Como “Native Tongue” atestou a maturidade artística do Poison

Em seu quarto álbum de estúdio e único com o guitarrista Richie Kotzen, famoso grupo de glam metal abre mão em definitivo de plumas e paetês

Em 1993, a era do glam metal, o nosso hard rock farofa, estava praticamente encerrada. Para se ter ideia, os dois álbuns de maior sucesso do ano de bandas correlatas ao movimento foram os de covers lançados pelo Guns N’ Roses (“The Spaghetti Incident?”, quarto lugar entre os mais vendidos nos Estados Unidos) e pelo Def Leppard (“RetroActive”, nono lugar). “Native Tongue”, do Poison, foi uma peça distinta nesse quesito.

Juntamente com “Exposed”, disco solo que Vince Neil fez depois de ser demitido do Mötley Crüe, o quarto álbum de estúdio do grupo liderado pelo vocalista Bret Michaels foi um dos únicos de músicas inéditas do gênero a ingressar no top 50 da Billboard. Mas enquanto “Exposed” alcançou a 13ª posição e permaneceu no ranking por um total de 13 semanas, “Native Tongue” não foi além de uma 16ª antes de ser varrido da lista.

- Advertisement -

Por outro lado, “Native Tongue” assinalou mais um passo na notável metamorfose estilística e musical de seus responsáveis; o que, definitivamente, não passou despercebido pelos fãs e pela mídia.

Um processo de aprendizado

“Repleto de alusões a questões contemporâneas, com letras relativamente sofisticadas (…) O vocalista/letrista Bret Michaels ainda não é digno de ser comparado a Bob Dylan ou Phil Ochs, mas evoluiu muito desde ‘Talk Dirty to Me’”, escreveu Buddy Seigal em sua resenha do quarto e então mais recente álbum de estúdio do Poison para o Los Angeles Times.

A bem da verdade, desde “Flesh and Blood” (1990), o grupo vinha abdicando do visual glam à medida que também aprimorava suas letras. “Something to Believe In”, por exemplo, é um tributo de Bret a seu guarda-costas e amigo Kimo, que morreu de overdose num quarto de hotel, e ao primo Bob, veterano da Guerra do Vietnã.

Os fãs pareceram gostar do Poison “baseado em fatos reais”. O clipe da pungente balada foi um dos mais rodados na MTV naquele ano e o single atingiu o número 4 nas paradas.

Em entrevista ao mesmo Seigal, Michaels disse que essa mudança de foco aconteceu naturalmente:

“Quanto mais eu vejo e mais eu vivo, mais tenho sobre o que escrever, então evoluímos a cada álbum. Tudo é reflexo de um processo de aprendizado. Não estamos tentando transmitir uma mensagem política, mas sim afirmar que vimos muitas coisas; conhecemos os quatro cantos do mundo. Como sou eu que escrevo as letras, é natural que eu expresse algumas dessas coisas.”

Ao Yahoo!, o vocalista apontou um dado curioso que remete à mesma época:

“‘Something to Believe In’ venceu a Batalha de Bandas da MTV contra o Faith No More. Conseguimos o troféu, que guardo até hoje, com muito orgulho, na minha casa.”

“Um cara que vestisse a camisa”

O caráter lírico sem dúvida atrai, mas o que cativa em “Native Tongue” é sua musicalidade. Nunca antes o Poison tinha feito álbum tão rico em nuances e acenos a estilos fora da seara do rock nem nunca voltou a fazer. O motivo tem nome e sobrenome: Richie Kotzen.

Leia também:  Glen Benton lamenta que metal hoje só tenha “wannabes com visual do Weezer”

Quando os pileques de C.C. DeVille começaram a manchar a reputação que Michaels, Bobby Dall (baixo) e Rikki Rockett (bateria) lutavam para manter intacta — não obstante a implicância muitas vezes gratuita da imprensa especializada —, o guitarrista foi mandado embora. Seu substituto não poderia ser mais díspar no quesito técnica.

Kotzen foi revelado ainda nos anos 1980 pela Shrapnel Records, gravadora especializada em álbuns de rock e metal instrumentais e responsável por apresentar ao mundo fritadores como Jason Becker, Marty Friedman, Paul Gilbert e Yngwie Malmsteen. Com três álbuns que venderam pouco na bagagem — “Richie Kotzen” (1989), “Fever Dream” (1990) e “Electric Joy” (1991) —, seria impossível dizer não ao convite que o levaria da obscuridade ao mainstream.

