Como “Elephant” cimentou o White Stripes como um gigante do século 21

Antes de serem responsáveis pelo maior hino esportivo desde "We Will Rock You", Jack e Meg White tiveram uma história peculiar enquanto banda

Fenômenos populares orgânicos são raros, e particularmente efêmeros. Quando torcedores do Club Brugge começaram a cantar o riff de “Seven Nation Army”, do White Stripes, durante um jogo contra a Roma em 2003, não imaginavam que três anos depois os italianos não só devolveriam o canto, mas tomá-lo para eles mesmos e sua pátria.

A torcida apoiando a Itália em sua campanha vitoriosa na Copa do Mundo de 2006 cantava o riff com tal convicção a ponto da música conquistar um lugar permanente no panteão de clássicos esportivos.

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A pergunta que fica é: como que uma banda de garage rock de Detroit chegou a tal ponto de sucesso?

O caçula de dez filhos

Jack Gillis era o mais novo de dez filhos de um casal que trabalhava para a arquidiocese de Detroit. Ele aprendeu sobre rock graças aos seus irmãos, que tinham uma banda própria, chamada Catalyst. O caçula começou a tocar bateria aos 5 anos de idade e aos poucos foi aprendendo os instrumentos deixados para trás quando um deles se mudava para fora de casa. 

Nesse processo, Jack descobriu sobre música clássica e rock dos anos 1960 e 1970 até chegar no estilo que mudou sua vida durante sua adolescência: o blues. Em uma entrevista para o The Guardian em 2013, ele contou o momento da descoberta:

“Alguém morreu e sua família vendeu a coleção inteira de álbuns de blues para uma loja de discos em Detroit. Todos numerados, no canto. Eu cheguei lá uns dias atrasado, então os álbuns em melhor estado já tinham sido vendidos, mas eu consegui comprar um monte de discos que eu nunca tinha visto antes, Tommy Johnson, Blind Boy Fuller, Mississippi John Hurt, Blind Willie McTell e toda essa gente. Eu comprei tantos quanto eu podia – 30 ou 40 deles.”

Na mesma entrevista, Jack falou sobre a qualidade que chamou sua atenção nesses discos:

“Eles soam como se não pudessem ter ocorrido de verdade. Eles não soam como se desse para ter escutado essas canções sendo gravadas. Eu não consigo imaginar os brancos do Norte que eram donos das gravadoras falando: ‘Ótimo trabalho, Robert Johnson. Vamos ouvir outra!’. Era uma música tão estranha. Dá pra imaginar eles pensando: ‘Eu não entendo isso ou o que eles estão falando. Por que estamos gravando esse tipo de música?’”

Apesar dessa obsessão nascente pelo blues, a influência da religião na família quase o fez entrar para o seminário. A razão dada para desistir da batina? Ele contou a história à Mike Wallace, no 60 Minutes, em 2006:

“Eu fui aceito em um seminário em Wisconsin e ia virar um padre, mas na última hora pensei: ‘é melhor eu ir só pra escola pública’. Eu tinha acabado de arrumar um amplificador novo no meu quarto e não acho que seria permitido levar ele comigo.”

Jack entrou para a Cass Technical High School, uma escola técnica, e começou aos 15 anos um aprendizado com Brian Muldoon, um estofador amigo da família. Durante esse período ele não só foi exposto à profissão, mas também a música punk pelo seu mestre.

Uma das bandas apresentadas por Muldoon a White foi o Flat Duo Jets, que ele contou à Rolling Stone em 2005 sobre como o influenciaram:

“Eu estava no colegial quando ouvi Flat Duo Jets pela primeira vez. Eles eram uma banda de apenas guitarra e bateria e eu pensei a mesma coisa [referindo-se à ausência de baixo levantada pelo entrevistador]. Mas, dali a alguns meses, eles se tornaram minha banda preferida. A crueza bateu forte em mim e eu vi que não precisava de mais nada.”

Boy meets girl

Bem, Jack ainda precisava de uma companheira de banda. Meg White nasceu em um subúrbio mais nobre de Detroit, mas decidiu não ir à universidade, escolhendo trabalhar como chef de cozinha.

