Angra celebra 20 anos de “Rebirth” e legado com show afiado em São Paulo

Apresentação realizada no Tokio Marine Hall trouxe banda homenageando toda a sua discografia com direito a músicos adicionais

Não era exagero quando o Angra prometeu que apresentaria um show especial na turnê que celebra os 20 anos de “Rebirth” (2001). A performance que comemora um de seus álbuns mais importantes tem forte caráter nostálgico e homenageia não apenas o disco em questão – primeiro com Edu Falaschi (voz), Aquiles Priester (bateria) e Felipe Andreoli (baixo), os dois primeiros hoje ex-integrantes – mas toda a carreira de uma das maiores bandas de metal que o Brasil já teve.

É bem verdade que não é sempre que o próprio Angra faz justiça a seu próprio legado. Há tantas tretas envolvendo seus antigos e atuais integrantes que, às vezes, fica até fácil para que muita gente simplesmente se esqueça do que esses caras já fizeram. Mas não há nada como um ótimo show de uma grande turnê para fazer todo mundo se lembrar de quem estamos falando.

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A apresentação acompanhada por este escriba ocorreu no Tokio Marine Hall, em São Paulo, no último sábado (2). A casa, que tem capacidade para 4 mil pessoas, estava com ingressos esgotados. Nada mal para uma banda que, como o guitarrista e fundador Rafael Bittencourt diz, está em sua terceira geração – além dele e de Andreoli, a formação traz Fabio Lione (vocal), Marcelo Barbosa (guitarra) e Bruno Valverde (bateria).

Uma hora antes da atração principal iniciar seus trabalhos, foi iniciado um breve show do Medjay, banda mineira que esteve entre as selecionadas do reality show “Garimpeiro do Rock e El Baron”, cuja premissa é buscar novos rockstars pelo mundo afora. A iniciativa, vale destacar, teve seu teaser exibido duas vezes nos telões do Tokio Marine Hall, antes de ambas as apresentações.

Foto: Igor Miranda

Formado por Phil Lima (voz e guitarra), Freddy Daniels (guitarra), Samuka (baixo), Riccardo Linassi (bateria), Marco Herrera (percussão árabe) e Rafael Agostino (teclados), o Medjay demonstrou competência em sua performance e foi apoiado pelo público, ainda que tenha faltado um pouco de força em suas composições. A proposta do grupo em fundir heavy/power metal com influências da música árabe é interessante e tem rendido bons trabalhos, como os álbuns “Cleopatra VII” (2022) e “Sandstorm” (2020), mas falta traduzir a ideia para algo que também funcione bem nos palcos.

Cerca de 35 minutos foram destinados à apresentação do Medjay. O público não precisou esperar muito até que o Angra iniciasse sua performance. Por volta das 22h05, uma grande cortina com a arte da capa de “Rebirth” foi colocada no palco enquanto as caixas de som tocavam “Tom Sawyer”, clássico do Rush. Encerrada a canção, inicia-se a vinheta de abertura “Crossing”, que deixa todos na expectativa.

Entra a partir daí a primeira música do repertório: a clássica “Nothing to Say”, representando o álbum “Holy Land” (1996). Aliás, vale destacar que todos os discos da banda são representados com uma música no repertório – além, claro, de “Rebirth” que foi tocado na íntegra. E não havia escolha melhor para iniciar o show: a clássica faixa lançada ainda nos tempos do saudoso Andre Matos no vocal fez todo mundo entrar no clima para o que viria por aí.

Na sequência, o disco mais recente do grupo, “Ømni”, foi lembrado com “Black Widow’s Web”. As partes originalmente gravadas por Sandy foram cantadas por Rafael Bittencourt, enquanto Fabio Lione não só interpretou sua performance original como também reproduziu os guturais de Alissa White-Gluz, outra convidada da faixa. Boa música, ainda que tenha ficado um pouco deslocada por sua posição no setlist.

Passadas as duas faixas introdutórias, era hora de ouvir “Rebirth” na íntegra sendo tocado ao vivo. Dois músicos de apoio, que se fizeram presentes do início ao fim da apresentação, mostraram-se essenciais para reproduzir as músicas do quarto álbum da banda: o tecladista Dio Lima e o percussionista Guga Machado. Ambos ofereceram brilho complementar à performance do quinteto titular, que estava afiadíssimo.

Tocada a vinheta “In Excelsis”, o grupo entra em “Nova Era” com peso total. A execução impecável do instrumental ofereceu o apoio necessário para que Fabio Lione, às vezes criticado por seus vocais um pouco diferentes de seus antecessores, pudesse se impor à sua maneira. O “Mago”, como é chamado pelos fãs, só foi prejudicado por um problema que durou quase todo o set especial de “Rebirth”: seu microfone parecia estar em volume relativamente baixo.

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Foto: Igor Miranda

“Millennium Sun”, em seguida, era a prova de fogo para saber se Lione realmente estava confortável, visto que a melódica canção iniciada ao piano e vocal é uma das que trazem mais elementos típicos de composição e interpretação de Edu Falaschi. O saldo, porém, foi positivo e cativou o público – que já estava completamente entregue na pesada música seguinte, “Acid Rain”, um dos melhores momentos do set e uma das grandes performances de Bruno Valverde ao longo da noite.

