Entrevista: Ville Valo fala sobre o álbum solo “Neon Noir”, HIM, Brasil e mais

Artista finlandês compôs e gravou sozinho todo o material presente em sua estreia solo, descrita por ele como uma “tentativa desesperada em fazer ‘Blade Runner’ virar música”

Ville Valo já nem parece mais o sujeito triste e reflexivo que o mundo conheceu por intermédio do HIM. Em uma entrevista de meia hora ao site, o vocalista estava tão solto e à vontade que ele próprio deu um tom mais informal à conversa, que teve o intuito de promover “Neon Noir” – seu primeiro álbum solo, lançado sob o nome VV (clique aqui para ouvir).

Talvez o peso que o HIM, grupo que encerrou atividades em 2017, exercia em suas costas fosse maior que o de compor e gravar um álbum completamente sozinho, em meio à pandemia. Ou talvez os aprendizados absorvidos com o fim da banda à qual integrou por mais da metade de sua vida o tenham deixado mais leve.

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A entrevista também conta com uma versão em vídeo, com legendas em português, que pode ser assistida abaixo.

Fazendo “Blade Runner” virar música

Fato é que Ville Valo se empolga ao falar sobre “Neon Noir”, disponibilizado no último mês de janeiro por seu próprio selo, Heartagram, em parceria com a Universal. Em material de divulgação, o próprio artista finlandês define o disco como sendo “o The Mamas and the Papas fantasiado de Metallica a caminho de uma festa de Halloween no Studio 54”. Tal frase foi lida para o artista, que pareceu ficar com um tiquinho de vergonha da criativa ideia, mas reforçou sua percepção ao ser perguntado sobre outras referências:

“Este álbum é a tentativa desesperada de um gótico finlandês em fazer (o filme) ‘Blade Runner’ virar música. A mistura de gêneros, sabe? O próprio título ‘Neon Noir’ soa bem ‘Blade Runner’. A sobreposição de luz e escuridão resulta em uma espécie de ‘escuridão brilhante’. É um álbum sombrio e melancólico, mas queria que passasse uma sensação de abraço caloroso. Não queria que soasse agressivo. É o coração gritando, algo tipo ‘Coração Valente’.”

A mencionada de abraço caloroso se refletiu em uma abordagem menos pesada que a do HIM. Este álbum não esconde seu apelo pop que também estava na ex-banda, mas por vezes disfarçado entre guitarras pesadas. Dá para dizer que, aqui, há mais Depeche Mode do que Black Sabbath. Ville concorda e aponta ainda que esta sonoridade não foi planejada:

“Amo música pesada, mas também amo muito música estranha como Jesu, projeto solo de Justin Broadrick, do Godflesh. São canções bem pesadas, mas muito melódicas e assombrosas. No HIM, talvez Linde (Mikko ‘Linde’ Lindström, guitarrista) e Gas (Mika ‘Gas Lipstick’ Karppinen, baterista) fossem headbangers de verdade, o que colaborava para esse som. Não há muito de Metallica no ‘Neon Noir’, aquele metal mais completo, mas há um pouco de Black Sabbath e de Queens of the Stone Age, bem como um pouco de influência de guitarras new wave dos 80s e de shoegaze. Amo isso tudo: coisas como The Jesus and Mary Chain e Black Rebel Motorcycle Club e coisas mais novas também, como Deafheaven – ouvi muito o álbum ‘Infinite Granite’, é bem único, soa como algo que ninguém havia feito antes. E também sempre fui um grande fã de guitarristas indie. Dinosaur Jr, Smashing Pumpkins, grandes e maciços sons de guitarra formando uma parede de som.”

O mais importante: Valo quis seguir se distanciando da sonoridade de “f#dão” ou “machão”, que ele diz existir em tantas bandas de rock. O objetivo, ainda mais a essa altura da carreira, não é soar “maior” ou “melhor” que o outro. O próprio HIM tentava se desvencilhar constantemente dessa percepção, frequente no metal como um todo.

