Entrevista: Ego Kill Talent comenta nova fase com Emmily Barreto e próximos planos

Com vocalista conhecida pelo trabalho com o Far From Alaska, banda abriu shows do Evanescence no Brasil e lançou quatro músicas que indicam caminho diferente a ser seguido

Troca de vocalista é sempre um processo traumático para uma banda — com todo o respeito, mais do que qualquer outro integrante. Dá para citar alguns exemplos em que esse tipo de substituição deu certo e vários outros onde deu errado. Felizmente, o caso do Ego Kill Talent se encaixa na primeira situação.

Em agosto de 2022, o grupo brasileiro informou que seu frontman, Jonathan Dörr, “decidiu seguir o caminho dele fora do Ego Kill Talent” após oito anos e dois álbuns lançados. Dörr, também conhecido pelo sobrenome Corrêa, acabou reativando sua banda anterior, Reação em Cadeia. Emmily Barreto (Far From Alaska) foi anunciada como substituta, no mês seguinte, para dois shows nos Estados Unidos, e oficializada na sequência.

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Levou algum tempo até que as novas canções saíssem — pouco mais de um ano, especificamente —, mas em timing grato o suficiente para que pudessem fazer seus primeiros shows nacionais com Emmily abrindo para o Evanescence, em turnê que passou por Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. Barreto, Theo van der Loo (guitarra e baixo), Niper Boaventura (guitarra e baixo) e Raphael Miranda (bateria) fizeram as apresentações com Rafael Brasil (guitarra e baixo) substituindo Jean Dolabella — à época, cumprindo agenda com Pitty; agora, fora em definitivo.

Foto: Gustavo Diakov / @diakovphotograph

A tour serviu para tocar o novo material do EKT, com direito a um par de músicas que seguiam inéditas na ocasião, mas sairiam nas plataformas digitais no mês seguinte: “When It Comes” e “Need No One to Dance”. Outras duas foram disponibilizadas durante a tour: “Call Us By Her Name” e “Finding Freedom”. As quatro estão reunidas em um EP, “Call Us By Her Name” (clique aqui para ouvir), liberado pela gravadora BMG. E ainda há uma faixa, “Never Fading Light”, que nem foi liberada até o momento — pois sequer havia sido gravada.

Em entrevista ao site, Theo van der Loo definiu como “muito boa” a resposta do público do Evanescence às canções mais recentes. Três colaboradores da equipe — cobrindo apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte —, também. Até Amy Lee, vocalista da banda americana, demonstrou seu apreço.

“São duas músicas com pontos marcantes. Um é o refrão da ‘When It Comes’ (‘la la la la la la’) E a outra, ‘Need No One to Dance’, tem um momento meio dance, meio grave. Recebemos muitas mensagens de gente falando assim: ‘pô, quando é que vai sair a música do la la la?’. Ou: ‘quando é que vai sair a música que tem aquele grave?’. Sem querer criamos um rebuliço, uma expectativa com relação a essas músicas saírem. A própria Amy Lee virou e falou: ‘cara, como é que eu fui lá e não achei a música no Spotify?’.”

Executar ao vivo canções que ainda não foram lançadas oficialmente é um hábito cada vez mais raro entre bandas, especialmente as mais consagradas. Com os presentes filmando cada nota de um show, músicos ficam receosos pelo primeiro contato de fãs em qualquer lugar do planeta com determinadas composições serem em filmagens de baixa qualidade. No caso do EKT, não houve essa preocupação e ainda serviu para “testar” o material. Niper Boaventura comenta:

“Isso de tocar músicas que ainda não saíram é um pouco old school, né? Tocamos uma música que a nem gravamos ainda. É muito legal poder testar material ao vivo. No show de São Paulo, já tinha gente cantando ‘When It Comes’. Eu até olhava e falava: ‘será que não vazou essa coisa?’. Acho que é o caráter pop delas acabou ajudando.”