Pouco se sabe sobre sua vida por ser uma pessoa discreta. No entanto, colegas de classe a descreviam como quieta e artística. Ficava na dela.

Meg conheceu Jack Gillis no restaurante Memphis Smoke, onde ela trabalhava e ele gostava de frequentar para ler poesia nas noites de calouros. Os dois começaram a namorar.

Em 1994, Jack conseguiu seu primeiro trabalho como músico profissional tocando bateria para uma banda cowpunk chamada Goober & the Peas. Dois anos depois, Jack e Meg, com ele assumindo o sobrenome dela, White.

Mesmo com o fim da banda de cowpunk logo após seu casamento, Jack White se manteve ocupado, tocando em vários grupos por Detroit. Contudo, foi no dia da Bastilha em 1997 que sua vida mudou quando Meg começou a tocar bateria.

“A melhor parte dessa banda”

Muitos diriam que o uso do termo “tocar” é generoso. Porém, o estilo rudimentar de Meg White tem seu poder. Ela mantém um ritmo forte, acentua as partes certas. Serve à canção como os melhores músicos sempre fazem.

Em uma entrevista de 2005 para a Rolling Stone, Jack falou sobre a importância de Meg para aquele som:

“Meg é a melhor parte dessa banda. Nunca teria funcionado com mais ninguém, porque teria sido complicado demais. Quando ela começou a tocar bateria comigo, só de brincadeira, a sensação foi de libertação. Tinha algo ali que me abriu. Era minha abertura para tocar o blues, sem ninguém olhando por cima do meu ombro falando: ‘ah, blues de branquelo, banda de bar de branquelo’. Eu podia fazer algo bom.”

Os dois formaram uma banda, chamada White Stripes. Uma imagem de uma bala de hortelã foi adotada como símbolo no bumbo de Meg.

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Eles estabeleceram também algumas regras estéticas: sempre se comportariam em público como irmão e irmã; tudo usado em palco deveria ser apenas nas cores preto, branco e vermelho; e o número 3 apareceria com frequência em tudo.

O primeiro álbum do grupo, homônimo, foi lançado pela gravadora Sympathy for the Record Industry em 1999. O sucessor, “De Stijl” (2000), batizado em homenagem ao movimento artístico modernista holandês que contava entre seus maiores expoentes o pintor Piet Mondrian e o designer de móveis Gerrit Rietveld, para quem o disco foi dedicado, juntamente com Blind Willie McTell.

A esse ponto, a dupla era vista como um ato de nicho, apesar de “De Stijl” ter feito sucesso o suficiente para Jack fechar sua loja de estofamento. Mas as coisas começaram a mudar em 2001.

Sucesso na Inglaterra

“White Blood Cells”, terceiro disco do White Stripes, foi lançado em julho de 2001. Como era o último lançamento no contrato com a Sympathy for the Recording Industry, a dupla decidiu fazer algo capaz de fazer o projeto explodir ou implodir: atravessou o Atlântico para uma turnê no Reino Unido.

Em uma entrevista de 2022 ao The Guardian, Jack White refletiu sobre o impacto da turnê:

“Estávamos hospedados no chão da casa do baterista do Thee Headcoats a viagem inteira. Achávamos que só iríamos tocar com algumas bandas de garage rock e voltaríamos pra casa. Não foi o que aconteceu.”

A aposta foi um tremendo sucesso, com gente do calibre do radialista John Peel os chamando de a banda mais empolgante desde a Jimi Hendrix Experience. O disco em si justificava tal hipérbole. Apesar de “White Stripes” e “De Stijl” terem seus charmes e apresentarem ótimos momentos, “White Blood Cells” era um mastodonte. Numa época quando bandas como Strokes estavam sendo celebradas como a salvação do rock, aquele álbum parecia uma provocação, tal qual Crocodilo Dundee rindo da cara do assaltante pelo tamanho da faca dele.

Isso sim que era uma faca. E as grandes gravadoras notaram a mesma coisa. A V2 Records, fundada por Richard Branson, se encarregou de não só assinar o White Stripes, mas assegurar os direitos de relançar “White Blood Cells” com uma distribuição melhor.

