Como “Restless Heart” ajudou a enterrar – e então desenterrar – o nome Whitesnake

Planejado como empreitada solo do vocalista David Coverdale, álbum lançado em 26 de março de 1997 acabou se tornando parte da discografia da banda

Depois do encerramento da turnê de “Slip of the Tongue”, em 26 de setembro de 1990, David Coverdale se deu conta de que estava vivendo uma vida de ilusões. O vocalista, então, colocou um ponto-final nisso pedindo para sua figurinista queimar todas as constrangedoras roupas de palco que usava nos shows do Whitesnake.

Enquanto pensava no que fazer a seguir, o cantor viu a formação responsável pelo álbum e pela turnê — os guitarristas Steve Vai e Adrian Vandenberg, o baixista Rudy Sarzo e o baterista Tommy Aldridge — dispersar (apesar dos três últimos terem formado o Manic Eden em 1994). Parafraseando uma de suas mais icônicas letras, lá estava ele sozinho mais uma vez.

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Não demorou muito até que John Kalodner, o papa dos profissionais de A&R das gravadoras, reunisse David com um tal de Jimmy Page para lançar um disco. “Coverdale/Page” chegou às lojas em 15 de março de 1993 e sua divulgação ficou restrita a sete shows no Japão. Cinco foram as músicas de trabalho, mas apenas “Pride and Joy” e “Shake My Tree” tiveram alguma repercussão.

Quatro anos se passariam até que a voz de Coverdale fosse ouvida novamente.

O artista conhecido como Whitesnake

David Coverdale, em foto de 1997

Com o futuro do Whitesnake ainda incerto, as gravadoras Geffen nos Estados Unidos – antes de rescindir o contrato com a banda – e EMI na Europa capitalizaram com a coletânea “Greatest Hits”, de 1994, que ganhou disco de platina. No repertório, apenas músicas registradas nos álbuns “Slide It In” (1984), “1987” (1987) e “Slip of the Tongue” (1989), com destaque para “Looking for Love” – até então somente lançada no mercado europeu – e o B-side “Sweet Lady Luck”.

Em entrevista a Mitch Lafon reproduzida no livro “Whitesnake: A Fantástica Jornada de David Coverdale”, do autor Martin Popoff (Estética Torta, 2020), o vocalista contou que a ideia era se estabelecer como artista solo. Para tal, contou com respaldo até de seu empresário.

“Depois do ‘Coverdale/Page’, meu empresário e eu decidimos que talvez fosse hora de começar a trabalhar como David Coverdale. Todos os meus contratos com gravadoras eram em nome de ‘David Coverdale, o artista conhecido como Whitesnake’. Sempre foi David Coverdale em nome do Whitesnake.”

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Coverdale só não contava que os executivos com quem trabalhava na EMI de Londres, que haviam concordado em ajudá-lo na transição para a carreira solo, fossem substituídos por outros que o obrigaram a lançar o trabalho como parte da discografia do Whitesnake.

“Então, tive que acrescentar guitarras mais pesadas e aumentar o volume da p#rra da bateria, mas para mim não era um disco do Whitesnake. Era um disco solo de David Coverdale.”

No fim das contas, “Restless Heart” saiu na Europa como David Coverdale & Whitesnake. A foto na capa (abaixo) não deixava dúvidas quanto a quem dava as cartas. No Japão, apenas Whitesnake aparece escrito numa arte que segue a linha minimalista de “1987”.

Continuidade em diversos níveis

Embora seja um álbum muito mais pop, “Restless Heart” possui um elemento de continuidade à “Slip of the Tongue”: a presença do holandês Adrian Vandenberg, guitarrista que coassina todas as onze faixas com David Coverdale. O guitarrista diz:

“David e eu estamos sempre em contato, como muita gente sabe. Éramos bons amigos e continuamos sendo bons amigos mesmo após a minha saída do Whitesnake.”

Além de Vandenberg, estão presentes na empreitada o baixista Guy Pratt, o tecladista Brett Tuggle (Fleetwood Mac, David Lee Roth) e Denny Carmassi (Heart), que Coverdale vira e mexe aponta como seu baterista de rock preferido – os mesmos músicos de apoio das supracitadas sete datas do Coverdale/Page no Japão.

Reciclagem de ideias, baladas e bonus tracks

Ideias não aproveitadas por David e Jimmy Page foram recicladas pelo vocalista. Em entrevista ao Eon Music em outubro de 2020, Coverdale revela que os embriões de “Take Me Back Again” e “Woman Trouble Blues” datam dos tempos de Coverdale/Page.

Não obstante o DNA “zeppeliano” dessas e de “Crying” – talvez o momento mais “quero ser Robert Plant” de David –, as músicas de trabalho de “Restless Heart” foram as baladas “Too Many Tears” e “Don’t Fade Away”; ambas acompanhadas por videoclipes dirigidos pelo cultuado Russell Young. Coube até um cover no repertório: “Stay With Me”, originalmente gravada pela cantora soul Lorraine Ellison.

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A edição japonesa conta com três faixas a mais que a europeia (mesma distribuída no Brasil): “Anything You Want”, “Can’t Stop Now” e a instrumental “Oi”; único crédito de composição de Carmassi no disco.

Despedida, só que não

O lançamento de “Restless Heart” foi seguido, mas não imediatamente, de uma turnê anunciada como a despedida do Whitesnake dos palcos.

A Coverdale, Vandenberg  e Carmassi juntaram-se Tony Franklin (The Firm, Blue Murder) no baixo e Derek Hilland nos teclados, além de um segundo guitarrista de nome Steve Farris.

Da esquerda para a direita: Derek Hilland, Denny Carmassi, Tony Franklin, Steve Farris, David Coverdale, Adrian Vandenberg

O giro começou em setembro e terminou em dezembro daquele ano com shows na América do Sul, incluindo três datas no Brasil.

Mas a aposentadoria não seria definitiva: em janeiro de 2003, com um Whitesnake totalmente reformulado – Doug Aldrich e Reb Beach nas guitarras, Marco Mendoza no baixo, Tim Drury nos teclados e a volta de Tommy Aldridge na bateria –, David Coverdale daria início à turnê de 25 anos da banda.

Em seu livro, o canadense Popoff propõe que há uma relação entre “Restless Heart” e a decisão de sair da aposentadoria:

“[‘Restless Heart’] demonstra todo o talento encoberto pelo visual espalhafatoso da banda, no final dos anos 80. No fim das contas, [o disco] serviu como sinalizador para os fãs mais antenados sentirem vontade de voltar a ouvir o material produzido pelo Whitesnake. Além disso, referências ao longo de ‘Restless Heart’ lembraram aos ouvintes os prazeres de ‘1987’ e ‘Slip of the Tongue’, que agora eram prazeres proibidos, quase pecaminosos, especialmente se consumidos através dos videoclipes feitos por Marty Callner, que criou um mundo de fantasia inatingível pela nossa menos fabulosa realidade.”

Passados 25 anos, tudo indica que, desta vez, a despedida é para valer.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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