Enquanto os instrumentistas trocavam equipamentos para a canção posterior, “Heroes of Sand”, Fabio desfilou um pouco de seu carisma ao conversar com o público, com direito a brincadeiras do tipo “eu canto e vocês repetem” e interação com uma fã próxima ao palco que chorava copiosamente – de felicidade, é claro. Uma pena que a música em si, uma das mais clássicas da trajetória da banda, não tenha se encaixado tão bem na voz de seu frontman. Nada, porém, que abalasse a relação entre grupo e público – não à toa, os presentes entoaram “olê olê olê olá, Angra, Angra” ao fim deste número.

Os momentos mais especiais da noite eram as “deep cuts”, canções menos conhecidas e/ou lembradas em repertórios de shows. “Unholy Wars”, por exemplo, vem sendo tocada na íntegra nesta turnê pela primeira vez desde 2002. A percussão de Guga Machado fez muita diferença – ouvir a intro ao vivo era como escutar a gravação original. Com Lione mais confortável, instrumentistas impecáveis como sempre e um trabalho visual no telão de fundo que praticamente narrava uma história, esta foi uma das melhores passagens do show em minha opinião.

A lendária faixa-título, responsável por ajudar o Angra a “furar” muitas bolhas na época de seu lançamento, veio na sequência para arrebatar todo e qualquer fã presente. Ao fim, Rafael Bittencourt conversou com o público pela primeira vez e exaltou não só o período em que o álbum de 2001 foi lançado, representando um “renascimento” para o grupo, como também a fase atual do projeto, onde há, segundo ele, um “senso de família” entre os integrantes. Cada músico foi apresentado na sequência – todos eles ovacionados, com destaque a Marcelo Barbosa, cujos esforços para substituir o gigante Kiko Loureiro foram reconhecidos de forma estendida pelo público.

Foto: Igor Miranda

Tocada nesta tour pela primeira vez desde 2002, “Judgement Day” viu o Angra apresentar uma convidada especial: a pianista Juliana D’Agostini. Embora o som do clássico instrumento não tenha casado tão bem ao vivo nesta música, foi interessante poder conferir a performance de uma canção que dificilmente será resgatada para outros repertórios.

D’Agostini permaneceu no palco para as outras duas faixas do álbum: “Running Alone” e “Visions Prelude”. A primeira até foi atrapalhada um pouco mais que as outras anteriores pelo microfone baixo de Fabio, mas a energia foi mantida com o público cantando junto a plenos pulmões. A segunda rendeu um dos momentos de destaque do set: a faixa nunca havia sido tocada nos palcos até o início desta turnê e nesta ocasião em território paulistano, onde foi executada junto de uma pianista propriamente dita, ganhou sua versão ao vivo definitiva – com direito a uma excelente performance operística de Lione nos versos finais.

Concluída a performance na íntegra de “Rebirth”, era hora de voltar a tocar músicas de outros álbuns. “The Course of Nature”, representante de “Aurora Consurgens” (2006), retornou aos repertórios após mais de uma década de ausência – e em grande estilo, com Guga Machado assumindo o berimbau e tudo o mais. Apesar das imagens de telão e iluminação estarem mais climáticas e Fabio Lione ter se desdobrado para empolgar os fãs, este foi um dos momentos mais mornos do show.

Foto: Igor Miranda

“Metal Icarus”, porém, reverteu a situação. A representante do disco “Fireworks” (1998), fora dos setlists desde 2015, trouxe peso e uma veia heavy metal tradicional à performance. Outro grande momento veio em seguida com “The Shadow Hunter”, uma das melhores músicas do Angra em geral. Presente no álbum “Temple of Shadows” (2004), a faixa não era performada nos palcos desde 2006 – muito provavelmente por seu nível de complexidade. Ainda bem que resolveram inclui-la nesta turnê. Mesmo sem Lione assumir os agudos nos últimos versos, rendeu aos fãs alguns dos melhores minutos da noite.

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“The Rage of the Waters”, faixa de “Aqua” (2010), transmitiu a impressão de ter sido, de longe, a faixa com menor adesão do público. Mas novamente um clássico na sequência mudou o cenário – e de forma praticamente literal. “Bleeding Heart”, presente no EP “Hunters and Prey” (2002) e parte do ciclo de “Rebirth”, foi cantada a plenos pulmões pelos fãs, que, a pedido de Rafael Bittencourt, também seguravam seus celulares com lanternas para iluminar o ambiente. A balada deveria ser momento irrevogável de todos os shows do grupo.

“Upper Levels”, original do álbum “Secret Garden” (2014), serviu para mostrar um pouco como o Angra se posiciona musicalmente nos dias de hoje: é uma música mais arrojada, inclinada ao prog, com mais presença criativa de Felipe Andreoli – sem dúvidas um dos melhores baixistas do Brasil. Contudo, a boa canção talvez tenha sido prejudicada por sua posição no setlist, já que foi responsável por encerrar a etapa convencional do show.

