Conto de fadas sem final feliz: por que o Cinderella acabou – e nunca mais voltou

Banda rompeu em 1995 após não conseguir manter sucesso conquistado na década de 1980; problemas internos impediram reunião permanente

De banda cover da Filadélfia a um dos destaques da gravadora PolyGram nos anos 1980: a ascensão do Cinderella naquela década daria um filme. Mas o conto de fadas não teve um final feliz para Tom Keifer (vocais, guitarra), Jeff LaBar (guitarra), Eric Brittingham (baixo) e Fred Coury (bateria).

A exemplo de como foi para muitos de seus contemporâneos, os anos 1990 trataram de dar cabo à trajetória da banda, que com quatro álbuns lançados, resolveu sair de cena sem fazer muito alarde.

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Entrevistados pelos autores Tom Beaujour e Richard Bienstock para o livro “Nöthin’ But a Good Time: A História Completa e Sem Censura do Hard Rock Anos 80”, que chega ao Brasil em março pela editora Estética Torta, os quatro integrantes e o então empresário Larry Mazer rememoram episódios que resultaram na separação.

De partir o coração

Mazer conta que o primeiro sinal de alerta fora dado quando “Heartbreak Station” (1990) fracassou em repetir as três milhões de cópias vendidas de cada um de seus antecessores, “Night Songs” (1986) e “Long Cold Winter” (1988). Para o empresário, isso se deve, em parte, à conduta discreta de Keifer e os demais integrantes.

“Vendemos três milhões de cópias do ‘Night Songs’ e três milhões de cópias do ‘Long Cold Winter’. Até batemos a marca de um milhão com o ‘Heartbreak Station’, mas não nos tornamos o verdadeiro sucesso de bilheteria que Poison, Ratt, Bon Jovi e Mötley Crüe se tornaram. Acho que porque o Cinderella era mais como o Dokken ou o Great White, porque certamente não eram feios, mas não jogavam com aquela coisa do showbiz, Hollywood, tabloides.

Infelizmente, por nunca terem se tornado astros do rock em suas próprias mentes, os caras do Cinderella não desenvolveram esse estilo de vida, de uma forma que os impediu de se tornarem ainda maiores. Você nunca os viu nos bastidores dos shows de outras bandas, nunca os viu sofrendo um acidente de carro ou algo assim. Tom, mesmo sendo um astro do rock, nunca agiu como um. Ele morava com a esposa em Cherry Hill, Nova Jersey, em uma bela casa a um quarteirão do meu escritório.”

Já Coury reconhece que “Heartbreak Station”, embora impulsionado por um monstruoso plano de marketing – que incluiu uma festa de lançamento a bordo de um barco no rio Mississipi que custou 250 mil dólares –, não necessariamente estava de acordo com os desejos ou as expectativas dos fãs.

“As músicas eram muito elaboradas, e não rock para bater cabeça até quebrar o pescoço. Eram algo especial, e nada a ver com o hard rock que colocou a banda no mapa.”

Tom, por sua vez, confirma que o objetivo do álbum era justamente afastar o Cinderella da sonoridade oitentista. Para tal, buscaram inspiração em práticas de eficácia previamente comprovada pelo Led Zeppelin e pelos Rolling Stones.

“Muitas faixas foram gravadas em locais diferentes e, como resultado, todas elas têm personalidades diferentes. Para músicas como ‘Shelter Me’ ou ‘Love’s Got Me Doin’ Time’, queríamos um clima R&B mais forte e uma coisa mais setentista, então as fizemos em Louisiana, Nova Orleans. Também queríamos aquele clássico fundo vocal gospel de ‘Tumbling Dice’ (dos Rolling Stones) em ‘Shelter Me’, e o estúdio encontrou algumas garotas locais que eram incríveis. E complementamos da maneira que meus heróis, os Stones, fizeram: trazendo outros músicos e elementos para obter a pegada particular que desejavam.”

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O preço das más escolhas

“Shelter Me” foi a música escolhida como primeiro single – o que, na opinião de Mazer, foi um equívoco.

“Provavelmente teria lançado ‘The More Things Change’ antes porque embora tenha chegado ao primeiro lugar na parada rock e encontrado espaço nas rádios, ‘Shelter Me’ era tão diferente que você podia sentir que o público não estava curtindo tanto.”

Dirigido por Jeff Stein e estrelado por Little Richard e por Pamela Anderson em início de carreira, o clipe, sim, foi um grande sucesso. Tanto que o passo seguinte para o Cinderella foi marcar uma turnê pela Europa. A banda só não contava que seu desembarque no Velho Continente coincidiria com o início dos bombardeios da Guerra do Golfo, em janeiro de 1991.

Aterrorizados, os músicos decidiram cancelar tudo e voltar para casa; movimento que seu empresário e mesmo o fotógrafo Ross Halfin, que integrava a comitiva, consideraram fatal para a carreira do grupo. Mazer resume:

“Era o dia 20 de janeiro de 1991. Aterrissamos na Filadélfia no dia 21 e, no dia seguinte, a Guerra do Golfo terminou.”

