A história do álbum de estreia do Audioslave, que nasceu clássico

Supergrupos não deveriam nascer tão bem definidos quanto este - e é por isso que o disco de estreia deles se tornou tão icônico

Pessoas de uma certa idade lembram da experiência que foi assistir ao clipe de “Cochise”, vídeo de estreia do Audioslave, pela primeira vez. O clima de antecipação estabelecido desde o primeiro plano, a tensão aumentando a cada segundo, e apenas depois de um minuto, tudo explode junto com os  fogos de artifício.

Era o nascimento oficial de um supergrupo, com todos os clichês visuais excessivos do rock dos anos 70 e 80. No caso do Audioslave, porém, o único tamanho possível para apresentá-los era aquele.

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Formado pelo vocalista Chris Cornell (Soundgarden) com Tom Morello, Tim Commerford e Brad Wilk (todos os instrumentistas do Rage Against the Machine), o Audioslave foi o grupo que mostrou como o rock dos anos 90 era capaz de fazer a mesma coisa que seus ídolos conseguiam, e por consequência, ajudaram a cimentar sua geração noventista como parte do cânone clássico.

Grande parte disso se deve ao fato do disco de estreia ter nascido clássico.

A vida continua

O ano era 2001. O Rage Against the Machine tinha terminado, com a saída do vocalista Zack de la Rocha. Os outros integrantes queriam continuar juntos, mas todas as ideias da gravadora eram péssimas. Entra em cena o produtor Rick Rubin, sugerindo que os três procurassem Chris Cornell.

Cornell estava se preparando para gravar seu segundo disco solo, mas topou uma jam session. Dez minutos após começarem a tocar juntos, os quatro sabiam que havia algo especial entre eles, como o guitarrista Tom Morello contou à MTV:

“Ele foi até o microfone e cantou a canção e eu não conseguia acreditar. Não soava simplesmente bom. Não soava simplesmente ótimo. Soava transcendental. E… quando existe uma química insubstituível de cara, não tem como negar.”

Numa entrevista ao Artist Waves (via Ultimate Classic Rock), o baixista Tim Commerford falou sobre seu ponto de vista desse primeiro encontro:

“Era meio tenso tocar com outro vocalista que eu não conhecia. Eu tinha encontrado com Chris algumas vezes, mas a gente não se conhecia. Naquela época, ele não estava no melhor estado. Foi meio desconfortável de início, mas escrevemos ‘Light My Way’ naquele primeiro dia, que acabou indo parar no nosso primeiro disco. Saímos de lá no primeiro dia pensando, ‘Conseguimos. Isso é maneiro. Nós compomos uma canção e ela soa boa’. Foi isso que bastou.”

O vocalista, por sua vez, se mostrou impressionado com a qualidade dos outros três, em depoimento à MTV:

“Eu só pensei: sou sortudo. Posso ser o vocalista dessa banda se entrar lá e mandar bem. Então eu decidi mandar bem.”

Nos 18 dias seguintes, os quatro escreveram 21 músicas para o que seria o disco de estreia. O segundo álbum solo de Chris Cornell ficou na gaveta. Havia algo bem mais interessante na mesa.

Tim Commerford falou à MTV sobre a experiência de ver Cornell trabalhando nesse período.

“Eu ainda escuto de vez em quando às primeiras fitas que tínhamos do Chris fazendo barulhos. A voz dele é que nem um saxofone. Desde o primeiro dia, estávamos no estúdio com esse bluesman incrível que consegue acertar o falsete mais suave ou gritar como AC/DC ou cantar super grave como se fosse Elvis Presley ou cantar normal como o vocalista do Soundgarden.”

Quase acabado por rinha de empresário

Tão rápido quanto o disco foi composto, o Audioslave quase acabou pelo motivo mais besta de todos. Por consequência de serem todos artistas extremamente bem-sucedidos com gravadoras e equipes diferentes, a ideia de um supergrupo deu início a uma briga entre os empresários de Chris Cornell e dos três ex-Rage.

O grupo foi trabalhando nas músicas aos poucos. Em 19 de março de 2002, eles foram confirmados como uma atração no Ozzfest, mesmo sem sequer terem um nome. Menos de uma semana depois, o empresário de Cornell confirmou à imprensa que a banda tinha terminado.

Commerford contou ao Artist Waves, em 2016, sobre a confusão dessa época:

“Nós tínhamos empresários diferentes do Chris e isso causou alguns problemas. Aí de repente, parecia que as coisas estavam acabando antes de começar. Tínhamos composto um disco, mas por um segundo a vibe não estava legal. Chris sumiu. Chris é uma pessoa tão diferente agora. Ele está com tudo em cima, e melhor que nunca, mas naquela época ele era Chris Cornell de Seattle. Ele meteu Seattle na gente. Eu fui pessoalmente para Seattle. Procurei por ele e encontrei ele. Ao encontrar ele, me encontrei na cadeia. Não porque ele estava lá, mas porque eu acabei lá. Essa viagem pra cadeia me custou uma grana. Eu vejo como dinheiro bem gasto porque foi grande parte de por que o Audioslave se tornou uma banda. Valeu cada centavo. Eu encontrei Chris, arrastei ele pra longe de Seattle e nós nos tornamos uma banda que fez muitos discos em pouco tempo.”

Levou seis meses até que Chris Cornell retornasse ao Audioslave. Ele passou por reabilitação de drogas, de onde deu uma entrevista para a Metal Hammer do orelhão da clínica. Também se separou da esposa no período.