Foto: Paty Sigiliano

Mudança na formação

Na ocasião da entrevista, apenas uma mudança de formação — a chegada de Emmily Barreto na vaga deixada por Jonathan Dörr — havia ocorrido no Ego Kill Talent. Todos os integrantes procuraram demonstrar o quão natural foi o processo. Sobre a saída de Jonathan, Theo declarou:

“O processo de desligar do Jonathan foi simplesmente isso: desligou. Apagou a luz e desligou. Quando ele decidiu sair, estávamos muito como diz a expressão em inglês: ‘eyes on the ball’ (‘olhos na bola’). Em nenhum momento cogitamos acabar com a banda. Só pensamos no próximo passo. Já tínhamos dois shows em festivais marcados nos Estados Unidos.”

Com relação à chegada de Emmily, o músico complementou:

“Cogitamos se traríamos alguém para cantar só nesses shows ou se entraria para a banda. Então, a chegada da Emmily foi a coisa mais natural que poderia acontecer. O Far From Alaska é uma banda que almeja algo parecido com a gente: sempre cantaram em inglês e buscaram algo no exterior. Já estavam fazendo isso antes do Ego Kill Talent chegar. […] Já conhecíamos a Emmily. Tínhamos uma afinidade muito grande, fizemos shows juntos, músicas juntos. Antes de ela entrar, víamos shows dela e falávamos: ‘car#lho’. Sempre tinha essa sensação de que estávamos na mesma voltagem. Então, foi uma escolha muito fácil e espontânea.”

Os remanescentes garantem que o nome de Barreto foi cogitado desde a saída de Dörr. Contudo, ao menos um vocalista chegou a ser testado antes disso. O guitarrista e baixista destaca, inclusive, como uma convenção de gênero levou a tal audição:

“É meio natural substituir por um cara, porque era um cara que cantava, então, testamos um cara super talentoso — inclusive o encontramos no show no Rio — e cogitamos muito que fosse um cara. Mas quando pensávamos em ser um cara, era uma escolha quase que irracional. Tipo: tinha um cara cantando, agora vamos colocar outro cara. Só que o emocional sempre foi a Emmily.”

Foto: Iana Domingos

Niper Boaventura reforça o caráter emocional — e não cerebral — da escolha.

“Parece ter sido uma escolha cerebral, mas foi tão natural. Nos conhecemos há muito tempo, nos respeitamos, tomamos café junto, jogamos videogame junto. Isso se reflete na arte também. Os primeiros momentos nossos compondo com ela, naquele mês nos Estados Unidos entre os festivais, foram um test drive completo: composição, show, convivência… moramos junto naquele mês. Não tinha conversa de elevador. Dizem: ‘ah, botaram uma mulher porque mulher agora é isso, empoderamento’. Não, foi porque ela é minha amiga e é talentosíssima.”

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E o que diz a própria cantora sobre sua chegada? Ela garante que não houve qualquer receio por estar em uma situação de “substituição”.

“Mesmo no primeiro momento, não fiquei nem um pouco receosa. Eu recebi 100% como tipo: ‘caramba, vou cantar na minha banda favorita’. Foram só coisas boas. Inclusive, faz um ano que entrei, mas só uns dois ou três meses é que caiu a ficha. Quando chegou o momento de começar a anunciar e que teria música nova, veio esse sentimento: ‘Caramba, como a galera vai receber? Vai ter muito fã que não vai gostar, mas também vai chegar uma galera nova que talvez não gostava antes’. É uma realização sem tamanho. Estou muito feliz. As coisas acontecem da forma e na hora que precisa acontecer.”

Mudança no processo

Sendo Emmily Barreto uma vocalista de background distinto — e já conhecido em função do trabalho com o Far From Alaska —, era natural que o som do Ego Kill Talent mudasse. As influências do rock noventista, especialmente post-grunge, trazidas por Jonathan Dörr deram lugar a uma pegada mais híbrida, que conversa com o alternativo sem deixar de pulsar referências pop já presentes, ainda que mais timidamente, no álbum “The Dance Between Extremes” (2021).