Ponte entre passado e futuro

Por falar em HIM, Ville Valo diz que “Neon Noir” é como uma ponte entre sua ex-banda e o futuro. Ainda é estranho para ele pensar no antigo projeto como algo que já acabou, já que ele compartilhou boa parte de sua vida com os antigos colegas, mas o novo disco não busca romper com nada ou ninguém do passado.

“Estou indo mais devagar. Não queria me desvencilhar do meu passado. Queria abraçar tudo isso, porque acho que é parte importante de quem eu sou. Nesse sentido, é, sim, um ponto de transição. Não sei para onde vou, mas vou para algum lugar. É importante continuar em movimento em vez de ficar parado.”

Se o HIM foi encerrado em 2017, seu álbum final, “Tears on Tape”, saiu ainda antes, em 2013 – ou seja, há uma década. O cantor não se manteve parado até chegar ao novo álbum: uma de suas colaborações foi com o Agents, banda finlandesa dos anos 1980 da qual era fã e junto de quem gravou um álbum, “Ville Valo & Agents” (2019). Questionado sobre seus aprendizados na última década, Valo reconheceu que o principal em âmbito profissional foi perceber que existia vida sem seu grupo.

“Talvez a maior mudança foi que eu não conseguia imaginar a vida sem o HIM e tive medo do que aconteceria e de como iria me sentir depois que a banda acabasse. Ainda assim, sentimos que era o único caminho a seguir. Por isso, fiquei positivamente surpreso quando um dia após o show final, me senti exatamente da mesma forma. Nada havia mudado. Senti um alívio por tudo ter acabado. Acho que estou um pouco mais zen e paciente hoje em dia – mas gostaria de não estar. [risos] Minha personalidade está sempre dizendo ‘quero tudo agora’, mas faz parte do trabalho e do entusiasmo que tenho pela música, então tenho tentado diminuir isso um pouco.”

Conexão Brasil-Finlândia

Por algum motivo, Ville Valo acredita haver uma forte conexão entre sua gélida Finlândia e o Brasil tropical, o qual visitou para shows em 2014 (São Paulo) e 2015 (SP e Rio). Não é só na base do palpite ou da fala pronta para agradar fã: ele citou alguns de seus conterrâneos que adoram e até moraram por aqui.

“Wayne Hussey, do The Mission, morou no Brasil por muito tempo, então foi ótimo encontrá-lo aí. Ele sempre me conta sobre o país, porque ele ama o Brasil. Acho que o diretor finlandês Mika Kaurismäki, muito conhecido por aqui, também morou no Brasil. Ouvi muito sobre o país antes. E também tinha tudo aquilo do Sepultura, que eles ouviam bandas finlandesas antigas, então sempre existiu essa estranha ligação entre Brasil e Finlândia, não me pergunte o motivo. Acho que ambos podemos ser loucos, esse pode ser o motivo. [risos]”

Convidado a compartilhar suas lembranças das passagens do HIM pelo país, ele se recorda especialmente do Rio de Janeiro.

“Lembro de passear de carro nas cidades. Lembro de São Paulo, era bonito de ver, me lembrou dos clipes do Sepultura. Nunca havia visto aquelas artes nos muros, o grafite e tudo o mais. E no Rio ficamos em um hotel em Copacabana, então podíamos ver o mar e nos sentimos mais como turistas. Lembro que Mige (Mikko ‘Mige’ Paananen, baixista) foi dar um mergulho e os fãs tiraram fotos dele. Foi engraçado porque Mige é um cara grande, então ficou parecendo uma grande baleia finlandesa saindo da água. [risos] Ele ficou todo bravo por não ter sido deixado em paz. Não tivemos tempo de fazer nada, o que geralmente é o caso em turnês, onde você pega voos no dia antes de cada show ou no dia seguinte e vai para a próxima cidade. Adoraria voltar e estamos realmente trabalhando para que isso aconteça. Espero que o ‘Neon Noir’ possa ter uma turnê por aí ainda esse ano, ou talvez no começo do ano que vem.”

