Como o pesado “Fireworks” encerrou a era Andre Matos no Angra

Mesmo sem referências clássicas ou étnicas, disco fez grande sucesso e rendeu as maiores turnês internacionais do grupo — o que não impediu ruptura

Na época, poucas pessoas sabiam, mas o vocalista Andre Matos já havia decidido deixar o Angra assim que encerrada a turnê de “Holy Land” (1996), a fim de se concentrar no Virgo, seu projeto em colaboração com o produtor e multi-instrumentista alemão Sascha Paeth. A banda chegou a ensaiar com Edu Falaschi como possível substituto de Andre, mas este foi convencido a permanecer.

Avançando para 1998, o ano começou com o Angra ensaiando para gravar seu terceiro álbum de estúdio, intitulado “Fireworks”. Foi o baterista Ricardo Confessori quem teve a ideia para o título, que, de acordo com Andre, refletia bem o momento da banda. Em uma entrevista à Rock Brigade, ele explicou:

“Ele representa muito do que estamos tentando fazer em nossa música. A gente poderia analisar esse nome como algo potente, perigoso, agressivo, mas que, ao mesmo tempo exerce um fascínio sobre as pessoas, porque é uma coisa delicada e bonita.”

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Mas delicadeza e beleza não puseram mesa, e “Fireworks” viria a ser seu último disco no Angra.

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Mudanças de pessoal e no processo

Apesar de ter sido considerado inovador quando foi lançado em 1996, “Holy Land” recebeu críticas por sua abundância de teclados e adornos em detrimento do peso. Portanto, o Angra sentiu a necessidade de adotar uma abordagem mais pesada e, em razão disso, optou por trocar de produtor.

O escolhido para produzir e gravar o novo álbum foi Chris Tsangarides, que já havia trabalhado em álbuns aclamados como “Painkiller”, do Judas Priest, e “Tattooed Millionaire”, o primeiro trabalho solo de Bruce Dickinson do Iron Maiden, ambos lançados em 1990, além de diversos outros títulos.

Uma característica distintiva de Tsangarides era sua preferência por gravações analógicas. No caso do Angra, isso resultou em uma sonoridade mais orgânica, conforme mencionado por Andre Matos em uma entrevista à Roadie Crew:

“Em termos de som ficou bem melhor. Você ouve a qualidade do som e impressiona. É um som que parece ser ao vivo e isso vem da gravação analógica.”

O vocalista ainda compara o som de “Fireworks” com o do predecessor, produzido pelo alemão Charlie Bauerfiend:

“Ele [Charlie] fazia tudo digital, e até a mixagem era feita no computador. Isso te dá um som perfeito, mas é bem mais frio. Não dá para sentir aquele ‘punch’ típico do analógico e por isso achei o ‘Fireworks’ superior. Ao mesmo tempo, um disco como o ‘Holy Land’ só poderia ter sido gravado em digital mesmo, pois é muito cheio de detalhes. Já o ‘Fireworks’ é um álbum mais direto e não tem tantas variações. Nós não estávamos buscando um antiperfeccionismo, mas sim um som mais quente.”

Uma mudança adicional ocorreu no processo de composição das músicas. Diferentemente do que haviam feito em “Holy Land”. Matos, Ricardo Confessori, os guitarristas Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro e o baixista Luís Mariutti optaram por não se isolar em um sítio para compor.

Essa abordagem menos colaborativa resultou em um maior número de músicas com apenas um autor. Andre assina individualmente “Wings of Reality”, “Lisbon” e “Speed”, enquanto Rafael o faz em “Petrified Eyes”. Outras músicas foram compostas por dois autores, como é o caso de “Gentle Change”, escrita por Rafael e Ricardo.

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A Clovis Roman e Gustavo Maiato, autores de “Andre Matos: A Obra” (Estética Torta, 2023), Bittencourt explica as causas do trabalho individualizado:

“Na época do ‘Fireworks’ havia conflitos. O Andre havia decidido sair e convencemos ele a ficar. Foi um disco com muitas incertezas, até sobre se ele [Andre] ficaria depois do disco, e acabou que realmente não ficou. A banda fez os arranjos finais [junta], mas cada um gravou sua parte [separadamente] na Inglaterra.”

O guitarrista fala também a respeito da sonoridade resultante:

“Era uma coisa de volta às raízes. Fomos completamente contra qualquer tendência criada e a gente fez uma homenagem às nossas referências: Iron Maiden, Rush, Black Sabbath, todas essas bandas que nos influenciaram. É um trabalho de fogo, mais visceral, com mais energia.”

Balada como single e lado B como favorita

Apesar das mencionadas “volta às raízes” e “homenagens às nossas referências”, curiosamente, o único single lançado de “Fireworks” foi uma balada: “Lisbon”. Na ocasião, Andre Matos explicou à Rock Brigade a ideia por trás da letra:

“Nós tocamos em Lisboa [Portugal], mas ficamos muito pouco tempo na cidade, apenas meio dia. E a gente queria ver um pouco do lugar. Então, depois do show, fomos dar uma volta. Como era de madrugada, tudo estava meio deserto e na porta de uma catedral tinha uma mendiga, uma dessas mulheres portuguesas que se vestem de preto, cantando uma música. O que ela cantava é o que está na letra de ‘Lisbon’.”