Contudo, ao retornar, tudo foi colocado em ordem. A questão de empresários foi colocada para trás ao demitirem quem fez a besteira toda e contratarem uma representação só para a banda toda. Quanto às gravadoras, elas concordaram em alternar distribuição dos discos.

The Civilian Project

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Enquanto isso, o mundo estava curioso para ver como seria a união entre esses caras. Tão curioso que, quando vazaram algumas gravações do material sendo trabalhado, sob o nome “The Civilian Project”.

A banda ficou descontente com isso, em parte porque eram apenas esboços de músicas ainda sendo lapidadas, mas também porque Civilian, o nome originalmente sendo proposto pelos integrantes, não podia ser usado por questões legais.

O nome Audioslave veio de uma visão que Chris Cornell teve. Quando o mundo finalmente teve acesso ao grupo, estava claro não se tratar de uma brincadeira.

A perfeita fusão

O chamado supergrupo conseguia combinar os melhores aspectos do Rage Against the Machine e do Soundgarden, criando um som muito mais clássico do que qualquer uma das bandas. A presença de Cornell acabava apresentando uma abordagem diferente para os mesmos temas explorados pelos companheiros na banda anterior deles.

Um excelente exemplo é “Set It Off”, que Cornell contou à MTV sobre a inspiração:

“A letra foi inspirada pela vibe da música. Alguém comentou enquanto estávamos compondo que parecia canção de tumulto. E então eu imaginei as pessoas e o tumulto e o que causaria isso, e não demorou muito depois [dos protestos durante a reunião em Seattle da Organização Mundial de Comércio], que eu vi durante a turnê. E essa foi a primeira vez que vi algo acontecer na minha cidade natal pela CNN e eu conhecia pessoas que estavam lá e eu sabia que o loop de coisas sendo mostradas pela CNN faziam tudo parecer muito mais dramático e perigoso e louco. E essa imagem ficou passando na minha cabeça.”

Em vez de ser simplesmente panfletário, Cornell canta sob o ponto de vista de um manifestante à beira da morte clamando por seus companheiros e pedindo para continuarem em frente batalhando.

Em “Show Me How to Live”, o grupo aproveitou o clipe para prestar homenagem a um filme cult importante na contracultura dos anos 1970, “Corrida Contra o Destino”. Mas a grande surpresa do disco é “Like a Stone”, uma balada bem mais ao estilo de Cornell, mas que os ex-integrantes do Rage conseguem colocar sua identidade no arranjo.

Em entrevista ao Artist Waves, Tim Commerford falou sobre como a canção fez ele repensasse as letras de Chris Cornell:

“Ele é um poeta. E ele me enganou com muitas das canções. Uma canção como ‘Like a Stone,’ eu achei que era um canção de amor. O refrão é ‘I’ll wait for you there, like a stone, I’ll wait for you there alone’ [‘Eu vou te esperar ali, como uma pedra, eu vou te esperar ali sozinho’]. E eu estava tipo, ‘Mermão, o que você está esperando?’ E ele responde, ‘Esperando para morrer’. E eu fico tipo, ‘Oh, Ok. Isso muda tudo’. Eu voltei e olhei para a canção e fiquei triste pelo que ele canta. É um cara esperando sozinho numa casa de morte e todos os seus amigos estão morrendo e ele está só esperando ali. E eu imaginando esse cara numa cadeira de balanço esperando para morrer. Mudou tudo para mim.”

Mudar tudo era uma ambição enorme do Audioslave. O rock em 2001 estava num momento de transição, em que o nu metal dominava as paradas juntamente com bandas de qualidade questionável. O revival do indie estava começando, mas era café pequeno perto do que estava por vir.

Tom Morello contou à MTV sobre ver o The Vines na capa de uma das revistas que iriam entrevistar a banda antes do lançamento de “Audioslave”:

“Eu olhei pra aquilo e estava tipo: ‘Você vai se ferrar se acha que o rock está de volta, porque o rock está prestes a estar de volta mesmo’.”

Sucesso e sequência do Audioslave

“Audioslave” saiu em 18 de novembro de 2002, e estreou em 7o lugar nas paradas da Billboard. Em 2006, recebeu a certificação triplo-platina nos EUA, vendendo quase 4 milhões de cópias no mundo todo.

O grupo permaneceu junto até 2007, lançando mais dois álbuns, “Out of Exile” e “Revelations”. Nesse meio tempo, eles se tornaram os primeiros artistas americanos a se apresentarem em Cuba.

Uma reunião quase aconteceu em 2017, com Cornell falando sobre a possibilidade. Contudo, três meses depois de comentar sobre o assunto, o vocalista foi encontrado morto.

Audioslave – “Audioslave”

Lançado em 18 de novembro de 2002 no Reino Unido e 19 de novembro de 2002 no restante do mundo pela Epic e Interscope Records

Produzido por Rick Rubin e Audioslave

Faixas:

  1. Cochise
  2. Show Me How to Live
  3. Gasoline
  4. What You Are
  5. Like a Stone
  6. Set It Off
  7. Shadow on the Sun
  8. I Am the Highway
  9. Exploder
  10. Hypnotize
  11. Bring Em Back Alive
  12. Light My Way
  13. Getaway Car
  14. The Last Remaining Light

Músicos:

Chris Cornell (vocal)
Tom Morello (guitarra)
Tim Commerford (baixo, backing vocals)
Brad Wilk (bateria)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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