A história incrível de Rick Allen, baterista do Def Leppard

Músico perdeu seu braço esquerdo em acidente de carro no auge da fama — e deu a volta por cima

O rock tem mais tragédias interrompendo a carreira de músicos de sucesso do que exemplos de superação. A história do gênero é cheia de perdas inestimáveis, obras primas existentes no limbo, impossíveis do público ouvir. Em meio a tudo isso, existe Rick Allen.

O baterista do Def Leppard estava aproveitando o estouro recente de sua banda nos Estados Unidos com o disco “Pyromania” (1983). Até que um acidente de carro no último dia de 1984 lhe roubou algo visto como vital para um músico: seu braço esquerdo.

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Mesmo assim, ele não permitiu se tornar mais uma baixa trágica do rock. Em vez disso, se tornou seu maior exemplo de perseverança.

Contemos sua história.

O prodígio Rick Allen

Rick Allen nasceu em Dronfield, localizada na região central da Inglaterra, mas perto o suficiente da cidade de Sheffield, onde o Def Leppard surgiu. Aos nove anos de idade, ele começou a tocar bateria e logo se tornou integrante de várias bandas na sua cidade. 

No entanto, apesar de se provar um grande baterista em suas redondezas, Allen precisou de um empurrão de sua mãe para se aventurar além da bolha. Ele contou a história à SiriusXM (via Ultimate Classic Rock):

“Quando eu tinha 14 anos, tinha decidido desistir do mundo da música, de ser baterista, porque estava de saco cheio das bandas em Sheffield. Eu estava em três ou quatro bandas nessa época… Lembro de jogar uns pratos de bateria degraus abaixo, porque estava irritado e frustrado, uma vez que todas as bandas com as quais tocava só estavam interessadas em fazer covers. E meus pais que apontaram esse negócio no jornal dizendo ‘Leppard Loses Skins’ [‘Leppard perde a pele’, jogo de palavras com a pele da bateria]… numa questão de minutos, a gente entrou em contato com Joe (Elliott, vocalista) e uns dias depois, eu encontrei com Joe e Steve (Clark, guitarrista) numa boate.”

O Def Leppard nessa época estava passando pela saída de Tony Kenning, baterista original e responsável por criar a grafia característica do nome do grupo. Quando chegou a hora de testar Allen, seu antecessor apareceu também, querendo a posição de volta. Havia ainda outro cara na audição, mas Rick tinha tanta confiança no próprio taco a ponto de esperar até ser o último a tocar.

O baixista Rick Savage contou a história do teste de Rick Allen no site oficial da banda:

“Perguntamos a Rick se ele conhecia ‘Emerald’, do Thin Lizzy. A gente começou a tocar e de repente a banda soava seis vezes melhor do que o normal até então. Estávamos na companhia de um baterista de verdade. Até aos 15 anos ele era incrível.”

Em novembro de 1978, com 15 anos recém-completos, Rick Allen se tornou o baterista do Def Leppard. Todos os outros integrantes do grupo eram maiores de idade. As ambições estavam apontadas ao grande mercado do outro lado do oceano.

O crescimento do Def Leppard

Ao longo de cinco anos, o Def Leppard desenvolveu uma reputação fortíssima junto ao público hard rock na Inglaterra. Junto com Iron Maiden e Judas Priest, eles se tornam um dos líderes do movimento apelidado New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), mudando a sonoridade do gênero para algo além de Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple.

Contudo, enquanto seus contemporâneos tinham uma postura anti-establishment e orgulho de pertencer à cena local, o Def Leppard tinha planos diferentes. Assim que lançaram seu primeiro disco, “On Through the Night” (1980), o grupo queria conquistar os EUA. O desejo era tão evidente a ponto de haver uma música chamada “Hello America” no álbum.

