A história complicada de “Hysteria”, o álbum definitivo do Def Leppard

Brigas com produtores, acidente de carro com amputação, baterias eletrônicas e gravações meticulosas geraram um dos discos de hard rock mais vendidos da história

Quatro anos sem lançar nada enquanto toda banda de hard rock de sucesso no planeta copia seu som. Um processo de gravação tão longo e caro a ponto de precisarem vender cinco milhões de cópias para conseguirem empatar. Um acidente de automóvel que causa o baterista a perder seu braço esquerdo.

A lista de problemas enfrentados pelo Def Leppard no período entre 1983 e 1987 chega a ser cômica. Bandas acabam por muito menos, nem se fala manter o sucesso. Mas superar tudo isso e lançar uma obra-prima do hard rock que se tornou um dos discos mais bem-sucedidos da história?

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Não é à toa que o disco se chama “Hysteria” – de tão doida a história por trás.

Def Leppard, grande só nos EUA

O Def Leppard nunca escondeu sua ambição de estourar nos Estados Unidos. Visto como um dos líderes do movimento batizado New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), o grupo acabou ganhando antipatia do público metaleiro inglês graças ao fato de fazer mais turnês na América do que no Reino Unido, além de ter canções como “Hello America”, do disco de estreia “On Through the Night” (1980).

Mesmo assim, a aposta do grupo começou a funcionar especialmente a partir do segundo disco, “High ’n’ Dry” (1981). Apesar de vendas não muito chamativas, um dos singles do álbum se tornou um dos primeiros videoclipes de heavy metal a passar na MTV. 

A relação entre a banda e o canal se estreitou ainda mais no lançamento seguinte, “Pyromania” (1983). O primeiro single do disco, “Photograph”, desbancou “Beat It” de Michael Jackson como o clipe mais pedido na MTV e se tornou um hit nas rádios. Ao todo, o álbum vendeu seis milhões de cópias apenas no ano de sua divulgação, sendo superado somente por, veja só, “Thriller”.

Apesar desse sucesso todo, o Def Leppard era vítima de um fenômeno estranho. Eles eram imensamente populares nos EUA, mas no Reino Unido eram apenas uma banda qualquer. Não conseguiam sentir sequer o cheiro do top 10 das paradas.

Quando o produtor Robert John “Mutt” Lange desafiou os integrantes do Def Leppard a fazerem o “Thriller” do heavy metal, encontrou cinco músicos com ambição suficiente para aceitarem a empreitada. O objetivo era megalomaníaco: sete singles de sucesso, no mínimo; nada de filler. Tudo precisava ser hit em potencial.

Uma das chaves para o sucesso de “Pyromania” foi que o Def Leppard havia chegado à sua formação ideal. A última peça restante era o guitarrista Phil Collen, substituto de Pete Willis, demitido por causa do alcoolismo.

Collen não só era extremamente técnico em seu estilo, como também trazia o uma habilidade melódica enorme. Ele e o outro guitarrista da banda, Steve Clark, desenvolveram química de cara, um trabalhando com o outro para fazer os arranjos mais sofisticados. Essa sofisticação foi ressaltada pela produção meticulosa de Lange, e “Pyromania” estabeleceu o modelo do pop metal dos anos 80.

Para seu sucessor, precisavam ir além disso. O grupo se mudou inteiro para Dublin após terminarem de promover “Pyromania”, e se colocaram a trabalhar.

Problemas ao gravar “Hysteria”

No episódio da série televisiva “Classic Albums” sobre “Hysteria”, o vocalista do Def Leppard, Joe Elliott, descreveu o ambiente novo da banda e o trabalho adiante:

“Nós cinco morávamos na mesma casa, e era como a série de comédia ‘The Young Ones’. Era loucura. A quantidade de álcool sendo consumida era difícil de acreditar. Mas a tarefa na agenda era compor o álbum sucessor de ‘Pyromania’ e a realidade era que estávamos com um pouco de medo. Não sabíamos o que fazer e ficávamos enrolando. A gente fazia umas coisinhas, ficava de porre, fingia que era ótimo e no dia seguinte quando chegava a hora de ouvir tudo de novo, era horrível.”

Para piorar essa situação, Lange pulou fora da produção, alegando exaustão. A esse ponto, a banda via o produtor como se fosse outro integrante e sua desistência caiu como um baque. Ele concordou em ajudar ao menos na pré-produção do disco, trabalhando no processo de composição durante três meses.

Entrevistado no episódio de “Classic Albums”, o baterista Rick Allen descreveu a importância do produtor para o Def Leppard:

“A filosofia dele toda com relação à vida teve um impacto enorme em todos nós. Mutt nos ensinou a não sermos preciosos demais com ideias. E isso foi importante. Só porque você gravou algo, não quer dizer que não possa apagar e desenvolver uma ideia melhor.”

