A autodestruição do Slipknot em “All Hope is Gone”

Processo de gravação foi tão dividido a ponto de duas metades da banda trabalharem em dois discos completamente diferentes

O Slipknot foi uma das poucas bandas surgidas na onda do nu metal que conseguiu não ser limitada pela percepção pública ao gênero. Formado em Des Moines, capital do estado americano de Iowa, o grupo trazia uma dose de mistério e intensidade enquanto o resto da cena virava paródia de si.

Enquanto bandas que definiram o gênero terminaram de maneira catastrófica, o Slipknot passou a primeira década dos anos 2000 lançando seus melhores trabalhos e só aumentando seu público.

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Entretanto, a intensidade que definia a música do grupo era fruto de tensões. Trabalhos anteriores foram produzidos na base de traumas revirados, excessos e brigas internas. A conta viria em algum ponto.

O álbum que marcou o amadurecimento do grupo, com eles transcendendo o nü-metal para se tornar algo maior e mais brutal, acabou sendo o estopim para a implosão do grupo.

Essa é a história de “All Hope is Gone”.

Projetos paralelos e cura

Após passar pelo período mais pesado de sua história durante as gravações de “Iowa” (2001) – seja por causa do alcoolismo do vocalista Corey Taylor, o vício em drogas de vários outros integrantes ou pelo estresse de constantes turnês –, o Slipknot resolveu entrar em hiato na metade de 2002. Taylor e o guitarrista Jim Root reviveram sua banda anterior, o Stone Sour; o baterista Joey Jordison formou o grupo Murderdolls; o percussionista Shawn Crahan criou o To My Surprise e o DJ Sid Wilson iniciou uma carreira solo.

Os rumores de um fim aumentaram ainda mais quando integrantes mostraram seus rostos na MTV para promover seus novos projetos. Fãs especularam que isso significava um adeus às máscaras.

Enquanto isso, os integrantes ficavam trocando farpas na imprensa. Jordison, por exemplo, falou o seguinte à Classic Rock na edição de Natal de 2002:

“Eu não tenho problema com ninguém no Slipknot. Eu vi algo que Corey falou sobre coisas precisarem ser resolvidas, mas não tenho a menor ideia do que ele está falando.”

Felizmente, trabalhar em projetos paralelos foi exatamente o que a banda precisava para espairecer. Eles entraram no estúdio com o megaprodutor Rick Rubin em 2003 e após três meses sem nada sair por causa de tensão e insegurança, o Slipknot começou a compor como nunca.

Em uma entrevista de 2012 à Kerrang, Crahan falou sobre como via o processo de gravação do terceiro álbum, batizado “Vol. 3: (The Subliminal Verses)” (2003), em relação aos dois primeiros:

“O primeiro disco foi muito divertido. O segundo parecia que a gente estava dizendo: ‘vai se f#der, estamos morrendo aqui.’ E o terceiro foi o processo de cura.”

Parte desse processo envolveu Taylor combatendo seus problemas, como ele detalhou na mesma entrevista:

“O ‘Vol. 3…’ foi muito difícil pra mim. Eu estava num lugar sombrio e deprimente. Mas na metade do processo eu me ajeitei. Foi ali que comecei a batalha contra meu alcoolismo e meu comportamento de m#rda.”

Mesmo tendo uma experiência positiva em geral no disco, os integrantes ficaram divididos quanto à produção de Rubin, com Corey Taylor reclamando publicamente do fato que ele mal aparecia no estúdio. Contudo, Crahan e Root foram elogiosos ao barbudo.

Em uma entrevista à Revolver (via Blabbermouth) em 2008, Root afirmou que o produtor sempre estava a par do material sendo gravado pela banda. Ainda segundo ele, frequentemente o profissional dava feedback sobre quais partes estavam boas e quais precisavam ser melhoradas. 

Na mesma matéria, Crahan falou sobre a abordagem terapêutica do produtor ao lidar com os integrantes em meio às tensões:

“O ‘Vol. 3’ foi sobre reconstruir amizades e por estarmos reconstruindo isso, foi bem fácil reconstruir a inovação na música. Escute aquele álbum. É espiritual. Rick Rubin é o oráculo. Ele fez a gente sentar uns com os outros. Eu ouvi coisas de outros membros que prefiro nem repetir. Eu ganhei alguns amigos. Eu criei alguns inimigos. Todos concordamos que chegaríamos a uma posição de comunicação e foi o que fizemos.”

Após uma turnê, o grupo entrou novamente em hiato ao final de 2005, com os integrantes voltando a focar nos seus projetos paralelos. A questão a partir daí se tornaria: será que a experiência de trabalhar nas próprias coisas iria aliviar a tensão na hora de gravar mais um disco?

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De mal a pior

No período em que o Slipknot ficou em hiato, vários integrantes passaram por experiências pesadas: Corey Taylor se divorciou de sua primeira esposa, Scarlett, num processo marcado por brigas feias; Shawn Crahan perdeu seu pai e precisou internar a mãe em um asilo; e Joey Jordison, um dos principais compositores do grupo, batalhou contra um vício em drogas.

Em entrevista à Kerrang, Jordison detalhou sua recente sobriedade:

“A última vez que tomei qualquer narcótico foi antes do ano novo. Não consigo mais fazer essa m#rda. Era coisa de rockstar idiota… antes de começar a gravar esse disco, eu fiz eles [a equipe do Mercy Hospital em Des Moines] lavarem meu sistema para que eu pudesse me ver livre dessa m#rda de uma vez por todas.”