Em entrevista à Metal Edge, ele recorda o momento em que foi chamado:

“Meu agente disse: ‘Ei, se liga, quero que você avalie uma oportunidade. Bret Michaels me ligou e está interessado em você levar você para o Poison. Acho que você deveria ir até a casa dele e conversar com ele’.”

Kotzen obedeceu e ele e Michaels se deram bem logo de cara, conforme relata:

“Nós dois somos da Pensilvânia, ele começou a falar sobre todos os grupos de que gosta e eu comecei a ficar um pouco mais familiarizado com quem exatamente ele é e o que exatamente ele faz. Eles [o Poison] não estavam apenas procurando um cara para entrar e tocar. Eles queriam um compositor. Eles queriam um cara que vestisse a camisa e ajudasse a traçar o curso do grupo estilisticamente sem, obviamente, reter o que fez a banda funcionar em primeiro lugar.”

A união faz a força

Mesmo tendo acabado de chegar, Richie Kotzen sentou na janela. Seu nome aparece como coautor das quinze músicas do álbum.

Quatro delas estavam praticamente prontas quando Kotzen as levou para a banda: “7 Days Over You”, “Body Talk”, “Until You Suffer Some (Fire & Ice)” e “Stand”. Ele acredita que o material apresentado o ajudou a se consolidar na vaga, mas enaltece a contribuição de Michaels para o resultado final. Em conversa com Andrew Dicecco do Vinyl Writer Music, Richie afirma:

“Havia um punhado de músicas que eu já havia escrito a maior parte. E o Bret é um cara muito criativo, então mudou algumas letras para torná-las mais adequadas ao seu ponto de vista. Lembro-me de chegar com ‘Stand’ com uma letra diferente nos versos, e trabalhamos juntos para mudar algumas coisas. Fizemos o mesmo em ‘Fire and Ice’.”

Outras músicas de “Native Tongue”, segundo Kotzen, partiram de Michaels:

“Ele mostrou algumas canções que havia escrito; uma chamada ‘Theater of the Soul’ e outra de nome ‘Strike Up the Band’. Nós quatro fizemos a arranjo juntos em estúdio, e Bret e eu escrevemos as letras.”

Perguntado pela Metal Edge qual a sua música favorita do Poison, Richie surpreende um total de zero pessoas com a resposta:

“Arruinei meu teste [para a banda] porque tive problemas com meus amplificadores. Começou a sair fumaça de um deles. E então, quando fui tocar uma das músicas [do Poison], errei tudo porque pensei que sabia tocar, mas não sabia. Então eles disseram: ‘Beleza, o que você tem para nos mostrar?’ Toquei ‘Stand’ e o Bret adorou. De vez em quando eu ainda a toco nos meus shows.”

E sai o talarico

“Native Tongue” chegou às lojas em 16 de fevereiro de 1993 e não tardou a entrar nas paradas em dez países em todo o mundo. Contudo, o Poison levaria quase dois meses até finalmente cair na estrada para divulgá-lo.

Leia também:  Por que é difícil assistir a “The Beatles: Get Back”, segundo David Gilmour

Em 23 de abril, dois dias depois de “Native Tongue” receber disco de ouro, o Poison gravaria o ao vivo “Seven Days Live” no Hammersmith Odeon, em Londres, Inglaterra.

A turnê encerrada em agosto foi a primeira e única com Kotzen a bordo. O guitarrista seria demitido em novembro após vir à tona seu caso com a então noiva do baterista Rikki Rockett.

Não obstante o desfecho amargo, passados trinta anos, Richie, que por vezes desmereceu sua passagem pelo grupo, finalmente admitiu:

“Acho que fizemos um álbum incrível juntos.”

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesComo “Native Tongue” atestou a maturidade artística do Poison
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. Essa expressao tupiniquim babaca “hard rock farofa” deveria ser abolida de sites sérios é como chamar headbanger de “metaleiro”. Alguem que usa essa expressao ou nao gosta do estilo (portanto nao deveria escrever sobre ele) ou nao conhece nada porque provavelmente usava chupeta quando usavam isso pra diminuir quem ouvia glam

    • Você vai continuar reclamando de um termo que até os maiores fãs do estilo usam, ignorando todo o trabalho apresentado no texto? Você fez isso na seção de comentários do texto sobre o “Pyromania” e voltou a fazer agora. Não temos planos de parar de usar esse termo. Não é desrespeitoso com ninguém.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades