Por que Kate Bush está com a carreira em marcha lenta desde os anos 90

Muitas vezes pensa-se que o sumiço de um artista se deve a algo nefasto, por considerarmos estrelato como algo desejável; não é o caso da cantora britânica

Numa cena climática da quarta temporada da série “Stranger Things”, disponível na Netflix, a personagem Max (Sadie Sink) é salva da morte pelo poder de sua música preferida. A canção escolhida foi “Running Up That Hill”, da cantora e compositora inglesa Kate Bush, originalmente lançada em 1985 como single do disco de maior sucesso dela, “Hounds of Love”.

A aparição na trilha alavancou a canção de volta às paradas de sucesso, atingindo o primeiro lugar nos Estados Unidos, coisa que não havia conseguido originalmente. Tamanha foi a reação que a cantora britânica – famosa por não dar muitas declarações públicas – publicou uma carta agradecendo aos fãs em seu site.

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Junto com a música de Kate, tem sido reerguido o debate sobre seus hiatos entre álbuns e sua relutância em fazer turnês. Como que uma das cantoras alternativas mais famosas dos anos 80 simplesmente parou de gravar?

Sucesso a contragosto?

“Hounds of Love” – puxado por “Running Up That Hill” – foi o disco que fez Kate Bush estourar nos Estados Unidos depois de quase uma década de sucesso no Reino Unido. O álbum mais bem sucedido da cantora na América antes disso havia chegado ao 157º lugar da Billboard. “Hounds” atingiu o número 30, com “Running” galgando a mesma posição nas paradas pop.

Enquanto quase todo outro artista iria capitalizar em cima desse sucesso na forma de uma turnê extremamente bem-sucedida, Kate Bush provou mais uma vez que não era como quase todo outro artista.

A cantora fez apenas uma turnê na carreira, em 1979, e durou só seis semanas. Chamada posteriormente de “The Tour of Life”, a excursão basicamente previu toda apresentação pop como conhecemos atualmente, com múltiplas trocas de roupa, shows de luzes e coreografias elaboradas. 

Em entrevista ao The Guardian, ela detalha seu desconforto com os shows:

“Ao final, senti uma vontade terrível de me retrair como pessoa, porque senti que minha sexualidade, o que num jeito não havia realmente tido chance de explorar eu mesma ainda, estava sendo oferecida ao mundo de uma maneira que eu achei impessoal.”

Depois disso, Kate perdeu a vontade de se apresentar ao vivo – e de ser famosa, como ela disse numa entrevista em 1980 para a CITY-TV:

“Artistas não deveriam ser famosos. Eles tem essa aura enorme de qualidades divinas, só porque o que fazem rende muito dinheiro. E ao mesmo tempo é uma importância forçada… é feita por homens para que a imprensa possa se alimentar dela.”

Longos intervalos

Nos quatro anos entre “Hounds of Love” e o álbum seguinte, “The Sensual World” (1989), Kate Bush teve um dueto de sucesso com Peter Gabriel no Reino Unido – “Don’t Give Up” – e uma coletânea de seus maiores sucessos. Nenhum show, poucos compromissos de divulgação. 

Mesmo assim, quando “The Sensual World” saiu, se tornou um sucesso ainda maior nos Estados Unidos, vendendo mais de 500 mil cópias. Rendeu uma turnê? Não. Mesmo esquema de “Hounds of Love”.

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Quatro anos separaram “The Sensual World” e “The Red Shoes” (1993) e quando a cantora deu entrevistas sobre o disco novo, ela disse que os arranjos eram mais simples – comparados à música complexa de seus lançamentos anteriores – para facilitar apresentações ao vivo. Deixou claro, dessa forma, que a ideia era retornar aos palcos.

Mas os shows não vieram. No período logo antes de “The Red Shoes” sair, a cantora teve duas perdas importantes em sua vida. O guitarrista Alan Murphy, com quem ela colaborava desde a “The Tour of Life”, morreu por consequência da Aids. E mais importante ainda: Hannah Bush, a mãe de Kate, faleceu no mesmo período.

Reclusão de Kate Bush

Depois de lançar “The Red Shoes”, trabalho que novamente não teve turnê de apoio, Kate Bush simplesmente sumiu. Boatos começaram a surgir sobre sua vida pessoal sem qualquer conexão com a realidade. O que havia ocorrido?