Uma das ideias melhores desenvolvidas nesse período foi o que viria a ser o primeiro single de “Hysteria”, “Animal”. Armados com um primeiro hit, eles só precisavam de um produtor para substituir Lange. O escolhido pela gravadora acabou sendo um nome inusitado: Jim Steinman.

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A esse ponto, Steinman era mais conhecido como compositor, seja o mega-sucesso do cantor Meat Loaf, o álbum “Bat Out of Hell”, ou o hit “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler. Ele podia ser creditado como produtor, mas não exercia o papel técnico de um. 

Isso criou problemas com o Def Leppard imediatamente. O grupo estava acostumado a trabalhar com Mutt Lange, um dos produtores mais técnicos do rock, que os fazia gravar inúmeros takes da mesma canção e construir digitalmente as faixas a partir dos melhores momentos. 

Em contraponto, Jim Steinman era focado na vibe – e o Def Leppard queria que ele enfiasse as vibes dele naquele lugar, como Joe Elliott contou ao “Classic Albums” ao citar um episódio no estúdio:

“Eu acho que a cereja do bolo – ou o último prego no caixão – pro Phil e o Steve foi um dia que estávamos fazendo uma passagem por uma canção chamada ‘Don’t Shoot Shotgun’. O Jim falou no microfone da cabine: ‘acho que a gente conseguiu nessa, rapazes’. Os dois [Phil e Steve] se olharam e disseram que nem tinham afinado as guitarras ainda. Jim falou que soava honesta e a resposta foi que para um garoto em Boise, Idaho, a canção soaria desafinada.”

A indenização paga a Steinman para rescindir o contrato foi tamanha que o Def Leppard precisaria vender alguns milhões de cópias para compensar. A gravadora viu esse ato como uma demonstração de confiança por parte dos empresários da banda, mas havia grande incerteza sobre o projeto nesse ponto.

O acidente de Rick Allen

O grupo se via numa situação em estúdio de não conseguir colocar na fita o que eles queriam ouvir. Tentativas de trabalhar com Nigel Green, engenheiro de som de Mutt Lange, não renderam em nada.

As dificuldades em estúdio foram tamanhas que o Def Leppard cancelou em novembro de 1984 sua vinda ao Brasil para fazer parte da escalação do primeiro Rock in Rio, em janeiro de 1985. Como reportado aqui neste site, esta foi a causa para o quinteto ser substituído pelo Whitesnake na ocasião.

Quando parecia que não tinha como piorar, uma tragédia gigantesca aconteceu. Na noite de 31 de dezembro de 1984, o baterista Rick Allen sofreu um acidente de carro no norte da Inglaterra após tentar ultrapassar outro veículo em alta velocidade. Perdeu o controle da direção, bateu em uma parede e capotou diversas vezes.

Como resultado, Allen teve seu braço esquerdo decepado. Miriam Barendsen, sua namorada à época que o acompanhava na ocasião, sofreu apenas ferimentos leves.

Médicos tentaram reatar o membro, visto que um profissional da saúde que morava próximo ao local da colisão chegou a guardá-lo no gelo. Contudo, após uma infecção, decidiram amputar de vez.

Fim da linha para um baterista, certo? Errado.

Recomeçando do zero

Mesmo no hospital tendo que reaprender a se manter de pé, Rick Allen manteve a determinação de querer continuar a tocar bateria. E o Def Leppard o apoiou, se recusando a substituí-lo.

Neste momento, Mutt Lange ressurgiu. Sentindo a necessidade de auxiliar seus companheiros nessa hora difícil, o produtor concordou voltar à posição da qual nunca deveria ter saído.

Uma de suas primeiras contribuições foi auxiliar Allen a pensar em como tocaria seu instrumento dali em diante. Em entrevista à Guitar World, Phil Collen descreve o quão simples a solução encontrada foi:

“Ele falou pro Rick: ‘por que você não arruma uns pedais e outras coisas e toca usando isso?’ E o Rick falou: ‘bem, nunca fizeram isso’. E Mutt respondeu: ‘então você seria o primeiro’. Acho que você poderia dizer que quando estávamos fazendo o disco era bem como todos nos sentíamos em algum momento.”

Allen se pôs a desenvolver um kit de bateria eletrônica com a Simmons Drums que o possibilitaria tocar sem o braço esquerdo. Após alguns meses praticando separado do resto do grupo, o baterista juntou os outros integrantes e tocou a intro de “When the Levee Breaks”, do Led Zeppelin, para mostrar seu progresso. Ele estava de volta.

O objetivo: sete singles de sucesso

Tudo isso deixado para trás, o Def Leppard recobrou o foco de antes. O objetivo era não apenas fazer um grande álbum de rock, mas sim atingir um nível universal de crossover com o pop. Enquanto todo grupo de hard rock nos últimos quatro anos almejava soar como em “Pyromania”, o Def Leppard só tinha olhos para “Thriller”.

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O jeito encontrado para fazer isso foi usar a última palavra em tecnologia digital. Tudo era sujeito à perfeição. Backing vocals recebiam tratamento de afinação automática e quicavam de um lado ao outro da mixagem em estéreo. A bateria era toda composta de samples gravados e depois tocados através de um sintetizador Fairlight CMI.

Enquanto toda banda convencional de rock usava montanhas de amplificadores Marshall, Steven Clark e Phil Collen usaram o Rockman, um amplificador portátil inventado por Tom Scholz (Boston) que, apesar da sonoridade rala, dava a possibilidade de construir camadas de guitarras melódicas.

Tudo estava construído para o máximo de apelo pop possível. Quando o primeiro single do disco, “Animal”, foi lançado em julho de 1987, o Def Leppard conseguiu aquilo que faltava ao grupo: um hit top 10 no Reino Unido, atingindo o 6º lugar. 

“Hysteria”, o álbum, estreou no topo nas paradas britânicas. Dessa vez o Def Leppard teve sucesso em casa antes dos Estados Unidos. Tanto “Animal” quanto a faixa-título atingiram o top 40 da Billboard.

Ainda não era suficiente. As ambições só seriam conquistadas com a chegada definitiva à América. E quando chegou, foi avassalador.

Mamãe passou açúcar em mim

No primeiro semestre de 1988, “Hysteria” havia vendido 3 milhões de cópias. Qualquer banda daria tudo por um sucesso desses, mas os custos de produção foram tamanhos que ainda era aquém do necessário para cobrir tudo.

A solução foi uma nova montagem, dessa vez com imagens da banda ao vivo, do clipe da última canção composta para “Hysteria” – e que já havia sido lançada como o terceiro single do disco.

Descrita por Elliott como sua tentativa de seguir o exemplo da parceria de sucesso entre o Aerosmith e o Run-DMC em “Walk this Way”, “Pour Some Sugar on Me” abriu a porteira completamente em seu relançamento. O single atingiu o segundo lugar na Billboard 200 e deu o impulso necessário para “Hysteria” finalmente chegar ao topo das paradas de álbuns, quase um ano após seu lançamento.

Daí pra frente, todos os planos do Def Leppard com Mutt Lange se materializaram. Os quatro singles seguintes do disco todos atingiram os top 10 americano e britânico, com “Love Bites” liderando as paradas nos EUA. Fez sucesso até no Brasil, com direito a uma versão traduzida da banda Yahoo: “Mordidas de Amor”.

Ao todo, “Hysteria” vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo todo. A turnê de apoio foi um sucesso esmagador, com mais de 230 shows por todo o planeta entre 1987 e 1988.

Perda definitiva para o Def Leppard

Entretanto, apesar da banda decidir trabalhar no seu sucessor o quanto antes, problemas novos começaram a aparecer. O alcoolismo de Steven Clark havia chegado a tal ponto que o guitarrista estava entrando e saindo da reabilitação. 

Em meio a um período no qual tirou licença da banda para se tratar, em 1991, Clark morreu devido a uma combinação de remédios controlados e bebida. Assim como antes, o Def Leppard decidiu continuar. Terminou as gravações do sucessor de “Hysteria”, “Adrenalize”, com Phil Collen imitando seu colega além de fazer suas próprias partes. Vivian Campbell (Dio, Whitesnake) assumiu a vaga da turnê em diante.

Apesar de ter vendido seis milhões de cópias e gerado quatro singles de sucesso em tempos de auge do grunge, “Adrenalize” não tinha como competir com seu antecessor. Contudo, mesmo que “Hysteria” não tivesse sido esse sucesso todo, Phil Collen ainda estaria satisfeito com o disco, como descreveu à Guitar World:

“Eu lembro quando o disco tinha acabado de ficar pronto e Steve e eu estávamos sentados ouvindo tudo pela primeira vez. Estávamos tão felizes. Nós achamos uma obra-prima, e mesmo se todo mundo achasse uma merda, estava tudo bem. Nós dissemos, ‘Mesmo se só nossas mães comprarem esse disco, estaremos de bem com isso porque estamos tão orgulhosos do resultado’.”

Def Leppard – “Hysteria”

  • Lançado em 3 de agosto de 1987 pela Phoogram / Mercury Records
  • Produzido por Robert John “Mutt” Lange

Faixas:

  1. Women
  2. Rocket
  3. Animal
  4. Love Bites
  5. Pour Some Sugar on Me
  6. Armageddon It
  7. Gods of War
  8. Don’t Shoot Shotgun
  9. Run Riot
  10. Hysteria
  11. Excitable
  12. Love and Affection

Músicos:

  • Joe Elliott (vocal)
  • Steve Clark (guitarra, backing vocals)
  • Phil Collen (guitarra, backing vocals)
  • Rick Savage (baixo, backing vocals)
  • Rick Allen (bateria, backing vocals)
  • The Bankrupt Brothers – Def Leppard, Robert John “Mutt” Lange, Rocky Newton (backing vocals)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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