Iron Maiden abraça o épico e soa mais versátil em novo álbum “Senjutsu”

Décimo-sétimo disco de estúdio da lendária banda de heavy metal explora territórios diferentes na comparação com antecessores recentes

O novo álbum do Iron Maiden está entre nós. “Senjutsu”, décimo-setimo da discografia da banda britânica de heavy metal, chega a público por meio da gravadora Parlophone Records – representada pela BMG nas Américas.

Novamente produzido por Kevin Shirley, com co-produção do baixista Steve Harris, “Senjutsu” (clique aqui para comprar o CD) apresenta como título uma expressão em japonês que significa “tática e estratégia”. A capa, desenhada por Mark Wilkinson, reproduz um conceito criado por Harris (veja a arte ao fim da página).

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Como o antecessor “The Book of Souls” (2015), o novo álbum do Iron Maiden é duplo (triplo no vinil), tendo pouco mais de 80 minutos de duração. Ao todo, são 10 faixas, sendo que três delas ultrapassam os 10 minutos de duração. Apenas duas têm menos de cinco minutos.

Ouça a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

Longo, sim, mas não só isso

Quem se surpreende com a duração das músicas do Iron Maiden em pleno de 2021, certamente, não ouviu os álbuns anteriores. Em recente entrevista ao programa de rádio Talkin’ Rock With Meltdown, o baterista Nicko McBrain comentou que a banda sequer se preocupa com isso.

“Gravamos uma música, daí vamos para a sala de controle e curtimos o resultado. Daí Kevin (Shirley, produtor), diz: ‘sabe quanto tempo dura?’. Eu fico tipo: ‘não, cara, diga-nos… é um single de 7 polegadas (3 a 4 minutos), mas não usamos isso como regra, usamos?’. Então, ele diz: ‘é uma música de 12 minutos’. E nós: ‘oh, outra de 12 minutos, ótimo’. Como se o tempo fizesse diferença. Não faz. Você não pode dizer a um pintor como Michaelangelo no meio de seu trabalho: ‘acabe logo, você sabe quanto tempo está demorando para você pintar isso?’.”

Então, o primeiro passo para entender o Iron Maiden do século 21 é que se trata de uma banda com fortes raízes progressivas. Também em entrevista, mas ao Loudwire, o vocalista Bruce Dickinson revelou algumas influências que ele e Steve Harris, principais compositores de “Senjutsu”, exploraram no álbum.

“Steve e eu somos grandes fãs do Jethro Tull, mas provavelmente temos diferentes álbuns favoritos. Sou fã das primeiras coisas deles, mais folk. Já ele é um grande fã de ‘Thick as a Brick’ (1972) e de coisas progressivas bem longas. Ele adora ‘A Passion Play’ (1973). Eu não gosto tanto disso. Prefiro as coisas mais curtas. Steve é um grande fã do Genesis – não tanto do Genesis com Phil Collins, mas do início, mais progressivo, com Peter Gabriel. Já eu, sou mais fã de Peter Gabriel em carreira solo.”

De fato, “Senjutsu” parece agregar muito do rock progressivo da década de 1970, mas em outro estágio, mais visceral, típico do Iron Maiden. A banda se preocupou com, entre outros detalhes, soar ainda mais crua em sua produção, mesmo explorando composições mais complexas.

Outro detalhe perceptível é que o novo álbum soa mais versátil que o anterior, “The Book of Souls”, além de ter sido concebido em um ambiente mais natural. As composições foram desenvolvidas, em sua maioria, já dentro do estúdio. Pouco material criativo veio “de casa”, o que parece ter influenciado no resultado final.

Em entrevista à Kerrang!, Bruce Dickinson destacou mais um ponto curioso a respeito do processo autoral da banda: Steve Harris adota um perfil diferente, mais isolado.

“Não tínhamos ideia de como seria o álbum. Começamos sem ideia ou preconceito. Só fomos ao estúdio e tentamos. Quando funcionava, a gente gravava logo em seguida. Então, enquanto estávamos ensaiando, tudo estava sendo gravado. Steve literalmente se trancava sozinho por 2 ou 3 dias, enquanto todos nós íamos jogar fliperama. Do nada ele aparecia: ‘acho que consegui uma, caras… todos no estúdio agora’. Boom.”

Iron Maiden – Senjutsu, faixa a faixa

O disco começa com sua faixa-título, “Senjutsu”, que tem andamento peculiar para os padrões do Maiden. A introdução tribal com vocal de poucas variações de tom logo dá lugar a um refrão grandioso, com lick de guitarra bem “aberto”. Os solos soam ligeiramente dissonantes – dentro do possível, claro – e toda a estrutura da canção parece soar anticlímax, com exceção do já mencionado refrão.