A estratégia deu certo. “White Blood Cells” chegou ao 61º lugar da Billboard graças ao sucesso de “Fell In Love With a Girl” e seu clipe dirigido por Michel Gondry, uma animação da banda tocando a música feita em stop motion com Legos.

O White Stripes estava à beira do sucesso, mas Jack White sabia o quão tênue é a linha entre isso e o fracasso, como ele contou ao The Guardian em 2003:

“Estávamos fazendo o que queríamos fazer há tanto tempo. Ouvimos que a imprensa inglesa elevava pessoas ao status de ‘salvadores do rock’n’roll’ e depois os descartava três meses depois. Achamos que seria isso que aconteceria com a gente. Então a gente precisou decidir: a gente vai deixar isso nos destruir ou vamos pular de cabeça e manipular tudo para que funcione pra gente – e não deixar pessoas nos atropelarem e destruírem o que estamos fazendo? Fomos forçados a fazer isso.”

Iconografia pura

Quando chegou a hora de trabalhar no álbum seguinte, ao invés de se render aos caprichos da indústria e trabalhar em um estúdio profissional, o White Stripes decidiu usar o equipamento dos anos 1960 no Toe Rag Studios para fazer tudo.

Segundo Jack ao The Guardian, em 2003, a razão para isso era simples:

“Se não conseguimos produzir algo que soa bom sob essas condições, não é real pra começo de conversa. Se envolver com computadores é se envolver com excesso, especialmente quando você começa a alterar batidas da bateria pra fazê-las perfeitas ou fazer a melodia vocal perfeitamente afinada com algum programa – é tão longe de honestidade. Como dá pra ter orgulho disso se não é você fazendo isso?”

O White Stripes era uma banda que sempre viveram de contrastes. Comportamento infantilizado com letras informadas pela Bíblia, literatura clássica, cinema, cultura americana moderna. Blues rock com arte moderna. Instrumentos baratos dos anos 1960 – a guitarra que Jack é mais conhecido por usar era um modelo de plástico produzida para a loja de departamentos Sears – e pedais de harmonização digital.

O Digitech Whammy já havia sido transformado num dos pedais mais populares do planeta graças a nomes como Tom Morello (Rage Against the Machine), mas Jack White estava prestes a dar uma nova vida a ele da maneira mais tosca. Ele pegou um dos equipamentos musicais mais sofisticados já feitos até então, capazes de transpor notas para todos os intervalos possíveis numa escala ocidental, e usou para deixar sua guitarra uma oitava mais grave.

O riff que ele havia criado necessitava ser mais grave que o possível numa guitarra. A adição de uma guitarra barítono ou um baixo de seis cordas só faria as coisas serem mais difíceis ao vivo. O Whammy simplificava tudo para o mesmo nível do riff. 

O título “Seven Nation Army” vem do jeito como Jack chamava o Exército da Salvação quando criança, mais um instante em que a sensibilidade infantil do músico se manifestava. A letra transforma a confusão em um clássico bordão confiante tal qual os bluesman criavam: 

“I’m gonna fight ‘em off

A Seven Nation Army couldn’t hold me back”

Em tradução livre para o português:

“Eu vou lutar contra eles

Um exército de sete nações não poderia me impedir”

A bateria de Meg, especificamente o bumbo apocalíptico dela, vai criando tensão enquanto Jack tece um conto de confiança e paranoia, de ameaça e amizade, até explodir num refrão sem palavras, apenas o riff em toda sua glória. O clipe da canção mantém a tradição do 3 sendo construído em cima de triângulos em constante movimento, dando espaço para novas imagens da banda em ação.

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Entretanto, não dá pra viver de uma canção só. Felizmente, o White Stripes tinha outros hits na manga. “The Hardest Button to Button” usa a sensibilidade infantil retrô para contar uma história sobre disfunção familiar.

O clipe, novamente uma colaboração stop motion entre a banda e Michel Gondry, via dessa vez Jack e Meg tocando por Nova York, a cada passo que dão, cada degrau subidos ou descidos, um rastro de instrumentos deixados para trás.

