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“American Idiot”, do Green Day: um dos últimos clássicos do rock

Disco nasceu do zero após fitas originais de outro trabalho, que seria lançado naquele momento, foram roubadas

Os anos 2000 são de inconstância no rock. Especialmente a segunda metade. A primeira traz bons trabalhos, com certo ar de renovação. Dessas propostas, um dos que chegou mais próximo de se tornar um clássico do rock – e para mim, pode ser considerado como tal – foi “American Idiot”, do Green Day.

Curiosamente, “American Idiot” nem teria nascido – ou talvez fosse concebido de outra forma, anos depois. Em meados de 2002, o Green Day estava gravando outro disco, intitulado “Cigarettes And Valentines”. Mas no meio de 2003, as trilhas para masterização, com todas as gravações, foram roubadas. O trabalho seguiria a linha punk rock que o trio apresentou em álbuns como “Kerplunk”, segundo o vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong. O material não foi encontrado e jamais viu a luz do dia.

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Outras bandas regravariam algo semelhante ao que já estava pronto. Porém o Green Day decidiu compor algo novo, do zero. Além: a proposta do vindouro novo trabalho seria bem diferente do anterior. “American Idiot” não tem nada de básico. A essência punk rock aliada a melodias pop foi mantida. O trio, no entanto, fez o novo disco em formato de opera rock, que conta a história do anti-heróí Jesus Of Suburbia.

Canções muito bem trabalhadas, incluindo duas faixas com mais de 9 minutos de duração, marcaram a proposta de “American Idiot”. Ao mesmo tempo que o álbum mistura tudo o que o grupo fez até então, traz influências de gêneros que jamais foram trabalhados na discografia anterior. O disco vai do punk rock ao pop punk, com pitadas de outras vertentes do rock, como progressivo, alternativo e um ou outro momento do folk.

A faixa-título abre o disco sem nada muito inovador: guitarras distorcidas, riff de impacto, rítmica tipicamente punk rocker e uma letra crítica e muito bem feita. Boa abertura, que prepara muito bem os ouvidos para “Jesus of Suburbia”, que vem em seguida. Conceitual, a música começa a contar a história do personagem de mesmo nome, que guia o trabalho. São cinco momentos na mesma canção. O trio se mostra no auge da criatividade, com variações incríveis que, mesmo assim, demonstram unidade. Ou seja, são cinco partes em uma, sem distinções bruscas. Os melhores nove minutos do gênero, sem dúvidas.

“Holiday” segue com a pitada pop rock demonstrada no disco anterior, “Warning”, até pelo destaque dado aos vocais – mas aqui não se abre mão da guitarra distorcida. Nítida influência de The Clash. “Boulevard Of Broken Dreams” emenda na sequência como uma boa balada. Mas em que mundo uma banda com influência do punk rock pode fazer uma balada? O Green Day pode, sem soar piegas. A climática e cadenciada “Are We The Waiting” é marcada pela bateria de Tré Cool. Boa música, mas é quase uma introdução para a agressiva “St. Jimmy”, com um pé no punk rock sem abandonar os bons ganchos melódicos. Todo o instrumental aqui é bem trabalhado.

A calma “Give Me Novocaine” volta a ter um toque do folk rock no álbum. A música é mediana, mas sua posição no disco é ruim, mesmo com o conceito por trás de “American Idiot”. A punk e curtinha “She’s A Rebel” lembra toda a aura dos discos iniciais do Green Day. “Extraordinary Girl”, por sua vez, começa bem diferente, com instrumentos diferentes de percussão. Depois de alguns segundos, descamba para um pop punk grudento e gostoso.

Os riffs de “Letterbomb” lembram um pouco a faixa de abertura, mas é algo passageiro. A canção tem o próprio charme, apesar do estilo semelhante. “Wake Me Up When September Ends” é outra ótima balada de uma banda da qual, naturalmente, poucos esperariam uma canção do tipo. A entrada do instrumental é gradual: a música começa guiada apenas por voz e violão, depois entram piano e percussão, até que bateria, guitarra e baixo terminam a transição. Mesmo com o abuso da mesma melodia por quase toda a música, ela se torna dinâmica pela forma que é trabalhada e pela distribuição dos instrumentos.

“Homecoming” segue o modelo de “Jesus Of Suburbia”: cinco músicas em uma, com um modelo conceitual. No entanto, é menos poderosa. Lembra muito o The Who em determinados momentos da carreira. A faixa demora para engrenar. Vale a audição pelas mudanças melódicas e pelos ótimos trechos cantados por Mike Dirnt e Tré Cool. O final com “Whatsername” é muito parado e previsível para um disco tão forte, apoteótico e inesperado. Metade da canção é conduzida de forma calma, com guitarra abafada e cozinha contida. Só explode do meio para frente, que é empolgante.

