Entrevista: Bobby “Blitz” Ellsworth comenta modernidade oitentista de novo álbum do Overkill

Vocalista lendário do thrash metal fala com empolgação sobre “Scorched”, vigésimo lançamento do grupo

Na ativa há mais de três décadas e meia, o Overkill é daqueles nomes responsáveis por hastear a bandeira de um gênero; no caso, o thrash metal cujos fundamentos ajudou a estabelecer.

Apesar disso, “Scorched”, seu vigésimo álbum de estúdio que está prestes a ser lançado (14 de abril, via Nuclear Blast Records), soa mais heavy tradicional do que qualquer outra coisa. Nas letras predomina um otimismo incomum aos discos gravados de maneira remota em plena pandemia; e improvável dadas as circunstâncias em que se encontrava a vida do vocalista e principal letrista da banda, Bobby “Blitz” Ellsworth, durante o processo de composição do material.

- Advertisement -

No bate-papo abaixo, após recontar os passos que levaram a “Scorched”, Blitz comenta o 35º aniversário de um dos trabalhos mais icônicos do Overkill, além de versar sobre a longevidade desta verdadeira instituição do metal, relembrar passagens pelo Brasil e revelar, para surpresa de todos, quais artistas atualmente tomam conta de sua playlist.

Entrevista com Bobby “Blitz” Ellsworth

Fúria oitentista com letras otimistas

Com lançamento previsto para 14 de abril, “Scorched” é exatamente o que se poderia esperar de um álbum pós-pandêmico do Overkill: 51 minutos furiosos e de tirar o fôlego, como se refletissem uma ânsia inquieta pela volta da normalidade. A estase imposta possibilitou um processo de criação livre de pressões em relação a deadlines e afins.

Para Bobby, os mais de dois anos e meio que “Scorched” levou para ser concluído o tornam especial se comparado a seus antecessores diretos, mas não só isso. Ele diz:

“A palavra-chave por aqui é ‘influência’. Tudo o que influenciou a banda ao longo dos anos está presente neste disco; heavy metal, thrash metal, groove, rock ‘n’ roll. E reunimos tudo isso de maneira que soasse não apenas como um disco do Overkill, mas como um disco lançado em 2023. A produção conferiu um punch moderno à bateria sem prejudicar a integridade das músicas, e isso, para mim, é o que torna este disco mais interessante; é como se fossem eras distintas soando simultaneamente.”

Por mais que o vocalista tenha citado um leque de influências, “Scorched” soa mais heavy tradicional do que qualquer outra coisa. Tal redirecionamento não foi acidente ou mera coincidência; mas ele tira dos ombros a responsabilidade pela assinatura sonora do álbum, delegando-a a seu braço direito, o baixista D.D. Verni:

“As músicas começam com ele [D.D.], e conforme eu recebia as demos, foi ficando claro para mim que estávamos, sim, rumando em direção a um som mais oitentista. Desde a introdução da faixa 1 [‘Scorched’], que são só duas guitarras, até os riffs pesados de ‘Wicked Place’ ou ‘Goin’ Home’; tudo neste disco nos leva de volta a 1983.”

Como muitos álbuns gravados durante a pandemia, “Scorched” tomou forma de maneira remota, com cada integrante do Overkill gravando suas partes de casa ou em estúdio separadamente. Sujeito das antigas, Blitz à princípio torceu o nariz para o que acabaria se revelando o único jeito de a banda trabalhar em meio às restrições impostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas hoje, com o álbum na bica de ser lançado, sua percepção é outra:

“Considerando que não havia escolha, fico feliz de termos conseguido gravar um disco durante a m#rda da pandemia. Foi a única coisa normal no meio de tanta anormalidade. Uma porrada de gente morrendo e as pessoas desesperadas porque os bares estavam fechando! Enfim, agora que vi que é possível compor e gravar remotamente, com certeza é algo que nós adotaremos a fim de otimizar nosso tempo e fazer discos ainda melhores.”