Um quarto de século do hit

No próximo ano, o single “Join Me in Death” completa 25 anos de lançamento. Presente no segundo álbum do HIM, “Razorblade Romance” (2000), a faixa foi disponibilizada como compacto antes mesmo do disco sair.

Como Ville Valo não está disposto a apagar o passado, lembranças muito vívidas sobre a composição e a popularidade da canção que expôs sua banda ao estrelato mundial foram compartilhadas durante o bate-papo. Creditado como único compositor da música, o vocalista destacou que a concepção foi iniciada a partir de um baixo, mas desenvolvida em um teclado – comprado com a primeira grana de direitos autorais recebida por ele, pelo álbum “Greatest Lovesongs Vol. 666” (1997).

“Eu não tinha guitarra, compus todos os riffs em um baixo de quatro cordas, porque já fui baixista e esse foi meu primeiro instrumento. Gastei uma grana em um teclado parecido com um Korg e tinha um sequenciador, que eu nunca havia usado antes. O piano de ‘Join Me in Death’ foi uma das primeiras coisas em que pensei. Não sou pianista, então tive que procurar as notas, e levei um bom tempo para descobrir o clima, o modo e o tempo certos.”

Com o cerne da composição finalizado, eis que Valo mostrou o resultado aos colegas – alguns deles, vale lembrar, headbangers natos. Claro que a resposta não foi das mais calorosas em um primeiro momento.

“Eles a acharam pop demais [risos]. Demorou um pouco. Fizemos várias demos dela e como não havia redes sociais nem celulares com câmera, dava para testar músicas ao vivo e ver a reação do público. Nos festivais pela Europa, já havia pessoas cantando junto ‘Join Me in Death’ após ouvi-la apenas ao vivo. Em 1999, nossa gravadora alemã perguntou se tínhamos alguma música pronta, porque havia a chance de ela estar em um filme alemão. ‘Join Me in Death’ era a primeira pronta. Eles falaram: ‘essa não é boa, mas vamos arriscar’. A gravadora dizia que não era boa, não era um hit, mas aí chegamos ao topo das paradas e os mesmos caras diziam: ‘já sabíamos que seria um hit’, ‘é fantástica’ [risos]. É sempre assim.”

Outra memória curiosa de Ville com relação a seu maior hit tem a ver com a ocasião em que foi informado sobre a conquista do topo das paradas da Alemanha – a faixa também foi número 1 na Finlândia.

“Acho que foi no final de 1999 ou bem no começo de 2000. Liderou as paradas da Alemanha, o que era algo bem grande para uma banda finlandesa. Mige e eu estávamos num bar e recebemos um telefonema da nossa gravadora na Alemanha dizendo: ‘a música chegou ao topo das paradas, parabéns’. Eles estavam brindando com garrafas de champanhe ou coisas do tipo, mas eu e Mige tínhamos dinheiro apenas para um único copo de cerveja, que podíamos dividir, então a gente dava um gole e parabenizava um ao outro assim. [risos] Foi um ponto de transição. Aquela música mudou a carreira do HIM devido a ter se tornado um grande hit. E transcendeu: tocava tanto em discotecas quanto em casas de rock. Mudou a forma como as pessoas nos viam. Éramos uma banda de metal e de repente estávamos na capa de revistas adolescentes de música pop, o que era engraçado e esquisito ao mesmo tempo [risos]. Não durou muito, mas nos ajudou a abrir algumas novas portas e chamar a atenção de pessoas que normalmente não se interessariam por esse tipo de música.”

A entrevista também conta com uma versão em vídeo, com legendas em português, que pode ser assistida abaixo.

Ouça “Neon Noir” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

VV (Ville Valo) – “Neon Noir”

  1. Echolocate Your Love
  2. Run Away From The Sun
  3. Neon Noir
  4. Loveletting
  5. The Foreverlost
  6. Baby Lacrimarium
  7. Salute The Sanguine
  8. In Trenodia
  9. Heartful Of Ghosts
  10. Saturnine Saturnalia
  11. Zener Solitaire
  12. Vertigo Eyes

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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