A incrível trajetória de Miljenko “Mike” Matijevic, voz e alma do Steelheart

Cantor de origem croata deu a volta por cima após acidente que lhe custou tudo que havia conquistado até então

O nome de Miljenko “Mike” Matijevic, vocalista do Steelheart, pode não figurar entre os mais conhecidos do grande público. Porém, muitos já ouviram sua voz dublada por Mark Wahlberg no filme “Rock Star” (2001).

Nascido em Zagreb, Croácia, em 29 de novembro de 1964, Matijevic se mudou para os Estados Unidos ainda criança. Aos 11 anos, descobriu o Led Zeppelin e, inspirado por Robert Plant, decidiu investir em aulas de canto. Sua extensão vocal, incomum para indivíduos do sexo masculino, é das mais impressionantes – e tudo isso sem lançar mão de falsetes, como fazem diversos cantores.

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Em Nova York, na segunda metade da década de 1980, Miljenko adotou o apelido Mike e conheceu o guitarrista Chris Risola, com quem fundou o grupo Red Alert. Questões envolvendo direitos autorais obrigaram a dupla a mudar o nome para Steelheart. Foi a partir dessa mudança que a sorte começou a lhes sorrir por meio de um contrato com a MCA Records.

Steelheart suave na nave

Não obstante o estado terminal em que o hard rock estadunidense se encontrava no começo dos anos 1990, o Steelheart continuava navegando por mares tranquilos.

Seu álbum de estreia, homônimo, lançado em 1990, fora bem recebido: três dos quatro singles — “I’ll Never Let You Go”, “She’s Gone” e “Everybody Loves Eileen” — entraram nas paradas e o impulsionaram ao 40º lugar na Billboard. Pelas 500 mil cópias vendidas, o trabalho rendeu um disco de ouro para o quinteto completado por Frank DiConstanzo na segunda guitarra, James Ward no baixo e John Fowler na bateria.

Tudo indicava que o sucessor “Tangled in Reins” (1992) seguiria pelo mesmo caminho. Driblando as novas tendências alternativas da MTV, “Sticky Side Up” se estabeleceu na programação do canal, e na Ásia, onde o Steelheart possuía um de seus maiores públicos, a balada “Mama Don’t You Cry” virou hit, fazendo o disco vender feito água no deserto.

O sucesso naquele continente foi tamanho que na contramão dos “Unplugged” gravados em solo americano, o grupo realizou o seu em Hong Kong. Na volta para casa, shows abrindo para o Great White — cujo álbum “Hooked” (1991) havia ultrapassado as 500 mil cópias vendidas — coroaram o bom momento.

Halloween macabro

A letra de “Late for the Party”, uma das músicas de “Tangled in Reins”, baixa o decreto: “The party’s never, ever, gonna stop”. Em bom português, “a festa nunca, jamais, chegará ao fim”.

Noite de Halloween, 1992. A bruxa deu as caras na McNichols Sports Arena em Denver, Colorado. O Steelheart, recém-chegado de uma bem-sucedida turnê pela Europa, era banda de abertura do Slaughter, também gozando de um pico de popularidade: seu mais recente trabalho, “The Wild Life” (1992), tinha alcançado a 8ª posição na Billboard.

O show vinha rolando numa ótima, banda afiadíssima, público ensandecido… até que, durante a música “Dancin’ in the Fire”, Mike Matijevic decidiu escalar uma das torres de iluminação sem se dar conta do perigo que isso representava.

O peso fez a estrutura vir abaixo, derrubando o vocalista, esmagando o seu rosto contra o palco. “Não sei como ou de onde veio a força, mas consegui me levantar sem a ajuda de ninguém e fui levado imediatamente para o hospital”, contou ele. Fim de festa para o Steelheart.

A volta por cima de Miljenko Matijevic

O acidente em Denver não apenas sinalizou o encerramento das atividades do Steelheart, que jamais voltaria a tocar com a formação clássica, como chegou perto levar Mike Matijevic a óbito: somada às fraturas no nariz, na mandíbula, no queixo e na coluna, o vocalista foi vítima de uma grave perda de memória.

