerá para tocar no Brasil pela quarta vez na carreira. Cazares já perdeu as contas de quantas vezes esteve no país.

“Quatro vezes? Lembro de duas. Não lembro das outras. Eu também estive com o Asesino e Brujeria, além de Divine Heresy. Eu estive aí ano passado com o Soulfly… desculpe, o Cavalera.”

Quando perguntado sobre apenas um show do Brasil, Cazares atribuiu aos promotores, mas confessou querer se apresentar em outras cidades.

“Curitiba, Rio, Belo Horizonte. São os lugares que eu queria ir. Gostaria muito de trabalhar pelo Brasil todo e fazer mais de um show. Mas precisamos ir onde estão oferecendo”.

O novo vocalista

A exaustiva turnê atual virou um cartão de visitas apresentando o novo integrante. O vocalista Milo Silvestro foi escolhido após o guitarrista ouvir aproximadamente 300 cantores, em uma disputa pela vaga que muita gente ainda não se deu por vencida.

“Muitos enviaram material. Tem gente enviando material até hoje. Não só vocais, mas também bateria, baixo, até para ser um segundo guitarrista!”

Dino ainda elucidou com mais detalhes como escolheu Silvestro, no meio de tanto material.

“Eu estava muito impressionado com os vídeos que ele lançou no YouTube. Havia um que ele estava tocando ‘Fear Campaign’ (faixa do disco “Mechanize”, de 2010) e tocando todos os instrumentos. Ele também fez um medley de ‘Soul of a New Machine’ (primeiro disco da banda, lançado em 1992), com todas as 17 músicas. Deu para ver que ele era incrível.”

Em entrevista ao site no ano passado, no entanto, Dino Cazares havia dito que não queria revelar o vocalista sem ter material novo para mostrar. Não foi isso que aconteceu. O guitarrista explicou a mudança de planos.

“O que mudou foi que marcamos a turnê. Demorou um tempo até conseguirmos liberar sua entrada no país por causa dos vistos. Muitas pessoas não entendem como isso funciona, mas houve um grande atraso por conta da Covid e levou muito tempo para sair o visto. Quando finalmente conseguimos estarmos todos nos Estados Unidos, sobraram duas semanas para nos preparar para a turnê. Não deu tempo de ir para o estúdio gravar.”

Conhecer direito Milo Silvestro também foi prioridade para Cazares.

“Ele veio para cá assim que a proibição de viagens (em virtude da pandemia de Covid) foi liberada para fazer o teste e passamos um tempo juntos. Pudemos conhecê-lo, passar tempo juntos, só para ter certeza de que não só ele era talentoso, mas também queríamos ter certeza que nos daríamos bem pessoalmente.”

Além de servir para apresentar Silvestro aos fãs da banda diretamente do palco, a exaustiva turnê serviu como um teste de fogo para ver o novo vocalista na estrada. Afinal de contas, excursionar nesse ritmo não é para qualquer um.

“Ele nunca fez uma turnê assim. Eu queria ter certeza de que está tudo bem para ele, estar longe da família, aguentar cantar todas as noites. Pegamos uma turnê de 43 datas, com apenas uns 6 dias de folga. Queria ter certeza de que ele daria conta, pois a estrada pode ser complicada às vezes. E ele se saiu bem.”

Disco novo em espera, discos velhos relançados

Com a agenda cheia, o Fear Factory espera conseguir iniciar as gravações de um disco novo em julho, sob supervisão do engenheiro de som Damian Rainaud, antes de voltar à estrada de novo para uma turnê pela Europa no fim do ano. Algumas composições já estão prontas, como Dino Cazares explicou.

“Estamos compondo. Tenho músicas feitas desde antes de Milo estar aqui. Temos bastante coisa para trabalhar. Se você quiser ouvir uma prévia de uma delas, vá ao YouTube de Joey Sturgis e há uma música chamada ‘The Roboticist’, que lancei para um plugin que se chama ‘Disruptor’, como a música (do disco ‘Aggression Continuum’. de 2021). É um plugin de guitarra e eu lancei uma música para isso, mas também estará no próximo disco.”

Apesar de Tony Campos ter perdido as primeiras datas do Fear Factory na América do Sul – o baixista esteve em turnê com o Static-X, sua outra banda –, ele estará no Brasil em junho e gravará o novo disco. Na bateria, porém, Cazares hesitou para confirmar o substituto de Mike Heller na banda.