Vi alguns reviews antecipados destacando que essa faixa soa como Tool. Não é pra tanto, mas, certamente, trata-se de uma canção diferente no repertório da banda. Funciona bem no contexto do álbum, ainda que, isoladamente, possa não convencer tanto.

Na sequência, temos “Stratego”, que já é conhecida do público e representa, talvez, o momento mais old school do álbum. A cozinha galopante de Steve Harris e Nicko McBrain alterna momentos de destaque com fraseados de guitarra que grudam na mente e uma boa performance vocal de Bruce – ouvi-lo dessa forma mesmo após mais de 60 anos vividos e um câncer na língua é reconfortante.

O disco volta a surpreender com “The Writing on the Wall” – ok, não é uma surpresa tão grande, pois essa faixa também foi liberada antecipadamente, mas trata-se de uma canção diferente do “padrão Maiden”. Confesso que não fui conquistado de primeira quando ela foi divulgada como single, mas passei a gostar e devo admitir que também funciona bem no contexto do álbum.

Dá para dizer que “The Writing on the Wall” soaria clichê na mão de muitas bandas, já que tem uma estrutura mais simplória e uma pegada folk/southern que foi explorada por tantos nomes ao longo da história. Para o Maiden, porém, é terreno novo. Com refrão cativante e bons fraseados de guitarra, a música mostra por que a parceria autoral entre Bruce Dickinson e o guitarrista Adrian Smith funciona tão bem.

A audição ganha densidade com a faixa seguinte, “Lost in a Lost World”, primeira das quatro composições assinadas somente por Steve Harris – as outras três são as faixas finais do disco e ultrapassam os 10 minutos de duração cada. O formato não surpreende: introdução lenta guiada por violão, entrada com peso após algum tempo, refrão explosivo, passagem instrumental com vários solos (que, infelizmente, pouco mudam a base) e um encerramento similar à intro.

Apesar de um ou outro ponto de destaque, como a rara presença de backing vocals na intro acústica e experimentos de dobra vocal por parte de Bruce, a faixa soa um pouco manjada. Difícil não se dispersar enquanto a ouve. Falta dinamismo. Mas calma: não desista das contribuições de Steve para esse álbum, pois ele irá surpreender mais adiante.

Enquanto isso, temos “Days of Future Past”, a faixa mais curta do álbum e a segunda das três composições assinadas por Smith e Dickinson. É o tipo de música mais direta que estava fazendo falta em outros álbuns. É bem construída e tem um refrão que gruda logo na primeira audição.

“The Time Machine”, na sequência, resgata a aura ligeiramente experimental da faixa-título – não por acaso, ambas foram compostas por Steve Harris em parceria com o guitarrista Janick Gers. Há aqueles padrões Harris de introdução lenta e final igual à intro, mas o miolo surpreende, graças ao que parecem ser contribuições de Gers: riffs de pegada mais contemporânea e trânsito por campos harmônicos menos usuais.

Última da dobradinha Smith-Dickinson, “Darkest Hour” chama atenção por sua letra de caráter histórico. Os versos abordam, nas palavras do próprio Bruce, como o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill “conseguiu, mesmo com suas várias falhas pessoais, impor-se diante da tirania de Hitler” em meio à Segunda Guerra Mundial.

Musicalmente, a faixa se destaca por uma curiosa referência a “Wasting Love” na construção de seu refrão. Por conta da progressão melódica, é impossível não se lembrar da famosa balada. Fora isso, trata-se de uma canção mais arrastada, que contribui mais para o clima do álbum do que proporciona um destaque individual – ainda que tenha alguns dos melhores solos de guitarra em todo o disco.

Chegamos, então, aos tão falados épicos de Steve Harris. São três faixas, criadas somente pelo baixista, que ultrapassam os 10 minutos cada. Posso adiantar algo que, talvez, você também já desconfie: as três começam com introdução lentinha e terminam de forma muito similar à intro.

O que muda é o recheio. E como muda.

“Death of the Celts”, a primeira delas, faz justiça a seu título: traz referências à música celta, tanto no refrão quanto, em especial, no cativante miolo instrumental (do qual Phil Lynott ficaria orgulhoso). Apresenta, ainda, a introdução mais legal das três faixas finais. Tem grande potencial para funcionar bem nos shows – assim como “The Clansman”, de quem pegou “emprestado” algumas características marcantes.