Sem dúvida, a pandemia também proveu inspiração para as letras, mas a verdade é que o fantástico mundo de Bobby havia virado de pernas pro ar bem antes de o coronavírus chegar à Europa. “Minha esposa pediu o divórcio e meu cachorro morreu”, conta ele. Mas negatividade? Nem pensar!

“Não quis entrar numa de ficar sentindo pena de mim mesmo. Procurei enxergar como um recomeço. Não que eu tenha mudado um fio de cabelo durante o lockdown, mas era apenas eu trancado dentro de casa, então fiz o que estava ao meu alcance para tirar o melhor proveito disso. Negatividade nunca foi algo presente nas letras do Overkill. Por mais que tenhamos feito músicas mais ‘dark’ no passado, nunca fomos uma banda do tipo depressiva. Daí eu ter optado por rejeitar toda essa m#rda e escrever letras com uma pegada mais positiva. E o resultado fala por si só.”

Os preferidos da casa

“Under the Influence”, terceiro álbum de estúdio e que muitos consideram um dos melhores lançados pelo Overkill, completa 35 anos de lançamento em 2023. Não obstante a idolatria, o LP que contém a clássica “Hello from the Gutter” não figura entre os preferidos de um de seus criadores, que assim justifica:

“Nunca curti a mixagem. Sério, esse álbum não me diz muita coisa. Embora tenha representado uma evolução em relação aos dois anteriores [‘Feel the Fire’ (1985) e ‘Taking Over’ (1987)], ainda soa ultrapassado. Lógico que não tem como não tocarmos ‘Hello from the Gutter’ nos shows e certas músicas, como ‘Shred’, têm seus diferenciais, mas não acho que [‘Under the Influence’] mereça figurar entre os nossos melhores álbuns. Acho que o que veio depois dele, ‘The Years of Decay’ (1989), é muito melhor.”

Para Bobby, “The Years of Decay”, que marca a despedida do guitarrista Bobby Gustafson, é focado na medida em que “Under the Influence” é disperso. Em razão disso, o considera também um dos três melhores álbuns do Overkill, com “From the Underground and Below” (1997) e “Ironbound” (2010) ocupando os outros dois lugares no pódio. Ele afirma:

“[‘From the Underground and Below’] é o tipo de álbum que dá vontade de ouvir do início ao fim. E saiu nos anos 1990! A década de 1990 não foi nada fácil. Poucas pessoas davam a mínima para o nosso som naquela época. Já ‘Ironbound’, além de um grande disco, é um baita reflexo da cena voltando à plena forma. Era como se o metal estivesse vivo outra vez, sabe? Os jovens estavam voltando a curtir o som; havia uma molecada de 18 anos na grade dos shows. E por mais estranho que parecesse para mim, eles queriam isso; queriam reviver os anos 1980, e esse disco proporciona isso.”

Sem saco para redes sociais, mas…

“Uma molecada de 18 anos na grade dos shows”. Renovação de público. O que para muitos veteranos pode representar um desafio, ou até mesmo uma barreira intransponível, para o Overkill se dá com assustadora naturalidade. “Acho que esse é o grande barato da música”, diz ele. “O gosto passa de pai para filho, e de filho para neto.”

Quando renovar o público não é tarefa das mais hercúleas, espera-se que outros segredos para a longevidade sejam listados; o que Bobby faz até meio envaidecido:

“Sempre fomos do tipo oportunistas; sempre saímos em busca de oportunidades e demos nosso melhor quando tais oportunidades nos eram dadas. Também acho que, de certa forma, sempre fomos capazes de nos reinventar. Somos uma banda dos anos 1980, você pode ver e ouvir isso; mas se ouvir o ‘Scorched’, perceberá que não estamos tentando apenas repetir o que fizemos nos anos 1980. Nos reinventamos, abraçamos o novo, sem abrir mão da nossa integridade nem renegar nossas raízes musicais.”