“Pete Weber estará na turnê. Ele veio de uma banda chamada Havok, de thrash metal, de Denver, no Colorado. Vamos ver se ele fará o álbum. Ainda está a algum tempo de distância.”

Sem Burton C. Bell pela primeira para escrever as letras da banda, Cazares demonstrou confiança no novo vocalista para substituí-lo à altura – e até brincou sobre o assunto.

“Ele precisará compor. Claro, ele teve outra banda chamada Dead Channel, ele faz as letras, as músicas. Não é como se não fosse um cara talentoso. (Mas) vamos falar com os fãs do Brasil e ver se eles podem nos ajudar a escrever as letras.”

No compasso de espera pelo material novo, porém, a banda se prepara para lançar reedições de dois discos em junho, “Mechanize” (2010) e “The Industrialist” (2012). O primeiro deverá ser apenas remasterizado com a adição de algumas faixas bônus, dentre elas uma composição inédita.

Já o trabalho mais recente, no qual foi utilizada bateria eletrônica no lançamento original, foi rebatizado “Re-Industrialized”, remixado e agora conta com a inclusão do instrumento gravado por Mike Heller.

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Se uma coisa poderia levar a outra, Dino afastou a possibilidade de ter Silvestro regravando os vocais do álbum.

“Acho que Milo ainda não estava na banda (quando a bateria foi regravada). Mas acho que é importante fazer músicas novas. Claro, ele consegue cantar as antigas, quem nos viu ao vivo conseguiu perceber isso, mas é importante ele ter músicas novas.”

O passado tumultuado

A fase sem Dino Cazares

Apesar de ser o icônico guitarrista da banda, Dino Cazares esteve fora do Fear Factory entre os anos de 2003 e 2008. Neste período, o grupo lançou dois discos de estúdio sem tanta repercussão – “Archetype” (2004) e “Transgression” (2005).

Na turnê atual, apesar de não contar com qualquer membro presente na gravação destes dois discos, o Fear Factory vem executando a faixa “Archetype”. Cazares explicou a situação.

“Bem no começo, quando voltei, falei que não iria tocar nenhuma música daqueles discos. Concordamos e estávamos ok. Mas entre 2010 e agora, muitos fãs pediram essa música. Concordamos e tocamos ‘Cyberwaste’ e ‘Archetype’ (ambas do álbum “Archetype”, de 2004). Estava ok com isso. Percebemos que a resposta era boa, especialmente para ‘Archetype’. Então, decidimos manter. É a música mais famosa do disco. Estou tocando isso apenas porque os fãs querem. Mas não me sinto mal com isso. Os fãs querem, eu me acostumei, então está tudo bem.”

Roubado por gravadoras

Recentemente, o Fear Factory anunciou que renovou seu contrato com a gravadora alemã Nuclear Blast. Em muito, graças ao bom histórico de relacionamento do grupo com Monte Conner, renomado executivo ligado à gravadora Roadrunner, que lançou os trabalhos clássicos do grupo nos anos 90.

“Trabalhar com elas (as duas gravadoras) tem sido incrível, com ambas. Tivemos uma boa relação. Monte Conner foi quem nos assinou com a Roadrunner em 1989. Ele foi para a Nuclear Blast uns 10 anos atrás, mais ou menos, e assinou com o Fear Factory lá. Tive uma ótima relação de trabalho com ele por 30 anos e tem sido bom, adorei. Ele entende a banda, ele ama a banda. Então, nessa parte, tem sido ótimo”.

Porém, no passado, Cazares assume que nem tudo foi tão bom assim com a Roadrunner. Perguntado sobre a diferença de relação entre as gravadoras, o guitarrista aponta a como os contratos foram feitos.

“Lá atrás, quando assinamos com a Roadrunner, não sabíamos o que estávamos fazendo. O advogado que tínhamos em 1989 falava para não assinar o contrato, pois era muito ruim, mas queríamos mesmo assim para poder lançar nosso disco, queríamos que nossa banda fosse conhecida, e o melhor jeito para fazer isso era assinar um contrato, e foi isso que fizemos, mesmo considerando que fomos roubados no início. Quando a banda cresceu, pudemos renegociar. Em 2012, 2013, quando assinamos com a Nuclear Blast, estávamos bem mais conhecidos e esclarecidos, sabíamos do que estava no contrato. Estávamos mais instruídos.”