É um vídeo tão icônico a ponto de ter virado piada em “Os Simpsons”, com direito a participação do próprio White Stripes:

Como tudo do White Stripes precisa vir em três, havia mais um grande single e clipe vindo de uma fonte inusitada: Burt Bacharach. “I Just Don’t Know What To Do With Myself” havia sido originalmente gravada por Dusty Springfield e sugerida por Meg para que eles tocassem ao vivo.

Em uma entrevista de 2003 para o AV Club, Jack falou sobre a inclusão da música no disco:

“Meg gostava dessa canção e queria que fizéssemos um cover, daí começamos a tocar ao vivo. Eu amo ela, porque comecei a reconhecer que era uma canção de blues em sua forma mais pura, quando você tira toda a produção do Bacharach. A essência da canção era blues, então eu adaptei para aquilo.”

O que era uma balada leve se tornou um apelo desesperado, escalafobético, em meio a explosões de guitarra e bateria. O clipe, dirigido por Sofia Coppola, é outro ícone do rock da época. Apenas Kate Moss fazendo pole dance.

Elefante no topo

Quando foi lançado, em 1º de abril de 2003, “Elephant” chegou ao topo das paradas do Reino Unido e o 6º lugar da Billboard 200. O White Stripes estourou nos próprios termos. O álbum eventualmente foi certificado disco de platina nos dois países. A dupla agora era vista não só na companhia das maiores bandas do momento, como também da história.

Em uma lista de agosto de 2003 feita pela Rolling Stone, Jack foi eleito o 17º maior guitarrista de todos os tempos. Eles agora eram headliners de qualquer festival de música no planeta e reconhecidos como um dos melhores grupos ao vivo do mundo. Um cover ao vivo de “Jolene”, composta e gravada originalmente por Dolly Parton, se tornou um hit no Reino Unido.

Felizmente, esse sucesso não alterou a abordagem da dupla. Eles continuaram fazendo tudo sob os próprios termos, conseguindo sucesso enorme com os discos “Get Behind Me Satan” (2005) e “Icky Thump” (2007), antes de darem uma pausa devido ao transtorno de ansiedade de Meg em 2007. O fim oficial das atividades foi anunciado em 2011.

Nesse meio tempo, “Seven Nation Army” se tornou a maior canção pop em eventos esportivos desde “We Will Rock You” (Queen) de maneira absolutamente orgânica. O poder de um riff incrível e um monte de italiano pilhado.

Em uma aparição de Jack no podcast “Conan O’Brien Needs a Friend” (transcrição via Far Out Magazine), ele falou sobre como encara esse fenômeno:

“Não é mais minha; ela se torna música folk quando coisas assim acontecem. Quanto mais pessoas não souberem de onde veio, mais feliz eu fico. Sabe, quanto mais frequente se tornar. Eu tenho certeza que muita gente cantando a melodia não tem a menor ideia do que a canção fala ou de onde veio ou coisa assim. Não importa mais. É incrível.”

No encarte de “De Stijl”, Jack White escreveu:

“Quando é difícil quebrar as regras de excesso, então novas regras precisam ser estabelecidas.”

No caso do White Stripes, eles estabeleceram novas regras de sucesso.

White Stripes – “Elephant”

  • Lançado em 1º de abril de 2003 pela V2 / XL / Third Man
  • Produzido por Jack White

Faixas:

  1. Seven Nation Army
  2. Black Math
  3. There’s No Home for You Here
  4. I Just Don’t Know What to Do with Myself
  5. In the Cold, Cold Night
  6. I Want to Be the Boy to Warm Your Mother’s Heart
  7. You’ve Got Her in Your Pocket
  8. Ball and Biscuit
  9. The Hardest Button to Button
  10. Little Acorns
  11. Hypnotize
  12. The Air Near My Fingers
  13. Girl, You Have No Faith in Medicine
  14. Well It’s True That We Love One Another

Músicos:

  • Jack White (voz, guitarra, piano)
  • Meg White (bateria, voz)

Músicos adicionais:

  • Mort Crim (voz)
  • Holly Golightly (voz na faixa 14)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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