Sobre a música em si, o vocalista a descreveu de maneira sucinta na época de seu lançamento:

“É uma balada heavy, não uma balada melosa. Tem partes nela que são heavy, com algumas passagens de bateria desdobrada, bem thrash.”

Uma característica marcante de “Lisbon” é o fato de apresentar um solo de teclado executado por Andre, algo único em sua trajetória com o grupo. Em um workshop realizado anos mais tarde, o vocalista revelou que a lendária introdução da música foi inspirada pelo irritante som de um despertador.

No Brasil, a faixa foi muito bem recebida, tanto que na época de seu lançamento existia um serviço telefônico para o qual os fãs podiam ligar e ouvir a música, pagando dois reais por minuto. De acordo com o banco de dados Setlist.fm, é a sétima canção mais executada pelo Angra em toda a sua carreira.

Apesar de todos os seus méritos, inclusive o fato de ter suas partes orquestradas gravadas no lendário Abbey Road, em Londres, “Lisbon” não era a música favorita de Andre em “Fireworks”. Essa distinção pertencia a “Paradise”, que o vocalista considerava a melhor do álbum. Embora não tenha participado da composição, Rafael Bittencourt reconhece esse fato:

“Parece até uma unanimidade dentro da banda e os fãs que ‘Paradise’ é uma das melhores do ‘Fireworks’. Ela é realmente muito boa, eu acho primoroso o trabalho do Andre. Eu não participei da composição, a observo da mesma maneira que você, em completo deleite e admiração.”

“Eu não acredito que isso é pra mim”

“Fireworks” foi lançado em 14 de julho de 1998 e alcançou sua melhor posição nas paradas francesas, atingindo o 41º lugar. Durante os anos de 1998 e 1999, o Angra embarcou em uma extensa turnê, se apresentando em renomados festivais, como o Wacken Open Air (Alemanha), o Dynamo Open Air (Holanda), o Gods of Metal (Itália) e o Monsters of Rock (Argentina). Em alguns desses, a banda teve uma posição de destaque, se apresentando logo antes do headliner.

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Em 16 de janeiro de 1999, durante um show em Paris, Bruce Dickinson, então fora do Iron Maiden, subiu ao palco para cantar “Flight of Icarus” e “Run to the Hills”, duas músicas da banda que o consagrou e para a qual anunciaria seu retorno algumas semanas mais tarde. Sobre esse episódio, Andre Matos comentou em uma entrevista concedida a Clovis Roman em 2001, reproduzida em “Andre Matos: A Obra”:

“Foi o maior sonho da minha vida. Aquele dia é uma coisa que não sai da minha memória. Eu acho que se cheguei a delirar um dia, foi aquilo de tocar com o Bruce. Dificilmente eu conseguirei repetir aquilo, em nível de emoção. Para mim, foi realmente uma realização muito grande estar com o meu ídolo. Inclusive, falei pra ele: ‘eu não acredito que isso é pra mim’.”

Nos últimos shows, mesmo para aqueles menos informados, era evidente que o clima entre os membros da banda não estava bom. No final de 1999, o Angra encerrou a turnê e, em seguida, tanto Matos quanto o próprio Angra publicaram cartas ao público, explicando seus lados na separação. O vocalista deixou a banda, juntamente com Luís Mariutti e Ricardo Confessori.

Enquanto o Angra seguiu em frente com uma nova formação — a Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro se juntaram Edu Falaschi, o baixista Felipe Andreoli e o baterista Aquiles Priester —, Andre, Luís e Ricardo em breve começariam um novo e impactante capítulo em sua carreira com o Shaman, ultrapassando as fronteiras do nicho do metal e tendo uma de suas músicas incluída na trilha sonora de uma novela, levando-os ao mainstream.

Angra — “Fireworks”

  • Lançado em 14 de julho de 1998 pela Paradoxx / SPV / Steamhammer / JVC
  • Produzido por Chris Tsangarides

Faixas:

  1. Wings of Reality”
  2. Petrified Eyes
  3. Lisbon
  4. Metal Icarus
  5. Paradise
  6. Mystery Machine
  7. Fireworks
  8. Extreme Dream
  9. Gentle Change
  10. Speed
  11. Rainy Nights” (bônus no Japão)

Músicos:

  • Andre Matos (vocal, piano, teclados)
  • Kiko Loureiro (guitarra e violão)
  • Rafael Bittencourt (guitarra, violão, programação de computador e teclados na faixa 9)
  • Luis Mariutti (baixo)
  • Ricardo Confessori (bateria)

Músicos adicionais:

  • Sascha Paeth (programação de computador e teclados, exceto na faixa 9)
  • Phil Nicholas (programações adicionais)

Orquestra:

  • Bem Cruft, Bill Benham, Boguslav Kostecki, Dave Nolan, Dave Woodcock, Dermot Crehan, Gavyn Wright, Maciej Rakowski, Pat Kiernan, Perry Montague-Mason, Peter Oxer, Rebecca Hirsch, Roger Garland, Vaughan Armoon (violinos)
  • Andy Parker, Bob Smissen, Don Mcvay, George Robertson, Jonathan Barritt, Peter Lale (violas)
  • Anthony Pleeth, Cathy Giles, Dave Daniels, Justin Pearson, Martin Loveday, Paul Kegg (violoncelos)
  • Andre Matos, Sascha Paeth e Graham de Wilde (arranjos de orquestra)
  • Graham de Wilde (regência de orquestra)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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