Os músicos deixaram rapidamente o palco antes de retornarem para o climático bis com o maior clássico da carreira do Angra: “Carry On”, para fazer valer a presença do disco de estreia “Angels Cry” (1993) no repertório. Das primeiras notas da vinheta “Unfinished Allegro” aos berros finais de Fabio, cada segundo deste bis foi aproveitado pelos fãs.

Quem já assistiu a outras apresentações do Angra não deve fazer qualquer comparação com a atual turnê. Seja pela produção de palco, pelo capricho na execução, pela regularidade dos músicos ou – e especialmente – pelo caráter nostálgico e celebrativo do repertório, estamos falando de um show diferente, feito para os fãs.

Fora questões mais técnicas, como o citado microfone baixo e um ou outro detalhe que passa batido pela maior parte do público, os fãs mais exigentes provavelmente só ficaram um pouco divididos com algumas interpretações de Fabio Lione. Mas é importante lembrar que 90% do repertório cantado por ele nesta turnê não foi feito para sua voz, que, vale repetir, é diferente da de seus também talentosos antecessores.

Foto: Igor Miranda

Dito isso, o italiano faz tudo o que está a seu alcance – e até mais, pois não dá para reclamar de sua entrega. Canta sem desafinar ou perder o fôlego, percorre todo o palco, interage com os fãs diversas vezes… quem pisou no Tokio Marine Hall sabendo que não iria encontrar Edu Falaschi ou o saudoso Andre Matos certamente saiu admirando Lione um pouquinho mais.

Como ressaltado anteriormente, a presença dos músicos adicionais abrilhantou uma performance que por si só já seria impecável, dada a enorme competência técnica dos músicos titulares. Bruno Valverde e Marcelo Barbosa também são dignos de nota, visto que, assim como Fabio, executaram um repertório quase todo gravado originalmente por outros músicos.

Por fim, Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli seguem como duas rochas firmes que permitem que tudo isso seja possível. Sem os dois, que também ofereceram performances irretocáveis, dificilmente o legado de uma das maiores bandas brasileiras de heavy metal estaria sendo tão bem celebrado a esta altura do campeonato.

Angra – ao vivo em São Paulo

  • Local: Tokio Marine Hall
  • Data: 2 de julho de 2022
  • Turnê: Rebirth 20th Anniversary Tour

Repertório:

  1. Nothing to Say
  2. Black Widow’s Web (Rafael e Fabio nos vocais)
  3. Nova Era
  4. Millennium Sun
  5. Acid Rain
  6. Heroes of Sand
  7. Unholy Wars
  8. Rebirth
  9. Judgement Day (com Juliana D’Agostini)
  10. Running Alone (com Juliana D’Agostini)
  11. Visions Prelude (com Juliana D’Agostini)
  12. The Course of Nature
  13. Metal Icarus
  14. The Shadow Hunter
  15. The Rage of the Waters
  16. Bleeding Heart
  17. Upper Levels

Bis:

  1. Carry On

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

5 COMENTÁRIOS

  1. Cara,
    Para quem já viu outros shows do angra, eu achei que podia ter sido melhor.
    – A mixagem do sim, seja or causa do microfone que sumia, ou o Fábio ficava sem voz, sei lá, ou instrumentos com volumes desequilibrados, ficou bem ruim. Demorou muito para melhorar e ainda ficou estranho.
    – apesar do esforço da menina no piano, além do tom não casar, as vezes tinha a impressão que estava deslocado da música, como se ela estivesse tocando algo novo com base nas tablaturas, mas que bem sempre são fielmente cumpridas no ao vivo
    – a falta de apresentação do tecladista que estava no palco ficou muito chato. Juntou isso com a bola fora do telão que ficou mostrando ele enquanto anunciavam o Fábio… Tanto que até agora estava achando que era o Fábio laguna.

    Enfim, já vi show melhores do angra.

    • Oi, Fábio. Eu já vi outros shows do Angra e gostei bastante deste, mesmo com os problemas técnicos (considero a situação do piano um problema técnico, já que a pianista tocou perfeitamente). O problema com o piano ficou mais evidente na “Judgement Day”, nas outras pareceu ter se ajustado um pouco mais, por isso citei que o tom não casou especificamente nesta música. Também senti falta de apresentação do tecladista, mas não reparei o caso do telão, pois fiquei mais próximo do palco e ao centro.

  2. Ah, e não dá para deixar de reconhecer que o Bruno começou a tocar diferente de tanto que a galera pegava no pé dele por causa da pegada na baqueta a estilo “comendo sushi” kkkk

  3. Achei o som um lixo, quando os instrumentos era tocados individualmente (como o violão da intro de shadow hunter) o som ficava ok, mas quando entravam os outros elementos ficava um chiado absurdo, talvez tenha sido mais perceptível no lugar que eu fiquei, a parte do camarote mais perto do teto e no fundo do teatro

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