Quando o Queensrÿche abordou a decadência moral da sociedade em “Operation: Mindcrime”

Grupo separatista canadense inspirou 3º álbum de estúdio da banda pioneira do metal progressivo; caráter inovador não resultou em sucesso imediato

O que Hansi Kürsch (Blind Guardian), Joacim Cans (Hammerfall) e Jens Johansson (Stratovarius) têm em comum? Além de integrarem grupos seminais do power metal, os três apontam “Operation: Mindcrime”, do Queensrÿche, como um dos discos de suas vidas.

Não é para menos: em seu terceiro álbum de estúdio, a banda oriunda de Seattle — e considerada uma das pioneiras do metal progressivo — entregou um verdadeiro divisor de águas. Em um cenário musical em que predominava a puerilidade do hair metal, fez cair por terra a noção de que som pesado era trilha sonora dos incultos.

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Lógico, o Queensrÿche não foi a primeira banda de rock a contar uma história com um álbum, mas foi a primeira de metal dos anos 1980 a fazê-lo. Essencialmente, eles atualizaram as bases de ópera-rock estabelecidas por Pink Floyd (“The Wall”) e The Who (“Tommy” e “Quadrophenia”) de modo a atrair os fãs de Iron Maiden, Judas Priest e Dio.

Ao fazê-lo, contudo, impulsionaram-se para além do nicho do heavy metal. Obtiveram vendas expressivas em todo o mundo e foram indicados ao Grammy vários anos antes de o metal ser estabelecido como uma categoria separada no prêmio. Mas os planetas não se alinharam da noite para o dia.

O Queensrÿche pré-1988

1983 ainda estava no comecinho quando os guitarristas Chris DeGarmo e Michael Wilton, o baixista Eddie Jackson e o baterista Scott Rockenfield, juntos há mais de um ano sob a alcunha de The Mob, recrutaram o vocalista Geoff Tate, do Myth, para completar a formação. Os cinco começaram a escrever músicas próprias, contrataram um empresário e gravaram uma fita demo que, lançada de maneira independente, vendeu cerca de 60 mil cópias.

A EMI Records ficou sabendo da banda e, impressionada com os números, garantiu ao rebatizado Queensrÿche um contrato de gravação sem que a banda tivesse feito um único show. Sua demo foi relançada pela gravadora como um EP homônimo, e seus primeiros compromissos na estrada foram abrindo para Quiet Riot, Dio e Twisted Sister antes de ir para Londres para gravar seu álbum de estreia com James Guthrie, coprodutor de “The Wall” (1979), do Pink Floyd.

Por mais que tenha expandido os horizontes musicais do EP, “The Warning” (1984) ainda foi apenas um trampolim. Com o lançamento do segundo álbum, “Rage for Order”, produzido por Neil Kernon (Yes, Dokken, Mahavishnu Orchestra e um milhão de outros), a banda começou a incorporar mais elementos eletrônicos e de synthpop em sua música. Lançado em 1986, representou um grande passo à frente e, em muitos aspectos, marca o ponto de partida para o Queensrÿche que conhecemos hoje.

Em 1988, viria a consagração definitiva junto aos críticos e aos fãs com “Operation: Mindcrime”.

“Nenhum deles realmente sacou”

As sementes musicais de “Operation: Mindcrime” foram plantadas durante a turnê de “Rage for Order”, quando Geoff Tate e Chris DeGarmo, decididos a compor uma peça de caráter conceitual, juntaram as peças que resultaram em “Suite Sister Mary”. Já as sementes temáticas teriam de esperar até o fim do giro, conforme o vocalista conta ao autor Martin Popoff em depoimento reproduzido no livro “The Top 500 Heavy Metal Albums of All Time” (ECW Press, 2004):

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“Quando a turnê acabou [em fevereiro de 1987], fui para Montreal para descansar. Enquanto estava lá, conheci algumas pessoas ligadas ao movimento pela independência do Quebec. Essas pessoas tentavam separar Quebec do Canadá. Eram sujeitos deveras interessantes, embora demasiado extremistas. Após conhecê-los melhor, resolvi me associar a eles. E eu lhes contava sobre minhas experiências na última turnê. Uma noite, estava nevando e eu estava sem cigarros, então vesti todos os agasalhos que pude para descer até a esquina e comprar mais. Quando cheguei lá, vi uma igreja do outro lado da rua e senti uma vontade enorme de entrar lá. Entrei, me sentei, e estava olhando em volta e absorvendo todas aquelas imagens quando, de repente, essa ideia me surgiu na cabeça, e foi ficando cada vez mais forte, e todos aqueles versos começaram a pipocar um após o outro. Corri para casa e me pus a escrever, e em cerca de três horas havia delineado toda a história e escrito o primeiro verso e o refrão da música ‘Operation: Mindcrime’. Assim foi dado o pontapé inicial.”