Uma grande razão para o público inglês apoiar essa nova safra de bandas de heavy metal foi justamente o fato dos pioneiros do gênero terem abandonado o Reino Unido pelos EUA. Então, quando um dos maiores expoentes dessa cena nascente escancara o fato de querer fazer o mesmo, os fãs britânicos reagiram tão bem quanto era de se esperar. 

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Uma performance mal-recebida no festival de Reading de 1980 até gerou uma matéria na revista Sounds questionando se a banda havia se vendido. O que o Def Leppard estava prestes a fazer, contudo, era mudar o heavy metal para sempre.

O grupo havia chamado a atenção do mega-produtor Robert John “Mutt” Lange, famoso por produzir o AC/DC – e que agora queria trabalhar com eles. O resultado inicial dessa parceria foram dois discos responsáveis pela invenção do padrão de heavy metal radiofônico dos anos 1980: “High ‘n’ Dry” (1981) e “Pyromania”.

No entanto, em meio a comemorações do sucesso esmagador de “Pyromania” (seis milhões de cópias vendidas nos EUA quando saiu, em 1983) e dificuldades iniciais de produzir material para o sucessor (o que fez a banda cancelar seu show no Rock in Rio 1985), ocorreu a tragédia.

O acidente de Rick Allen

Era 31 de dezembro de 1984. Rick Allen estava ao volante de seu Corvette Stingray numa estrada do interior do Reino Unido. Sua então namorada, Miriam Barendsen, estava no banco de passageiro.

Um Alpha Romeo à frente na estrada continuamente diminuía a velocidade, como se estivesse lhe permitindo uma ultrapassagem, apenas para acelerar no último momento.

Irritado, Allen pisou fundo no acelerador do Corvette, tentando resolver a disputa na base da potência do motor. O que ele não contava era a chegada súbita de uma curva. Ele perdeu o controle do carro, que bateu numa mureta e rumou para dentro de um campo ao redor da estrada. 

No impacto, o músico foi arremessado para fora do veículo pelo teto solar. Entretanto, seu braço esquerdo prendeu no cinto de segurança e foi decepado. Miriam Barendsen, curiosamente, teve apenas ferimentos leves.

Apesar do socorro no local e uma tentativa por médicos de reimplantar o braço, uma infecção selou o destino do membro no dia 4 de janeiro de 1985. Allen precisou de uma amputação completa a partir do ombro. Durante tudo isso, o baterista estava em coma, só acordando duas semanas após o acidente.

Em entrevista à Forbes, Rick Allen falou sobre seus primeiros pensamentos ao se deparar com sua condição:

“Eu não estava entendendo coisas direito. Estava confuso quanto à razão de estar no hospital. Mas aí as coisas começaram a se revelar a partir de uma série de experiências e dias. Quando eles mudaram meu curativo pela primeira vez, eles me deram um monte de óxido nitroso [gás do riso], que foi ótimo [risos]. Foi ali, naquele estado cômico, que eu percebi: ‘meu Deus, eu perdi mesmo meu braço esquerdo’. Foi então que tudo começou a voltar em termos do que tinha acontecido. E foi quando eu não queria mais fazer música. Eu me senti derrotado, inseguro, queria desaparecer.”

Volta por cima

Apesar de ser informado inicialmente que precisaria passar seis meses no hospital, Rick Allen recebeu alta ao final de janeiro de 1985. Ele precisaria reaprender a se equilibrar em pé e andar, tamanha a falta de um braço faz. Voltar a tocar bateria não era sequer uma possibilidade.

Enquanto estava no hospital, contudo, Rick já planejava desafiar essas chances. Ele disse à Classic Rock:

“Desde então soube que certas pessoas perguntaram ao resto da banda: ‘vocês não vão deixar essa aberração tocar com vocês, vão?’. Felizmente, eu não escutei nada disso. Mesmo assim, eu ouvia o tempo inteiro que nunca voltaria a tocar bateria. E só quando Steve Clark e Phil Collen (guitarra) me visitaram que eu comecei a acreditar mesmo no contrário. Eles estavam completamente bêbados, mas eu estava praticando num pedaço de espuma ao pé da cama. Com a ajuda de um cara chamado Pete Harley, que me fez um kit eletrônico e não está mais vivo, eu aprendi a tocar novamente.”