Além da queda, o coice

“Heartbreak Station” penou até atingir um milhão de cópias vendidas. À sombra de “Nevermind” (1991), do Nirvana, e da emergente cena rock de Seattle, single e videoclipe de “The More Things Change” passaram batidos.

Como se não bastasse a queda, olho no coice levado por Tom Keifer:

“Meu problema de voz começou durante a noite. E sem que eu soubesse na época, não tinha nada a ver com a maneira que eu cantava ou com a agenda de turnês. Nunca realmente estudei canto, mas estava usando minha voz corretamente. Dizem que é importante, se você vai gritar, que grite corretamente. Eu tinha descoberto isso, porque estávamos tocando noite após noite.

No fim das contas, acabou sendo um problema neurológico: tive uma paralisia parcial da corda vocal esquerda, que pode ser causada pelo vírus da gripe ou do resfriado comum que se aloja no nervo que controla essa corda vocal, e ela simplesmente degenera. Também pode ser causada por anestesia geral se você for submetido a uma cirurgia. Disseram-me que eu nunca mais cantaria.”

A recuperação da voz levou três anos, e então o Cinderella gravou o derradeiro álbum “Still Climbing” (1994). Mas, parafraseando um verso da faixa-título de seu álbum anterior, “o trem havia saído da estação”.

Quem confirma isso em “Nöthin’ But a Good Time” é Brittingham:

“A turnê do ‘Still Climbing’, que aconteceu em 1995, foi um verdadeiro desastre. Estávamos tocando para, tipo, ninguém. Foi o auge do grunge. Quando tocamos em Seattle, a estação de rádio era tão anti-anos 1980 que nem vendia espaços publicitários para o nosso show. Insanidade. Acho que tocamos para, sei lá, umas cinquenta pessoas. Fizemos alguns shows bons, mas foram poucos e espaçados demais entre si, então, quando acabou [a turnê], a gravadora nos dispensou e nós ligamos o ‘f*da-se’ e nos separamos.”

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Agora já era…

O Cinderella retomou as atividades em 1996, chegando até a assinar um contrato com a Sony em 1999, por intermédio de John Kalodner, para um novo álbum – que, como sabemos, nunca saiu do papel. Lançamentos de trabalhos ao vivo e coletâneas correram em paralelo a shows esporádicos, o último deles em 2014, na edição daquele ano do Monsters of Rock Cruise.

Em entrevistas no decorrer dos anos, Keifer, que seguiu em carreira solo, foi categórico quanto à impossibilidade de uma reunião. À rádio WRIF, em 2019, declarou:

“Não vou falar sobre a dinâmica do Cinderella e o que causou o fim. A única coisa que direi é o que falei no passado: tem rolado problemas por décadas entre nós e eles passaram anos sem solução. Quando problemas ficam sem solução, eles geralmente ficam pior. Nunca lavamos roupa em público, nunca, e não vou fazer isso agora. É uma situação que não funciona mais.”

De forma mais direta, Jeff LaBar disse ao Another FN Podcast, em 2016, que ele próprio era a causa para o Cinderella não ter retornado de forma efetiva. O guitarrista sofreu com vícios em álcool e drogas ao longo dos anos.

“Não falo com nenhum deles mais. Ou, melhor: eles não falam comigo. Fizemos um pacto de não continuar com o Cinderella se um de nós saísse. E Tom parece levar isso adiante. Não é segredo que tenho problemas com álcool. E a situação piorou em um desses cruzeiros que tocamos. Quando piorei em um desses cruzeiros na frente de todos, a atitude de Tom foi ao estilo ‘que p*rra é essa?’. Então, me mandaram para a reabilitação. Tom chegou a pagar por parte da minha recuperação. Saí um homem melhor, mas só fiquei sóbrio por um ano.”

Dependente de cocaína na década de 1980 e de heroína nos anos 1990, Jeff teve problemas com analgésicos nos últimos anos, devido a uma cirurgia nos quadris.

“Passar um ano sóbrio em frente a pessoas que bebem é muito ruim. Além disso, sofro de transtorno de ansiedade. Parte do motivo pelo qual bebo é que, assim, posso sair de casa e lidar com as pessoas.”

Hoje, mesmo que o vocalista estivesse aberto a possibilidade, seria impossível: LaBar nos deixou em 14 de julho do ano passado, aos 58 anos.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

3 COMENTÁRIOS

  1. parabéns, otimo artigo da talvez mais interessante musicalmente banda advinda da cena oitentista, agora infelizmente e pejorativamente apelidada de hair metal. tom keifer é, provavelmente, o maior talento daquela geração, banda extremamente subestimada que está cravada na minha história e em meu coração para sempre, a canção “one for rock n roll” de heartbreak station explica e elucida bem o valor, a inteligencia e a profundidade deles.

  2. Excelente matéria! Contextualizou bem o que motivou o fim da banda. Realmente, não imaginava que Heartbreak Station teve um desempenho fraco.
    Musicalmente, o álbum é incrível e inspirado.

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