Em 2005, ela finalmente disponibilizou “Aerial”, o álbum sucessor de “The Red Shoes”, e elaborou um pouco sobre sua ausência e os rumores em entrevista para o The Guardian:

“Grande parte do tempo não me afeta. Acho que faço esforço para ser uma pessoa normal e acho frustrante que pessoas acham que sou uma reclusa doida que nunca sai para o mundo. Sabe, eu sou uma pessoa muito forte e acho muito enfurecedor quando leio ‘Ela teve um colapso nervoso’ ou ‘Ela não é muito mentalmente estável, só uma criaturinha frágil’.”

A realidade foi que, em 1992, Kate conheceu Danny McIntosh e os dois desenvolveram uma relação. Arrasada pela morte da mãe, ela se deu férias e não trabalhou muito nos quatro anos após “The Red Shoes”. Em 1998, os dois tiveram um filho, Bertie, cuja existência a imprensa inglesa só descobriu 18 meses após ele nascer. 

Entre dar à luz e o lançamento de “Aerial” foram sete anos dela sendo mãe em tempo integral, o que não deixa restar muito tempo para música. Na mesma entrevista para o The Guardian, ela fala sobre o processo lento que gerou o então novo disco:

“Digo, tiveram tantas vezes que pensei que teria o disco pronto até o final do ano, definitivamente, lançaremos neste ano. E também tiveram alguns anos em que pensei que nunca vou conseguir fazer isso. Se pudesse fazer álbuns mais rápido, estaria voando, não estaria? Tudo simplesmente parece demorar tanto tempo. Não sei porquê. Tempo… evapora.”

“Aerial” foi extremamente bem recebido pela crítica, mas novamente não houve turnê. 

Um período de seis anos se passou sem muitas notícias da cantora – tirando uma canção para a trilha de “A Bússola de Ouro” – até que em 2011 ela teve seu ano mais prolífico em décadas.

DISCOS! SHOWS! NETFLIX!

Em maio de 2011, Kate Bush lançou “Director’s Cut”, álbum em que ela regravou canções de “The Sensual World” e “The Red Shoes” utilizando tecnologia analógica ao invés do equipamento digital original. As músicas tiveram mudanças nos arranjos, para acomodar a inabilidade de alcançar notas mais altas em função da idade, e três delas foram completamente regravadas, com direito a novas letras.

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Quando entrevistada sobre o disco pelo The Irish Times, ela teve isso a falar sobre as mudanças na sua voz:

“Eu gosto muito das vozes de outras pessoas à medida que elas envelhecem. Acho que vozes de cantores ficam mais interessantes com o passar do tempo. Pessoas como Frank Sinatra e Billie Holiday tinham vozes maravilhosas quando jovens, mas elas soavam ainda melhores enquanto envelheciam.”

Em novembro do mesmo ano, Kate lançou um disco completamente inédito, “50 Words for Snow”. Teve turnê? Não.

A cantora até se recusou a se apresentar na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres. Acabou mandando para os organizadores um novo remix vocal de “Running Up That Hill”.

Em 2013, ela se tornou a primeira artista mulher a ter discos atingindo o top 5 britânico em cinco décadas diferentes. No ano seguinte, chocou o mundo anunciando algo ainda mais raro que um álbum: uma residência de 22 apresentações ao vivo entre agosto e outubro no Hammersmith Apollo, em Londres.

O espetáculo, chamado “Before the Dawn”, teve os ingressos esgotados em 15 minutos. Como esperado, foi um sucesso esmagador de crítica.

Em novembro de 2016, foi lançado um disco triplo com o melhor das apresentações, com direito a uma declaração da cantora ao The Telegraph sobre os shows:

“Foi uma experiência extraordinária montar o show. Foi uma quantidade enorme de trabalho, muita diversão e um privilégio enorme trabalhar com uma equipe tão talentosa. Esse é o documento em áudio. Espero que possa existir sozinho como uma peça musical e que possa ser aproveitada por pessoas que sabiam nada dos shows, assim como por pessoas que foram. Eu nunca esperava a resposta avassaladora do público, toda noite enchendo o espetáculo com vida e empolgação. Eles estão lá em cada batida da música gravada. Até quando não dá para escutá-los, dá para senti-los.”

Dois anos depois disso, Bush lançou seu primeiro livro, uma compilação de letras chamada “How To Be Invisible”. Desde então, ela se manteve quieta – até o fenômeno causado por “Stranger Things”.

Muitas vezes achamos que o sumiço de um artista se deve a algo nefasto por considerarmos em algum nível estrelato como algo desejável. Ninguém sumiria do holofote sem algo de ruim estar acontecendo.

No caso de Kate Bush, foi o contrário de dois jeitos. Ela nunca realmente quis estar no holofote – e algo melhor aconteceu para mantê-la longe.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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