Allen teve a sorte de perder o braço numa época em que a tecnologia havia chegado ao ponto no qual uma bateria eletrônica poderia ser fabricada, acomodando sua condição. Com Pete Harley e a empresa Simmons, o músico reconfigurou não somente sua técnica, mas a localização dos elementos individuais de seu kit e como incorporar elementos eletrônicos para compensar a falta do braço esquerdo.

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À Forbes, o baterista contou sobre o processo:

“O que deu início à minha paixão pela bateria pra começo de conversa foi escutar um kit de verdade. Sem chaves para ligar, sem tecnologia. É imediato, gratificação instantânea. Já um kit de bateria eletrônica tem bem mais raciocínio por trás. Eu pude colocar elementos diferentes em lugares diferentes. Eu poderia colocar o bumbo numa posição onde pudesse tocar com a mão direita. Eu poderia juntar peças nos pedais arranjados para tocar vários sons de uma vez. Então havia todos esses jeitos de ter esse kit de bateria híbrido. Me fez pensar fora da caixa, não ficar preso em posicionamento tradicional de bateria, e sim ser capaz de ir além do limite.”

Ainda assim, foi um processo árduo, como ele falou na mesma entrevista:

“Não acho que pessoas entenderam mesmo o que eu estava passando, o nível de sofrimento. Eu tinha a tendência de passar uma imagem positiva, agir como se estivesse tudo bem. Se eu fizesse isso, tudo estaria bem. Eu tinha 21 anos de idade, não estava nos meus planos estar nessa situação. Tinha um monte de sonhos. Bater o carro e perder o braço não era algo que eu tinha me inscrito pra fazer. A coisa mais importante que os caras fizeram foi me dar tempo de tomar uma decisão quanto a se eu queria ou não continuar a tocar. O tempo que eles me deram para eu me cuidar, para tocar, tocar, tocar e tocar, foi muito valioso. Finalmente, foi minha decisão. Eu lembro de falar anosa trás que não era como se pudesse consultar um livro chamado ‘Bateristas de um braço só’ [risos]. Tudo que eu fiz precisei me virar.”

Rick inicialmente aprendeu novamente a tocar bateria na casa dos seus pais em Dronfield, mas logo começou a ocupar uma sala no mesmo estúdio no qual o Def Leppard trabalhava no sucessor de “Pyromania”. A banda nunca sequer havia cogitado substituí-lo.

Um dia, o baterista chamou seus companheiros para ver seu progresso. Ele começou a tocar a introdução de “When the Levee Breaks”, clássico do Led Zeppelin. Certamente a lembrança de testar aquele adolescente sete anos antes e perceber como a banda soava muito melhor com ele deve ter voltado à mente do resto do Def Leppard.

O grupo tinha seu baterista de volta. Eles retornaram aos palcos em 1986, com uma pequena turnê de aquecimento pela Irlanda e um set lendário no festival Monsters of Rock. No ano seguinte, eles finalmente lançaram “Hysteria”, o sucessor de “Pyromania”. 

O disco foi um sucesso esmagador não só nos EUA, mas também no Reino Unido. O público de heavy metal britânico havia feito as pazes com o grupo. Todos os sete singles tirados do trabalho foram hits top 40 na América, enquanto o álbum vendeu ao todo mais de 25 milhões de cópias desde seu lançamento.

Nenhum outro trabalho do Def Leppard teve esse nível de sucesso, considerando as mudanças na paisagem do rock trazidas pelos anos 1990, mas a banda continua firme e forte até hoje. E Rick Allen continua fazendo eles soarem seis vezes melhores, mesmo com um braço a menos.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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