“The Parchment”, em seguida, é a música mais longa – e a menos interessante – de todo o álbum. Simplesmente não engrena. Mesmo quando toda a banda entra, com a voz de Bruce Dickinson e tudo o mais, não convence. Culpa, em minha visão, do ritmo mais lento e da ausência de variações. A pegada só muda nos últimos três minutos, quando a banda decide quebrar tudo em solos. Já é tarde, infelizmente.

Por sorte, “Hell on Earth” não deixa uma impressão final ruim para “Senjutsu”. Dos três épicos, é, provavelmente, a mais dinâmica. A essa altura, as introduções lentinhas já enjoaram, mas, nessa, vale a pena esperar. E como se espera: o instrumental entra com peso só a partir de 2min15seg e o vocal de Bruce Dickinson dá as caras apenas em 3min30seg.

A faixa evolui bem e convence de vez quando entra nos solos, com alterações de ritmo que, inclusive, cairiam bem em outras músicas do álbum. Toda a banda dá um show por aqui, mas Nicko McBrain justifica o título de “arma secreta” do disco que recebeu de Dickinson em uma entrevista. O vocalista também merece destaque, pois está cantando como nunca – é a canção onde ele se sai melhor em todo esse trabalho, na minha opinião.

Veredicto

No geral, a impressão deixada por “Senjutsu” é de um álbum mais versátil que seu antecessor, “The Book of Souls”. Além disso, as melhores músicas do novo álbum superam os destaques do disco anterior.

Bruce Dickinson está, notoriamente, cantando melhor, além de parecer usar sua voz com mais sabedoria. Tê-lo compondo mais com Adrian Smith também é um destaque positivo. E é ótimo perceber como a dupla formada por Steve Harris e Nicko McBrain segue em uma pegada tão intensa, especialmente considerando que o baterista, no alto de seus 69 anos de idade, é o mais velho da banda.

Há, por outro lado, alguns pontos de atenção. O principal, obviamente, é que esse não é o melhor álbum do Iron Maiden desde a reunião, ainda que possa empolgar muitos fãs. Fosse um disco simples e não duplo, sem “The Parchment” e “Lost in a Lost World” – ou com versões resumidas de ambas – e com alguns solos mais memoráveis, especialmente do guitarrista Dave Murray, daria para considerar tal reflexão.

O segundo, engrossando o coro das reclamações de tantos outros fãs, é a sonoridade da produção. Não por conta de Kevin Shirley, que é um grande produtor, mas pelo envolvimento de Steve Harris, que tem buscado sonoridades cada vez mais cruas nos álbuns. Não há necessidade. Uma produção grandiosa em “Senjutsu” faria o disco soar gigante, já que as músicas têm essa aura.

Mas, como quase todo trabalho do Maiden nas últimas duas décadas, é necessário digeri-lo devidamente. As impressões compartilhadas por mim neste texto podem mudar ao longo do tempo – o que vale para todo álbum, mas especialmente em trabalhos com composições mais complexas e que demandam mais e mais audições, a exemplo de “Senjutsu”.

No fim das contas, trata-se de um álbum bem bom. Mostra que as reclamações de que o Maiden “soa igual em todo disco recente” não procede. Canções como a faixa-título, “The Writing on the Wall”, “The Time Machine”, “Death of the Celts” (apesar da clara referência a “The Clansman”) e “Hell on Earth” mostram que os caras estão dispostos a fazer diferente – sempre na medida do possível, já que eles não vão reinventar a roda após quatro décadas de carreira.

O segredo para curtir “Senjutsu” é não esperar por um novo “Powerslave” e ouvi-lo com calma, sem o frenesi em que a internet vem nos colocando – da mesma forma que você fazia quando escutou e curtiu o citado álbum de 1984.

Se você gosta de Iron Maiden, isso provavelmente dará certo. Se não, volte ao “Powerslave” e tente novamente.

Iron Maiden – “Senjutsu”

  1. Senjutsu (Smith/Harris) 8:20
  2. Stratego (Gers/Harris) 4:59
  3. The Writing On The Wall (Smith/Dickinson) 6:13
  4. Lost In A Lost World (Harris) 9:31
  5. Days Of Future Past (Smith/Dickinson) 4:03
  6. The Time Machine (Gers/Harris) 7:09
  7. Darkest Hour (Smith/Dickinson) 7:20
  8. Death Of The Celts (Harris) 10:20
  9. The Parchment (Harris) 12:39
  10. Hell On Earth (Harris) 11:19
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

3 COMENTÁRIOS

  1. Os caras merecem um Grammy de música por este álbum, a atmosfera musical mexe com a imaginação de quem ouve. Além disso a banda vem a quase uma década nessa pega progressiva que particularmente eu tenho gostado e muito.

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