De volta à Seattle em março, Tate apresentou a ideia para a banda: um enredo que gira em torno de um viciado em drogas de nome Nikki que, desiludido com a sociedade, relutantemente, acaba se envolvendo com um grupo revolucionário como um assassino de líderes políticos. A resposta inicial dos colegas não poderia ter sido mais desanimadora:

“Nenhum deles realmente sacou. Eles não gostaram nem um pouco e fiquei muito chateado porque realmente achava uma baita ideia e queria desenvolvê-la. No dia seguinte, Chris me ligou e disse: ‘Sabe, estive pensando aqui. Acho que o que precisamos fazer é conversar um pouco mais sobre isso. Venha até a minha casa e talvez consigamos escrever algo juntos’. Fui até lá e começamos a conversar sobre isso. As ideias começaram a pipocar e Chris e eu, de fato, nos afinamos no enredo com um pouco mais de detalhes. E então, com ele e eu reapresentando o conceito para o resto da banda, todos se interessaram e começamos a trabalhar no disco.”

Processo prazeroso, equipe de primeira

Entre as primeiras canções escritas estavam “Eyes of a Stranger” e “The Mission”, além da abertura “Anarchy X”, desenvolvido a partir de uma ideia rejeitada para “Rage for Order”. Lenta mas seguramente, todas as peças se encaixaram. À Classic Rock, em 2003, Michael Wilton explicou o porquê de certa “demora”:

“Geoff queria abordar a decadência moral da sociedade. O tiro poderia facilmente ter saído pela culatra se o tivéssemos feito de maneira desleixada. Como não gravamos as músicas na sequência que se ouve no álbum, tivemos que garantir que elas se encaixassem corretamente, como no roteiro de um filme.”

Na mesma ocasião, Geoff Tate afirmou que, embora trabalhoso, o processo que levou à “Operation: Mindcrime” foi dos mais prazerosos:

“Algumas partes foram fáceis, outras… não foram necessariamente difíceis, mas levaram mais tempo. As sequências [narrativas] entre as músicas, por exemplo, exigiram bastante planejamento, mas você não se importa com isso quando está curtindo seu trabalho.”

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Uma equipe de primeira fez parte de empreitada. Na produção, Peter Collins, colaborador de longa data do Rush e cuja folha corrida incluía trabalhos de Gary Moore a Tom Jones; na engenharia de som, a dupla James “Jimbo” Barton (David Bowie, Eric Clapton, Phil Collins etc.) e Paul Northfield (Asia, Gentle Giant, Pat Travers); nas orquestrações, Michael Kamen, que havia contribuído em “The Warning” e conduziria a Orquestra Sinfônica de San Francisco no ao vivo “S&M” (1999), do Metallica.

Nome menos conhecido, mas que teria importância quiçá mais duradoura na carreira do Queensrÿche, Pamela Moore foi descoberta por DeGarmo enquanto este ouvia uma rádio local. Partiu dele o convite para a cantora dar voz a Sister Mary, o par romântico que Nikki, em meio a uma lavagem cerebral induzida pelo vilão, Dr. X, acaba assassinando a sangue frio. Moore acompanharia a banda em diversas turnês mundo afora.

Inovador e inimitável

Por mais inovador que tenha sido, “Operation: Mindcrime” não foi um sucesso imediato. Quando de seu lançamento no dia 2 de maio de 1988, estreou no número 50 na parada de álbuns da Billboard. Um ano inteiro seria necessário até que a marca de 500 mil cópias vendidas — disco de ouro — fosse batida. O disco de platina por 1 milhão de cópias vendidas só viria em 1991, depois que o grupo tocou o álbum na íntegra para promover “Empire” (1990).

“Eyes of a Stranger”, “Revolution Calling” e “I Don’t Believe in Love” foram as músicas de trabalho. Segundo o banco de dados Setlist.fm, a primeira delas ainda é a música que o Queensrÿche mais vezes tocou ao vivo. As outras duas aparecem, respectivamente, na décima primeira e na sétima posições.

Em 2006, a história de Nikki ganhou continuação com “Operation: Mindcrime II”, mas nem mesmo a participação de Ronnie James Dio como Dr. X impediu o álbum de ser tachado como uma sequência de baixa caloria pela crítica. Pudera: sem Chris DeGarmo e Scott Rockenfield a bordo — substituídos por Mike Stone e Matt Lucich —, como repetir a magia?

Queensrÿche — “Operation: Mindcrime”

  • Lançado em 3 de maio de 1988 pela EMI Manhattan
  • Produzido por Peter Collins

Faixas:

  1. I Remember Now
  2. Anarchy—X
  3. Revolution Calling
  4. Operation: Mindcrime
  5. Speak
  6. Spreading the Disease
  7. The Mission
  8. Suite Sister Mary
  9. The Needle Lies
  10. Electric Requiem
  11. Breaking the Silence
  12. I Don’t Believe in Love
  13. Waiting for 22
  14. My Empty Room
  15. Eyes of a Stranger

Músicos:

  • Geoff Tate (voz, teclado)
  • Michael Wilton (guitarra, (violão, violão de 12 cordas)
  • Chris DeGarmo (guitarra, violão, violão de 12 cordas, lap steel, sintetizador de guitarra, backing vocals)
  • Eddie Jackson (baixo, backing vocals)
  • Scott Rockenfield (bateria, teclado na faixa 10, percussão)

Elenco:

  • Pamela Moore (Sister Mary)
  • Anthony Valentine (Dr. X)
  • Debbie Wheeler (Nurse)
  • Mike Snyder (Anchorman)
  • Scott Mateer (Father William)
  • The Moronic Monks of Morin Heights (coral)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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