Theo van der Loo descreve o processo de composição e gravação ao lado de Emmily como “uma expansão de universo”: “Era como se estivéssemos antes em uma estrada com uma mão, e agora entramos em outra estrada com 15 pistas”. Mas o que mudou? Raphael Miranda cita algo que se percebe ao ouvir as novas músicas de forma atenta: em vez dos riffs, são as melodias que guiam as criações.

“Até então, compúnhamos muito em cima do instrumental, da guitarra. Criávamos a música e só depois a voz. A Emmily falou que no Far From Alaska também era parecido. Agora, até para o material que ainda vai sair, invertemos essa dinâmica. Começamos com uma melodia de voz e aí criamos uma bateria em cima da voz. Só depois é que fazemos os riffs de guitarra, as harmonias. É muito interessante começar ao contrário. Vários artistas fazem assim, mas para nós é um sentimento muito novo.”

Foto: Paty Sigiliano

Niper Boaventura comenta que a voz de Emmily é como “um instrumento a mais servindo à melodia e à letra”, inclusive por ela oferecer melodias vocais já no início do processo de composição. Outro detalhe reside em como guitarras e baixo estão afinados: nada de afinações mais graves. Ele comenta:

“As músicas novas saíram assim porque fizemos essa temporada lá nos Estados Unidos, que era para fazer os shows. Os instrumentos estavam regulados daquele jeito, à disposição no estúdio. Não foi pensado, era o que funcionava melhor para a voz da Emmily nas músicas antigas para fazer o show.”

Próximos planos

O Ego Kill Talent segue com “eyes on the ball” e tem seus próximos passos já bem planejados. Além de focar em desenvolver novas composições, o grupo está “vendo oportunidades” de entrar em algumas turnês nos Estados Unidos e Europa no segundo semestre de 2024, já que, segundo Theo van der Loo, “o mercado internacional se organiza com muita antecedência”.

Não se sabe ainda se as próximas gravações chegarão como singles, Eps ou álbum. O músico comenta:

“Em alguns lugares, existe uma pressão de alguns lugares por álbum — principalmente na Europa. Só que a dinâmica do mundo atual não é mais álbum. Vivemos em um romantismo de: ‘caraca, é um disco’, mas a dinâmica do dia-a-dia… não sei se funciona.”

Foto: Iana Domingos

Além do material inédito, o atual quarteto — já que nenhum substituto para Jean Dolabella foi anunciado — considera regravar algumas canções dos outros álbuns com Emmily Barreto nos vocais. Theo explica:

“Temos vontade. Não sei como, quando ou mesmo se vamos fazer, mas tem algumas músicas que quando mudamos o tom para a Emmily cantar, ela trouxe elementos muito bons. São músicas que já gostávamos muito antes, e agora, quando tocamos ao vivo, fico arrepiado com as coisas que ela faz — e são coisas que não estão na versão anterior. Esse sentimento faz ter vontade de gravar.”

Por fim, o guitarrista e baixista deixou claro que o Ego Kill Talent não deixará de tocar composições da “era Jonathan”. E fez até um paralelo com uma das franquias cinematográficas mais populares de todos os tempos.

“Vamos continuar tocando as músicas antigas, pois ficaram boas. Não vamos ter medo de mudar. No início, ela procurava muito emular o que já estava lá. Só que aí, às vezes, sem querer, ela colocava uma nota diferente, uma melodia que não tinha. Em músicas como ‘Sublimated’ e ‘Last Ride’, emblemáticas da nossa carreira, isso ficou tão bom. Hoje em dia, tocamos uma frase na ‘Last Ride’ que nem está na música original e que sempre arrepio quando chega essa hora. É como o Universo Marvel, com várias versões dos Vingadores, do Wolverine, Capitão América… e todas são f#das. Vai ter gente comparando, mas não precisa comparar. São duas coisas diferente. Por que tem que preferir o Homem-Aranha do Tom Holland ou do Andrew Garfield? Você pode gostar dos dois.”

*O EP “Call Us By Her Name” pode ser ouvido em sua plataforma digital favorita clicando aqui.

Foto: Murilo Amancio @muriloamancio

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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