A recuperação, que levaria três anos numa espécie de transe contínuo, lhe custaria muito caro. Além de fama e fortuna conquistadas, no processo Matijevic viu amigos partirem, familiares o condenarem à própria sorte, sua casa e sua credibilidade como artista indo por água abaixo. Nem mesmo os fãs mais otimistas apostariam numa reviravolta.

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Só que Mike perdera tudo, menos a vontade de dar a volta por cima. Diagnosticado com traumatismo cranioencefálico, o vocalista teve de reaprender concentração e foco por meio de programação neurolinguística. Quatro anos após o flerte com a morte, surpreendeu a todos trazendo o Steelheart de volta à vida.

Com os mercados norte-americano e europeu dominados por desdobramentos do grunge e afins, Matijevic concentrou seus esforços na Ásia. Apesar da sonoridade que pouco dialogava com o velho Steelheart, “Wait” (1996) alcançou o primeiro lugar em diversos países daquele continente. Sem mais demônios a exorcizar, era o começo de um novo capítulo.

Mas nem só de glórias foi o referido período: na esteira do lançamento de “Wait”, Mike viu a mãe morrer de câncer aos 56 anos. No ano seguinte, foi a vez de Frankie, um amigo muito próximo, sucumbir à mesma doença.

Ainda em 1997, Mike voltou a atender pelo nome de batismo, Miljenko – ou Mili para os íntimos.

“Rock Star”: o chamado de Hollywood

Ano 2000. O telefone toca na casa do irmão de Matijevic, em Connecticut. Do outro lado da linha está Tom Werman, produtor de álbuns clássicos do hard rock e também de “Tangled in Reins”, com uma proposta irrecusável para o vocalista: “Estou trabalhando em um filme de nome ‘Metal God’ e acho que você é o cara. Topa fazer um teste?”. No dia seguinte, Miljenko embarca para Los Angeles, faz o teste e Werman confirma: “É isso, você conseguiu, você é o cara”.

O filme em questão, inspirado na história da entrada de Tim “Ripper” Owens no Judas Priest, chegaria às telonas com o título “Rock Star”. A Miljenko coube registrar os vocais que seriam dublados pelo ator Mark Wahlberg. “We All Die Young”, faixa de abertura de “Wait”, seria refeita com a ajuda peso-pesado de Zakk Wylde (guitarra), Jeff Pilson (baixo) e Jason Bonham (bateria) para se tornar o carro-chefe da trilha sonora.

Apesar da mística gerada em torno, o longa flopou. Sua renda não cobriu o custo reportado de produção, distribuição e marketing.

Na mesma época, depois de um malfadado teste para o que se tornaria o Velvet Revolver, Miljenko foi a voz do projeto Manzarek-Krieger, formado pelos ex-The Doors Ray Manzarek e Robbie Krieger, em duas turnês.

O Steelheart do novo milênio

Miljenko Matijevic, em foto de 2022 (foto: reprodução / Instagram)

Novos esforços para reunir a formação clássica do Steelheart não obtiveram resultado. O sonho seria descartado em definitivo com a morte do baterista John Fowler em agosto de 2008.

Em 2006, Miljenko, depois de um tempo tentando emplacar carreira solo como Mikey Steel, pegou a todos de surpresa com “Just a Taste”, um EP degustação do que estaria por vir. Quando o álbum “Good 2B Alive” finalmente viu a luz do dia dois anos mais tarde, ninguém mais se lembrava do que ouvira no compacto.

Ao vivo, porém, o caráter saudosista, somado à vibração que o punhado de canções que ele canta na trilha sonora de “Rock Star” exerce sobre o público, fez do show do Steelheart uma opção viável para inclusão em festivais de pequeno e médio porte nos EUA; muitos dos quais, dedicados exclusivamente às bandas do hard rock que o tempo havia varrido para debaixo do tapete. O crescente interesse nos grupos que faziam a cabeça da molecada na Costa Oeste de vinte anos atrás colocou o Steelheart, entre outros, novamente nos trilhos.

Tudo bem que a formação muda a bel-prazer de Miljenko ou conforme a disponibilidade dos envolvidos. Porém, verdade seja dita: o Steelheart segue vivo, sob a esperta direção de seu obstinado vocalista, e lançou dois álbuns nos últimos anos: “Through Worlds of Stardust” (2017) e o ao vivo “Rock ‘N Milan” (2018). Fim de festa coisa nenhuma!

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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