Ele prossegue tocando num ponto frequentemente menosprezado por artistas de outros tempos: a importância de estar conectado.

“Quando digo ‘abraçar o novo’, me refiro, também, às maneiras de promover a coisa. Facebook, Twitter etc. são muito importantes hoje em dia. Honestamente? Não tenho o menor saco para redes sociais; quando estou em casa, a última coisa que quero fazer é ficar no computador. Mas faço isso pela banda. Toda essa m#rda é importante e está no pacote de se manter atualizado e trabalhando conforme os novos tempos.”

A resposta parece sumir da ponta da língua quando a pergunta é sobre legado. Depois de muito ponderar, em vão, acerca de qual seria a maior contribuição do Overkill para o metal como um todo, o vocalista opta por evadir, mas com estilo:

“Esse é o tipo de pergunta que faria mais sentido eu responder depois que me aposentar. E, sinceramente, não me vejo me aposentando tão cedo. O que posso garantir é que enquanto for possível gravar discos com D.D. e os outros, gravarei. Não outro ‘Scorched’, nem outro ‘The Years of Decay’; não tenho o menor interesse em repetir as mesmas fórmulas. Cada disco é um disco e copiar a si mesmo é um grande erro. Mas boa pergunta.”

Desfecho com tubarões e finados ícones pop

Apesar de alguns títulos terem saído em CD e LP nacionais, nas décadas de 1980 e 1990, somente em 2001, na turnê de “Bloodletting” (2000), o Overkill fez sua estreia nos palcos brasileiros. A banda voltaria em outras cinco oportunidades, a mais recente em 2019, para divulgar o então vindouro “The Wings of War”.

Para Blitz, as dimensões continentais do Brasil o tornam um baita lugar para se tocar; melhor do que qualquer outro país da América do Sul:

“Ao contrário de Argentina, Chile ou Equador, que são países menores nos quais você chega, toca e mete o pé, no Brasil é possível fazer vários shows; já tocamos em São Paulo, Recife, Curitiba, Porto Alegre. E essa estada maior nos permite mergulhar um pouco mais fundo na cultura. No Brasil, pudemos passear, comer em diversos restaurantes, fazer amigos, encontrar os fãs, e eu adoro ter tempo para tudo isso.”

Enquanto vislumbra retornar aos palcos daqui na turnê de “Scorched”, cuja etapa inicial começa ainda este mês na Europa e se estenderá até julho abrangendo, também, a América do Norte, Bobby relembra, como momento mais icônico entre todas as passagens da banda pelo Brasil, uma de 2010:

“Fomos à praia [em Recife]. Estávamos tomando uma cervejinha, curtindo o dia de folga. Foi quando nosso então baterista, Ron Lipnicki, passou correndo por nós e pulou na água. Só esqueceu de reparar na placa enorme que dizia ‘Perigo. Área sujeita a ataque de tubarão.’ Ele ficou nos chamando: ‘Venham! Venham!’. Não, Ron, obrigado. Boa sorte para você. [Risos.]”

Já que são os últimos dias em casa antes de cair na estrada novamente, Blitz está aproveitando para conhecer mais a fundo o trabalho de duas bandas que dividirão o palco com o Overkill: os bastiões estadunidenses Heathen e Exhorder; essa última considerada pioneira do groove metal.

Mas só isso, Bobby?

“Quando estou em casa, dificilmente fico ouvindo metal. Às vezes ouço um Ozzy [Osbourne] aqui e ali, mas o que toma conta da minha playlist é Glen Campbell e Amy Winehouse! Amo os videoclipes dela! [Risos.]”

*“Scorched”, o novo álbum do Overkill, será lançado no próximo dia 14 de abril, pela gravadora Nuclear Blast. Clique aqui para fazer o pré-save.

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioEntrevistasEntrevista: Bobby “Blitz” Ellsworth comenta modernidade oitentista de novo álbum do Overkill
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades