Por que o Iron Maiden lançou “A Matter of Life and Death” sem masterização

Lançado em 2006, disco trouxe a banda em sonoridade ainda mais progressiva e bastante crua

Os retornos do vocalista Bruce Dickinson e do guitarrista Adrian Smith ao Iron Maiden, em 1999, fizeram a banda investir mais em uma sonoridade mais progressiva. Essa guinada cresceu até chegar em 2006, com “A Matter of Life and Death” – um daqueles álbuns aclamados pela crítica, mas que dividiu a opinião do público.

Os dois álbuns anteriores, primeiros desde as voltas de Dickinson e Smith, oferecem concessões aos fãs: “Brave New World” (2000) e “Dance of Death” (2003). Porém, ambos os trabalhos deixam clara a intenção do grupo em trilhar determinado caminho.

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Em seguida, veio “A Matter of Life and Death”, que acabou chocando aos menos atentos. As músicas mais longas, com introduções climáticas e passagens instrumentais mais presentes, ganharam ainda um tempero curioso: uma sonoridade bem peculiar, mais crua.

Em vários aspectos, o álbum traz o Maiden assumindo as rédeas do próprio som.

A masterização – ou a falta dela

Para a produção de “A Matter of Life and Death, o Iron Maiden contou com seu velho parceiro, Kevin Shirley – o mesmo desde “Brave New World”. Curiosamente, a presença dele nesse sentido seria a única coisa mais “normal”.

Naquela época, a banda havia acabado de concluir a turnê Eddie Rips Up The World, que revisitava o passado promovendo o DVD “The Early Days”. Era justo que o grupo liderado pelo baixista Steve Harris estivesse determinado a olhar para a frente, como não fazia há algum tempo.

Dessa forma, a decisão mais drástica tomada pelo grupo na produção foi a de simplesmente não realizar masterização em “A Matter of Life and Death”. A ideia era proporcionar um som bem próximo do ao vivo, algo que, de certa forma, eles conseguiram.

A masterização oferece, justamente, uma sonoridade mais equilibrada, típica de um trabalho em estúdio. Sucedendo a mixagem, é a etapa final do processo de gravação, onde os canais individuais são balanceados em conjunto. Basicamente, é a “cola” que une uma música.

Abrir mão desse processo parece algo ousado. Todavia, Kevin Shirley, que é um grande produtor, estava por trás disso – o que facilitou. Ele, inclusive, foi o primeiro a falar sobre o assunto, em um diário online, onde mostrou-se contente com a decisão da banda.

“Falei com ‘Arry (Steve Harris), que decidiu não masterizar o álbum do Iron Maiden… isso significa que você vai poder ouvir o novo álbum exatamente como ele soa no estúdio, sem equalização adicionada, compressão, abertura analógica, etc, e preciso dizer: estou muito feliz com o resultado final.”

Falando à revista Metal Hammer, em 2006, Bruce Dickinson e Steve Harris explicaram os motivos que levaram a banda a optar por essa sonoridade. De acordo com Dickinson, as gravações do disco foram tão tranquilas que a banda finalizou o processo 2 meses antes do esperado.

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Harris, por sua vez, falou da ideia que tinha em mente para o álbum, o que se conecta com a forma como ele soa:

“Muito do que você ouve nele são os primeiros takes. É mais pesado do que jamais soamos, mas também muito progressivo. E não digo isso no sentido moderno, mas como o Dream Theater, de um jeito mais anos 70.”

Como soa “A Matter of Life and Death”

A ausência de masterização em “A Matter of Life and Death” faz com que os instrumentos soem mais orgânicos – ou mais “crus” para utilizar um jargão.

O clima de jam já pode ser percebido logo na abertura do disco, com “Different World”. A faixa apresenta o tipo de som que vai permear o álbum, mas em uma pegada não tão progressiva, que remete ao Maiden “clássico” – ainda que o refrão em tom baixo seja uma novidade.

“A Matter of Life and Death” não é conceitual, mas assuntos envolvendo guerra e religião são bem explorados nas letras. Esses temas puxam momentos épicos, especialmente nas faixas mais longas.

Com o som “ao vivo”, esses momentos ganham brilho, como em “Brighter Than a Thousand Suns”, “For the Greater Good of God” e “The Reincarnation of Benjamin Breeg” – esta, divulgada como o primeiro single do álbum, de fato, oferece uma boa amostra do que é o trabalho como um todo.

Entre os instrumentos, certamente, a bateria de Nicko McBrain foi o que mais ganhou destaque. A caixa está em um volume alto, mas sem incomodar, de forma realmente semelhante ao que soaria ao vivo, em estúdio.

O baixo de Steve Harris, tão presente nas introduções de algumas faixas, também foi beneficiado. O som parece ter sido pensado para enfatizar a “cozinha” da banda.

O elogio e a rejeição ao “novo” Iron Maiden

Em vendas, “A Matter of Life and Death” não foi menos do que um grande sucesso. O álbum entrou no top 10 das paradas de 18 países, ganhando disco de ouro em 7 e platina na Finlândia.

Os singles de “Different World” e “The Reincarnation of Benjamin Breeg” também se saíram muito bem nos charts especializados em rock e heavy metal. Além disso, a crítica especializada no geral fez elogios ao mergulho do grupo em suas raízes progressivas.

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Isso fez com que a banda começasse a turnê de divulgação com a sensação de “jogo ganho” – o que não se provou verdadeiro.

Na turnê de divulgação, pela primeira vez, o Maiden executaria um novo álbum na íntegra. As 10 faixas do disco compuseram a maior parte do set, encerrado por alguns clássicos de outras eras. Seria a primeira vez em muito tempo que músicas tão icônicas como “The Number of the Beast”, por exemplo, não entrariam nas apresentações da banda.

O repertório dividiu a opinião do público. Em 12 de outubro de 2006, durante show em Nova York, um fã chegou a atirar um cartaz no palco com os dizeres “play the classics!” (“toquem os clássicos!”). A mensagem foi rasgada em pedaços por um irritado Bruce Dickinson.

Os protestos fizeram a banda repensar algumas decisões. Dessa forma, a segunda perna da turnê de “A Matter of Life and Death”, em 2007, trouxe um repertório mais equilibrado, compartilhando a comemoração dos 25 anos de “The Number of the Beast”.

Nos anos seguintes, o Maiden passou um bom tempo atendendo ao pedido do fã com o cartaz em Nova York ao girar o mundo com a turnê “Somewhere Back in Time”, focada nos discos da década de 80.

https://www.youtube.com/watch?v=NAq0rL8E4hM

O legado

No fim das contas, “A Matter of Life and Death” exala competência ao longo de mais de uma hora de música. A comparação feita por Steve Harris com o Dream Theater não foi à toa: a maioria das músicas se aproxima e até passa fácil dos 7 minutos de duração, abusando de longas intros e passagens instrumentais detalhadas, cheias de nuances.

Isso pode não ter agradado aos fãs mais “ortodoxos”, mas, felizmente, qualquer exagero seria amenizado nos próximos lançamentos. “The Final Frontier” (2010) e “The Book of Souls” (2015) não deixam de lado a grandiosidade e a veia progressiva, mas aproveitaram melhor esses elementos.

“A Matter of Life and Death” é o verdadeiro começo da fase atual da banda. É, sobretudo, essencial para entender álbuns como o vindouro “Senjutsu” (2021), que deve apostar em fórmula parecida com a de seus antecessores.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

2 COMENTÁRIOS

  1. grandíssimo album, o melhor da banda em minha opinião neste seculo, junto a brave new world que é de 2000, tecnicamente século passado ainda, mas o incluo.

  2. A Matter of Life and Death foi tbm o único álbum que essa sonoridade mais “ao vivo no estúdio” ficou realmente boa. No Final Frontier e no Book of Souls, esse tipo de produção acaba por prejudicar a experiência ao escutar certas faixas (fica melhor geralmente nas mais curtas). Imagino que em Senjutsu não será diferente, visto que o single Stratego já tem os vocais do Bruce tímidos em relação ao resto dos instrumentos e um teclado sintetizador meio perdido no fundo, que às vezes dá pra escutar, às vezes não. Em compensação, Writing on the Wall tá perfeita e caiu muito bem nesse estilo de produção, parece ter sido uma música muito melhor trabalhada nos detalhes que a outra já lançada.

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