O mercado recebeu “American Idiot” de braços abertos. O disco ficou em primeiro lugar nas paradas de 19 países. Estima-se que 15 milhões de cópias foram vendidas por todo o mundo. Os cinco singles foram bem aceitos: a faixa título, “Boulevard Of Broken Dreams”, “Holiday”, “Wake Me Up When September Ends” e “Jesus Of Suburbia”.

Depois, infelizmente, o Green Day nunca mais foi o mesmo. Provavelmente a cobrança para chegar a esse patamar novamente impediu que discos futuros soassem mais espontâneos. O álbum seguinte só foi lançado em 2009. Intitulado “21st Century Breakdown”, o trabalho não correspondeu ao mesmo nível de qualidade. E diferente de “American Idiot”, pouco inovou. A trilogia seguinte (“¡Uno!”, “¡Dos!” e “¡Tré!”, de 2012 e 2013) até retoma a pegada, apesar de soar um pouco sem inspiração em alguns momentos.

“American Idiot” é diferente. Ultrajante, explosivo, imprevisível e clássico. Parece ter sido planejado do primeiro ao último acorde. Todas as composições são bem trabalhadas e as letras mostram Billie Joe Armstrong em momento de inspiração sublime. Dez anos depois, esse disco pode ser considerado um dos últimos clássicos da história do rock.

Green Day – “American Idiot”

Billie Joe Armstrong (vocal, guitarra)
Mike Dirnt (baixo)
Tré Cool (bateria)

Músicos adicionais:

Rob Cavallo (piano)
Jason Freese (saxofone)
Kathleen Hanna (vocal adicional em 10)

  1. American Idiot
  2. Jesus of Suburbia
    I. Jesus of Suburbia
    II. City of the Damned
    III. I Don’t Care
    IV. Dearly Beloved
    V. Tales of Another Broken Home
  3. Holiday
  4. Boulevard of Broken Dreams
  5. Are We The Waiting
  6. St. Jimmy
  7. Give Me Novacaine
  8. She’s A Rebel
  9. Extraordinary Girl
  10. Letterbomb
  11. Wake Me Up When September Ends
  12. Homecoming
    I. The Death of St. Jimmy
    II. East 12th St.
    III. Nobody Likes You
    IV. Rock and Roll Girlfriend
    V. We’re Coming Home Again
  13. Whatsername

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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“American Idiot”, do Green Day: um dos últimos clássicos do rock

Disco nasceu do zero após fitas originais de outro trabalho, que seria lançado naquele momento, foram roubadas

Os anos 2000 são de inconstância no rock. Especialmente a segunda metade. A primeira traz bons trabalhos, com certo ar de renovação. Dessas propostas, um dos que chegou mais próximo de se tornar um clássico do rock – e para mim, pode ser considerado como tal – foi “American Idiot”, do Green Day.

Curiosamente, “American Idiot” nem teria nascido – ou talvez fosse concebido de outra forma, anos depois. Em meados de 2002, o Green Day estava gravando outro disco, intitulado “Cigarettes And Valentines”. Mas no meio de 2003, as trilhas para masterização, com todas as gravações, foram roubadas. O trabalho seguiria a linha punk rock que o trio apresentou em álbuns como “Kerplunk”, segundo o vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong. O material não foi encontrado e jamais viu a luz do dia.

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Outras bandas regravariam algo semelhante ao que já estava pronto. Porém o Green Day decidiu compor algo novo, do zero. Além: a proposta do vindouro novo trabalho seria bem diferente do anterior. “American Idiot” não tem nada de básico. A essência punk rock aliada a melodias pop foi mantida. O trio, no entanto, fez o novo disco em formato de opera rock, que conta a história do anti-heróí Jesus Of Suburbia.

Canções muito bem trabalhadas, incluindo duas faixas com mais de 9 minutos de duração, marcaram a proposta de “American Idiot”. Ao mesmo tempo que o álbum mistura tudo o que o grupo fez até então, traz influências de gêneros que jamais foram trabalhados na discografia anterior. O disco vai do punk rock ao pop punk, com pitadas de outras vertentes do rock, como progressivo, alternativo e um ou outro momento do folk.

A faixa-título abre o disco sem nada muito inovador: guitarras distorcidas, riff de impacto, rítmica tipicamente punk rocker e uma letra crítica e muito bem feita. Boa abertura, que prepara muito bem os ouvidos para “Jesus of Suburbia”, que vem em seguida. Conceitual, a música começa a contar a história do personagem de mesmo nome, que guia o trabalho. São cinco momentos na mesma canção. O trio se mostra no auge da criatividade, com variações incríveis que, mesmo assim, demonstram unidade. Ou seja, são cinco partes em uma, sem distinções bruscas. Os melhores nove minutos do gênero, sem dúvidas.