Ele continuou, falando sobre o clima no grupo:

“O ódio está definitivamente de volta. Mas enquanto o ódio em ‘Iowa’ era um pelo outro, esse agora é pelos antis e as pessoas que tentam derrubar o Slipknot. Quando você junta nós nove, não importa, cara, acontece!”

A banda havia decidido gravar o sucessor de “Vol. 3…” em Iowa, longe das distrações de Los Angeles e perto das famílias. Alguns integrantes disseram que poder voltar para casa depois de um dia gravando ajudou muito no processo. Contudo, as mesmas tensões de sempre começaram a aparecer de maneira nova.

Até então, o processo de composição do Slipknot começava com Jordison e o baixista Paul Gray. Contudo, as experiências em projetos paralelos de sucesso significou que certos integrantes – Taylor e Jim Root – deveriam ter uma voz maior nesse disco em comparação a outros. E certas pessoas ficaram insatisfeitas.

Em entrevista à Metal Hammer, Corey Taylor relembrou:

“Era a banda provavelmente em seu momento mais fraturado. Ninguém se falava, todo mundo indo por trás de todo mundo tentando fazer o álbum seu. Quando nós entramos no estúdio, haviam muitas questões sobre o que o álbum deveria ser e quais canções seriam representadas, e uma certa quantidade de raiva e amargura surgiu porque algumas pessoas não tiveram chance de contribuir o quanto gostariam. Não começou bem e meio que foi ladeira abaixo dali pra frente.”

Em certo momento das gravações, Jordison se trancou no estúdio para gravar sua bateria sem ninguém. Isso não agradou o percussionista Shawn Crahan, que falou na mesma entrevista para a Metal Hammer:

“Foi um insulto, eu me senti traído. Você não tranca o Clown [sua persona ao vivo] pra fora, ok? Você não faz isso. Eu pensei em estourar a fechadura com minha escopeta, mas pensei: ‘calma, pode acertar alguém do outro lado’.”

Essa divisão se materializou de uma forma ainda mais drástica. Crahan, Root, Taylor e o DJ Sid Wilson trabalhando em outro disco ao mesmo tempo, com uma sonoridade completamente diferente do Slipknot tradicional. O material seria batizado “Look Outside Your Window”, embora nunca tenha sido lançado.

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Em declaração à Metal Hammer, Jordison falou sobre essa realidade:

“Era estranho. Você tinha Shawn e Jim em uma sala, e eu estava gravando sozinho com o produtor. As tensões foram o que fizeram aquele disco ótimo. Todo mundo estava pegando fogo com emoções e estando em lugares diferentes, e dava pra ver as linhas na areia, dava pra sentir o concreto rachando um pouco. Dava pra sentir a banda se partindo. Tinha tanta coisa acontecendo nessa época que eu acho que foi isso que fez o disco tão brutal. Todo mundo tinha algum tipo de tensão pra extravasar simplesmente pra fazer daquele o disco mais pesado possível.”

Tudo isso significou uma mudança sonora do nu metal que havia feito o grupo famoso para algo mais cáustico, onde a influência de grupos como Pantera e Sepultura ficavam ainda mais evidentes. Entretanto, o que acabou sendo “All Hope is Gone” também ficou marcado pela presença de um dos momentos mais polêmicos da discografia do Slipknot: a balada acústica “Snuff”, escrita por Taylor após seu divórcio.

As sessões comandadas por Shawn Crahan só renderam uma canção para o álbum final, “Til We Die”. A letra fazia referência a uma sensação geral de que o baixista Paul Gray estava passando por problemas sérios de saúde por conta de drogas. O percussionista contou à Metal Hammer:

“Havia um medo real de que ele não estivesse bem. Eu lembro quando marquei uma sessão de fotos, esse dia foi ruim. Ele não estava bem, eu consigo lembrar Jim e eu tomando conta dele pra fazer algumas coisas, e eu não percebi até anos depois, mas ali já era o fim. Eu algum dia pensei que um amigo ia morrer? Não, você não liga esses pontos, porque você é jovem. Mas ele estava mal. Ele estava muito mal, e o que ele usava era coisa ruim. Ele estava passando por uma época dificílima.”

O final, por hora

“All Hope is Gone” saiu dia 26 de agosto de 2008, estreando no topo na Billboard 200 — a primeira vez que o grupo conseguia tal façanha na semana de lançamento. Eles chegaram ao segundo lugar no Reino Unido e foram campeões das paradas em mais nove países, incluindo Canadá, Austrália, Finlândia, Suíça e Suécia.

Desde seu lançamento, o álbum recebeu a certificação disco de platina, tendo vendido mais de um milhão de cópias nos EUA. Logo após o fim da turnê, em 2009, a banda anunciou mais um hiato.

Durante esse período, no dia 24 de maio de 2010, Paul Gray foi encontrado morto em um quarto de hotel de Iowa. Uma autópsia revelou a causa como sendo uma overdose acidental de morfina misturada com fentanil.

O grupo se reuniu e fez uma coletiva sem máscaras para honrar a memória do companheiro, com Corey Taylor falando sobre Gray (via Blabbermouth):

“Ele era tudo que era maravilhoso sobre essa banda e esse grupo de pessoas. O único jeito que posso resumir Paul Gray é ‘amor’.”

Os integrantes sobreviventes do Slipknot inicialmente se mostraram hesitantes em comentar sobre o futuro da banda sem o baixista, mas eventualmente lançaram mais três discos — todos eles sem Jordison, que deixou o grupo em 2013 após 18 anos e morreu em 2021.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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