Como “Abraxas” levou o rock latino do Santana ao topo das paradas

Impulsionado por dois covers, segundo álbum de estúdio do grupo vendeu cinco milhões de cópias somente nos Estados Unidos

Na época do lançamento de “Abraxas”, a Rolling Stone afirmou que o Santana “pode fazer pela música latina o que Chuck Berry fez pelo blues”.

O que os editores da revista não imaginavam quando de tal prognóstico era que o álbum chegaria ao primeiro lugar nas paradas.

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Quando o sucesso não alimenta

O mexicano Carlos Santana emergiu como importante músico local de Haight-Ashbury, na São Francisco tomada pelo flower power, tendo participado do seminal “The Live Adventures of Mike Bloomfield and Al Kooper” (1969), e, então, montado sua própria banda com Gregg Rolie (vocais e teclados), David Brown (baixo), Michael Shrieve (bateria), Michael P.R. Carabello (conga) e José “Chepito” Areas (percussão).

Na esteira da histórica apresentação em Woodstock, em agosto de 1969, o sucesso do primeiro álbum do Santana foi tão esmagador — mais de dois milhões de cópias vendidas e 108 semanas na parada da Billboard — que nem parece que o trabalho foi feito às pressas. Toda a gravação se deu em apenas três semanas, com sessões que batiam dezesseis horas por dia.

Embora figure entre os maiores lançamentos do chamado acid rock e em seus 37 minutos inclua “Evil Ways” — primeiro top 10 do grupo —, “Jingo”, “Persuasion” e “Soul Sacrifice”, nem Carlos nem seus colegas ficaram lá muito fascinados com o resultado. Faltou em estúdio, se em razão da correria ou por culpa do produtor Brent Dangerfield, a atmosfera incendiária dos shows.

Portanto, a missão para o álbum seguinte era, basicamente, soar melhor.

Procuram-se músicas

O primeiro passo dado em direção a esse objetivo foi trazer a bordo o experiente Fred Catero — cuja lista de trabalhos com artistas do pop, do jazz e do rock incluía o multiplatinado Chicago — para assinar a produção.

A banda também iria dispor de mais tempo em estúdio para lapidar as músicas. Só que havia um problema: faltavam músicas a serem trabalhadas.

Em defesa dos caras, que viviam na estrada, lhes careceu tempo para tal. Sendo assim, teve uma caçada em busca de repertório; fosse ele autoral ou cover.

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Quis o destino que os dois carros-chefes do vindouro “Abraxas” — o título remete a uma divindade presente no livro “Demian” (1919), de Hermann Hesse — pertencessem à segunda categoria.

Covers de sucesso? Os autores agradecem

Como não teve muito tempo para compor novas músicas, o Santana arrematou “Abraxas” com dois covers: “Black Magic Woman” e “Oye Como Va”.

A primeira, de autoria de Peter Green, foi originalmente gravada pelo Fleetwood Mac em 1968 e chegou à 37ª posição nas paradas do Reino Unido.

Embora tenha dado seu toque pessoal na faixa, incorporando texturas típicas da música latina — e acrescentando “Gypsy Queen”, do húngaro Gabor Szabo, como um apêndice sonoro de quase dois minutos —, Carlos, que era fã de Green e do Mac, manteve intacto o dorso blueseiro da original.

Foi graças aos royalties gerados por esse cover que chegou ao 4º lugar da Billboard que Green pôde se manter depois que deixou o Fleetwood Mac em 1970. Diagnosticado com esquizofrenia, o músico produziu relativamente pouco até sua morte em julho de 2020.

Já o chá-chá-chá “Oye Como Va” foi escrito em 1962 por Tito Puente. O cover feito pelo Santana, que chegou ao Top 20, abriu as portas do mercado estadunidense para essa lenda da salsa até então reverenciada somente na América Latina. Mais até do que em “Black Magic Woman”, a abordagem original é preservada, não obstante a seção de metais ter sido substituída por guitarra e órgão Hammond.

De acordo com Steve Sullivan, autor de Encyclopedia of Great Popular Song Recordings (Scarecrow Press, 2013), Puente não recebeu a homenagem de bom grado, mas bastou receber o primeiro cheque a título de royalties para mudar de opinião em relação ao cover.

Primeiro de três

“Abraxas” chegou às lojas no dia 23 de setembro de 1970 e excedeu em três milhões de cópias a vendagem de seu antecessor, tornando-se o primeiro dos três álbuns  do Santana a chegar ao lugar mais alto do pódio nos Estados Unidos.

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Muito além dos covers que o impulsionaram tão alto, o álbum inclui algumas músicas canônicas do Santana e do rock com sabor latino como um todo, vide “Samba Pa Ti”, instrumental que cruzou o Atlântico rumo às paradas britânicas, e a dor de cotovelo “Hope You’re Feeling Better”, trilha sonora ideal para polimento de chifre.

Também constam da tracklist duas composições solo de José “Chepito” Areas (“Se A Cabo” e “El Nicoya”), uma de Gregg Rolie (“Mothers Daughter”, cuja letra conta a história de um sujeito que cansado de ter o coração partido por uma mulher decide investir na mãe dessa mulher), uma parceria de Carlos com o jazzista Alberto Gianquinto (“Incident at Neshabur”, quase um prenúncio da fase mais experimental do guitarrista ao lado de John McLaughlin) e a introdução “Singing Winds, Crying Beasts”, de autoria de Michael P.R. Carabello, que parece dar vida à capa do álbum assinada por Mati Klarwein.

O sucesso de “Abraxas” teria continuidade um ano depois com “Santana III”, que também chegou à primeira posição nos EUA. O LP derradeiro da formação conhecida por ter tocado em Woodstock seria também o último do Santana a atingir o topo das paradas; até “Supernatural”, de 1999, repetir a façanha.

Santana – “Abraxas”

  • Lançado em 23 de setembro de 1970 pela Columbia Records
  • Produzido por Fred Catero e Carlos Santana

Faixas:

  1. Singing Winds, Crying Beasts (instrumental)
  2. Black Magic Woman/Gypsy Queen
  3. Oye Cómo Va
  4. Incident at Neshabur (instrumental)
  5. Se a Cabó
  6. Mother’s Daughter
  7. Samba Pa Ti (instrumental)
  8. Hope You’re Feeling Better
  9. El Nicoya

Músicos:

  • Carlos Santana (guitarra solo, backing vocals)
  • Gregg Rolie (teclados, vocais)
  • David Brown (baixo)
  • Michael Shrieve (bateria)
  • José “Chepito” Areas (percussão, conga, timbales)
  • Michael Carabello (percussão, conga, possivelmente teclados na faixa 1)

Músicos adicionais:

  • Rico Reyes (vocal de apoio na faixa 3, vocal de apoio e percussão na faixa 9)
  • Alberto Gianquinto (piano na faixa 4)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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