“Holiday” segue com a pitada pop rock demonstrada no disco anterior, “Warning”, até pelo destaque dado aos vocais – mas aqui não se abre mão da guitarra distorcida. Nítida influência de The Clash. “Boulevard Of Broken Dreams” emenda na sequência como uma boa balada. Mas em que mundo uma banda com influência do punk rock pode fazer uma balada? O Green Day pode, sem soar piegas. A climática e cadenciada “Are We The Waiting” é marcada pela bateria de Tré Cool. Boa música, mas é quase uma introdução para a agressiva “St. Jimmy”, com um pé no punk rock sem abandonar os bons ganchos melódicos. Todo o instrumental aqui é bem trabalhado.

A calma “Give Me Novocaine” volta a ter um toque do folk rock no álbum. A música é mediana, mas sua posição no disco é ruim, mesmo com o conceito por trás de “American Idiot”. A punk e curtinha “She’s A Rebel” lembra toda a aura dos discos iniciais do Green Day. “Extraordinary Girl”, por sua vez, começa bem diferente, com instrumentos diferentes de percussão. Depois de alguns segundos, descamba para um pop punk grudento e gostoso.

Os riffs de “Letterbomb” lembram um pouco a faixa de abertura, mas é algo passageiro. A canção tem o próprio charme, apesar do estilo semelhante. “Wake Me Up When September Ends” é outra ótima balada de uma banda da qual, naturalmente, poucos esperariam uma canção do tipo. A entrada do instrumental é gradual: a música começa guiada apenas por voz e violão, depois entram piano e percussão, até que bateria, guitarra e baixo terminam a transição. Mesmo com o abuso da mesma melodia por quase toda a música, ela se torna dinâmica pela forma que é trabalhada e pela distribuição dos instrumentos.

“Homecoming” segue o modelo de “Jesus Of Suburbia”: cinco músicas em uma, com um modelo conceitual. No entanto, é menos poderosa. Lembra muito o The Who em determinados momentos da carreira. A faixa demora para engrenar. Vale a audição pelas mudanças melódicas e pelos ótimos trechos cantados por Mike Dirnt e Tré Cool. O final com “Whatsername” é muito parado e previsível para um disco tão forte, apoteótico e inesperado. Metade da canção é conduzida de forma calma, com guitarra abafada e cozinha contida. Só explode do meio para frente, que é empolgante.

O mercado recebeu “American Idiot” de braços abertos. O disco ficou em primeiro lugar nas paradas de 19 países. Estima-se que 15 milhões de cópias foram vendidas por todo o mundo. Os cinco singles foram bem aceitos: a faixa título, “Boulevard Of Broken Dreams”, “Holiday”, “Wake Me Up When September Ends” e “Jesus Of Suburbia”.

Depois, infelizmente, o Green Day nunca mais foi o mesmo. Provavelmente a cobrança para chegar a esse patamar novamente impediu que discos futuros soassem mais espontâneos. O álbum seguinte só foi lançado em 2009. Intitulado “21st Century Breakdown”, o trabalho não correspondeu ao mesmo nível de qualidade. E diferente de “American Idiot”, pouco inovou. A trilogia seguinte (“¡Uno!”, “¡Dos!” e “¡Tré!”, de 2012 e 2013) até retoma a pegada, apesar de soar um pouco sem inspiração em alguns momentos.

“American Idiot” é diferente. Ultrajante, explosivo, imprevisível e clássico. Parece ter sido planejado do primeiro ao último acorde. Todas as composições são bem trabalhadas e as letras mostram Billie Joe Armstrong em momento de inspiração sublime. Dez anos depois, esse disco pode ser considerado um dos últimos clássicos da história do rock.

Green Day – “American Idiot”

Billie Joe Armstrong (vocal, guitarra)
Mike Dirnt (baixo)
Tré Cool (bateria)

Músicos adicionais:

Rob Cavallo (piano)
Jason Freese (saxofone)
Kathleen Hanna (vocal adicional em 10)

  1. American Idiot
  2. Jesus of Suburbia
    I. Jesus of Suburbia
    II. City of the Damned
    III. I Don’t Care
    IV. Dearly Beloved
    V. Tales of Another Broken Home
  3. Holiday
  4. Boulevard of Broken Dreams
  5. Are We The Waiting
  6. St. Jimmy
  7. Give Me Novacaine
  8. She’s A Rebel
  9. Extraordinary Girl
  10. Letterbomb
  11. Wake Me Up When September Ends
  12. Homecoming
    I. The Death of St. Jimmy
    II. East 12th St.
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