25 anos de “Obsolete”, o grande acerto

Em 2023, o disco de maior vendagem da banda, “Obsolete”, completa seu vigésimo quinto aniversário. Dino Cazares relembrou a trajetória inicial da banda que culminou com o lançamento do álbum.

“Quando ‘Soul of the New Machine’ saiu, death metal e grindcore estavam bem populares na época. Quando o ‘Demanufacture’ saiu, outros elementos do heavy metal estavam ficando populares, havia bandas como Korn e outras, mas não havia nada parecido na época e isso abriu várias portas para nós. Assim, a banda estava se desenvolvendo e crescendo.”

O sucesso de “Obsolete”, assim, Cazares atribui ao timing perfeito. E ao cover de Gary Numan, “Cars”, lançado na mesma época.

“Quando ‘Obsolete’ foi lançado em 1998, foi o timing perfeito, nós tínhamos muito groove, um groove bem pesado, tínhamos os graves, os elementos épicos, grandes canções como ‘Shock’, ‘Edgecrusher’, ‘Descent’, ‘Resurrection’, todas essas músicas, tenho certeza, são grandes clássicos do Fear Factory. Também ajudou que fizemos o cover de ‘Cars’, que tocou nas rádios rock comerciais nos EUA, o que nos ajudou a fazer o disco crescer, ser mais popular.”

O disco, conceitual, conta uma história sobre um futuro em que as máquinas assumiram o controle sobre os humanos. Com o avanço da inteligência artificial demonstrado por aplicativos como ChatGPT, talvez estejamos chegando próximo dele. Se timing é tudo, apresentar o disco na íntegra ao vivo interessa a Cazares.

“Sim, consideramos tocá-lo na íntegra. Seja por conta do disco estar completando 25 anos. E, definitivamente, pelo tema, criamos as canções numa sequência para encaixar na história. Agora, seria uma ótima hora para tocá-lo na íntegra. Vamos ver o que acontece. No momento, não há planos específicos, mas esperamos ter como fazer isso em algum ponto.”

O Fear Factory poderia ser maior

Não são poucas as bandas e os músicos de sucesso que citam o Fear Factory como influência. De Slipknot a Devin Townsend, passando até Bill Ward e Geezer Butler, que chamou o ex-vocalista da banda Burton C. Bell para cantar em seu primeiro disco solo, “Plastic Planet” (1995).

O Fear Factory, porém, viu o nu metal passar como um trator sobre o estilo de música pesada que vinham desenvolvendo e se tornar muito popular. Cazares, por sua vez, lembra que mesmo assim o movimento ajudou a banda:

“Sempre pensei que, como essas bandas estavam ficando populares, elas eram expostas às pessoas, especialmente na MTV e rádios comerciais, e estavam abrindo espaço para nós. Fizemos o cover ‘Cars’ e abriu espaço para nós, pois outras bandas de nu metal mais comerciais estavam na MTV e nas rádios. Tudo funcionou junto. Todas essas coisas se ajudaram.”

Cazares, no entanto, assume que a banda não soube aproveitar o momento para se tornar uma banda de maior sucesso e, mesmo recentemente, não colaborou para estar numa posição melhor no atual cenário de heavy metal.

“Sinto que houve muita coisa que evitou que isso acontecesse. Houve muitas perdas, muita negatividade, muito drama em torno de ex-integrantes. Isso nos impediu de aproveitar esse ‘momentum’ para ficarmos ainda maiores. Rolaram muitos passos para trás. Muitos erros, muitos erros. Não há motivo para entrar nisso. Foram muitos retrocessos. Houve um ponto entre 2016 e agora que não pudemos fazer shows. Desaparecer por 6 anos não é algo que ajuda uma banda”.

Após todo esse tempo, o Fear Factory está de volta aos palcos e tentando recuperar o tempo perdido. O vocalista não vê a hora de chegar ao Brasil e tocar para os fãs que não os abandonaram.

“Agradeço todo o apoio dos fãs brasileiros. Mal posso esperar para estar em São Paulo. Vamos às churrascarias, tomar caipirinhas e tudo o mais.”

Serviço – Fear Factory em São Paulo

  • Data: terça, 6 de junho de 2023
  • Local: Fabrique Club
  • Endereço: Rua Barra Funda, 1.075, 01152-000, Barra Funda, São Paulo, SP
  • Ingressos: a partir de R$150,00 no site PixelTicket

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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